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quanto beneficiários das atividades específicas desenvolvidas pela ini- ciativa de outrem (por exemplo, uma associação); antes, implicam, na maioria dos casos, o envolvimento ativo e de forma regular dos jovens no seu planeamento e prossecução, sobressaindo ainda em alguns re- latos que é o próprio jovem o principal agente promotor da iniciativa. Parece-nos que estas características proporcionam, desde já, indícios que nos aju- darão a compreender de que modo as trajetórias associativas dos/das participan- tes na pesquisa se desenrolaram com a estabilidade e a regularidade que lhes per- mitiram percorrer um caminho de mais de 10 anos, tendo em conta que o primeiro contacto com o associativismo se deu em idades muito jovens, se desenvolveu até à idade adulta e se mantém no momento atual.

1.2. …ao desenhar de uma trajetória

É de facto como uma bola de neve porque tu começas a participar em determina- das coisas que te permitem aceder a muitas outras e que, por sua vez, te levam a outras. (Susana)

Esta frase sintetiza muito claramente de que modo é que uma primeira experiência associativa, independentemente do nível de formalidade ou informalidade que se lhe aplique, permite ir ao encontro de novas oportunidades, ou que novas oportunidades vão ao encontro dos jovens.

Assim, se a participação numa atividade promovida por uma associação é consi- derada vantajosa e interessante, o gosto que os jovens daí retiram funciona como estímulo para aderirem a outros programas e eventos. De modo recíproco, se a as- sociação beneficiar com a participação do/a jovem e se considerar o seu perfil ade- quado para outras atividades ou para projetos específicos, “alguém” lhe endereça novos convites, situação que pode subsequentemente conduzir ao seu envolvimen- to regular e permanente, numa vertente de voluntariado ou para assumir funções remuneradas na instituição. A acumulação de experiências e de saldos positivos na relação que se vai construindo entre o sujeito ativista e a instituição que o acolhe pode inclusive concretizar-se na assunção de responsabilidades de direção. Os quatro relatos que adiante se apresentam exemplificam este tipo de trajetória, contemplando vários momentos de um percurso associativo que se inicia por uma curiosidade em participar em atividades específicas; desenvolve-se para uma par- ticipação voluntária que envolve a dinamização de projetos; daí evolui, progressi- vamente, para uma responsabilização em atividades fundamentais da associação, em funções que passam a ser remuneradas em três dos quatro casos; culminando no exercício efetivo de cargos de direção.

No primeiro relato, sobressai o incentivo, por parte de responsáveis da associação, em acolher propostas que possibilitem à jovem implementar e assegurar a conti- nuidade de atividades pertinentes para a intervenção associativa. Por outro lado, é de realçar o efeito que a vivência de várias experiências, em momentos diferentes, exerceu sobre a jovem no sentido de proporcionar o florescimento de “ideias de fazer coisas” e, ao mesmo tempo, estimular a vontade de fazer algo semelhante ao que vira outros jovens fazer, de modo também voluntário e com propósitos so- lidários.

(…) houve um primeiro intercâmbio para a Bélgica e foi metade do grupo [de jovens onde já estava envolvida] (…). Uma das coisas dos intercâmbios era que tu ias participar, tinhas uma contribuição financeira, mas também tinhas uma contribuição cívica e de alguma forma tinhas de melhorar o teu bairro ou dar apoio numa atividade que a associação fizesse, tinhas de ter uma contribuição cívica. A minha contribuição cívica foi no apoio escolar porque eu era boa aluna (…). [Mais tarde fomos à] Holanda e conhecemos outra associação lá, tinham grafittis, um miniestúdio, uma míni-discoteca, uma dinâmica muito diferente da nossa e muito mais à frente e nós quando chegámos vínhamos todos cheios de ideias de fazer coisas, fomos nós que os acolhemos em casa, organizámos o espaço, uma coisa muito mais participativa em termos de trabalho e isto tudo acabou por nos envolver mais um bocado. Na mesma altura veio uma rapariga fazer o Serviço Voluntário Europeu (…) e aquilo despertou-me, porque foi alguém que saiu do país dela e veio para cá fazer um trabalho associativo, praticamente gratuito, e fez-me pensar por que é que vinham pessoas assim? E eu achei que era interessante, porque se o outro vinha de longe, por que é que eu não podia continuar com o apoio escolar? Até porque era uma coisa de que eu gostava. E então foi neste sentido que eu comecei a embrenhar-me mais na associação, trabalhava muito mais com os jovens (…).

No 2.º ano da faculdade comecei a fazer voluntariado na documentação e foi isto que me fez também crescer aqui um bocadinho na associação. (…) tive de criar um projeto, (…) consegui pelo IPJ porque era uma jovem que estava a fazer qualquer coisa. (…)

Eu acabei por ser contratada para substituir uma baixa que seria de 4 meses mas que passou a 5 e acabei por ficar e uma das coisas que eles me disseram foi que era para substituir uma baixa, mas se houvesse algum projeto em que eu mostrasse interesse ou que (…) achasse que era uma coisa motivadora, a associação funciona assim e então foi aí que eu acabei por ficar nestas ativi- dades. (…)

Quando entrei para a direção lembro-me que quando me convidaram eu olhei e disse “Bom, espero que vocês não se dececionem” (…). Entrei como suplente de um membro da direção (…) mas como suplente nem percebia bem o que tinha de fazer, pensava que ia lá de vez em quando e pronto e logo no 1.º ano esse membro desistiu, houve uma reestruturação e eu de repente saltei para a direção sem saber como. E comecei a perceber o que é que era a associação (…). (Rita)

O próximo relato difere um pouco do da Rita porque não existe uma oportunidade em aberto para o jovem apresentar iniciativas de ações a desenvolver. No entanto, a experiência na atividade inicial suscita o gosto pelas tarefas desempenhadas e a sua integração em projetos já em curso no terreno permite-lhe tomar conhecimento com uma área de intervenção social que lhe agrada, fazendo nascer um interesse cada vez maior neste tipo de ação. Tanto é assim que será o seu bom desempenho nas tarefas que lhe são atribuídas e o seu empenhamento na vida da associação, em geral, que estão na base de sucessivos convites para assumir a responsabilidade de novas funções e, posteriormente, para fazer parte da direção.

Depois dessa formação fui um dos jovens selecionados que fizeram a forma- ção para fazer o levantamento junto dos diferentes bairros (…). Fiz esse traba- lho sensivelmente durante dois meses. Depois houve uma altura em que optei por deixar de o fazer, porque estava a fazê-lo durante o dia e estava a preju- dicar-me os estudos (…). E foi aí que surgiu o convite da associação, porque uma vez que eu ia deixar de exercer essa atividade poderia continuar ligado à associação mas fazendo voluntariado, fazendo parte do grupo de voluntários da associação. E aí é que começa o associativismo propriamente dito e depois a partir daí surgem várias oportunidades.

Fiz-me sócio, em 1997 fiz o curso de formação de voluntários (…). E aí comecei a gostar da área em si e do trabalho de voluntariado (…).

Quando iniciei o grupo de voluntários, alguns meses depois fui convidado por um membro da direção para fazer parte de um projeto europeu (…). Comecei a fazer esse trabalho e na altura havia uma vaga para o secretariado do pro- jeto e foi onde eu comecei a trabalhar, meses depois surgiu uma vaga para a coordenação e com base no desempenho que tinha tido fui convidado para fazer parte da coordenação do projeto enquanto cocoordenador. Algum tempo depois houve eleições e como passava muito tempo na associação e dedicava também muito tempo a outras causas que não tinham diretamente a ver só com o meu projeto mas com a atividade da associação, convidaram-me para fazer parte da lista que foi eleita e acabei por fazer dois mandatos na direção. Ainda antes de me convidarem para integrar o projeto europeu fui selecionado para participar numa conferência sobre educação de pares na Holanda (…). Era a primeira vez que viajava em trabalho sozinho (…) e correu tudo bem, e também gostei, e a partir daí começam a surgir outras coisas dentro da mes- ma linha, envolvendo-te mais. (Miguel)

O relato do Miguel refere ainda um aspeto que será confirmado ao longo da análise do conjunto das trajetórias associativas: é situação muito frequente uma primeira ex- periência bem sucedida dar origem a outras e proporcionar novos contactos e opor- tunidades de envolvimento em ações e projetos diferentes, consoante o trabalho da associação se vai intensificando ou diversificando. Tal não acontece apenas nos ca- sos em que a participação se processa no âmbito de uma associação, mas também como resultado do êxito de ações que os jovens tiveram a iniciativa de desenvolver. A experiência de Leonor confirma esta transição entre um envolvimento voluntário em atividades associativas e o convite a prosseguir o ativismo, ao qual está subjacen- te a aprovação do trabalho da jovem, bem como das suas qualidades para assumir funções de maior responsabilidade.

Entretanto já existia a associação de moradores e havia uma continuidade en- tre as duas, mas eu não participava nessa, até porque não havia grandes ativi- dades. Não havia sede e as pessoas também tinham dificuldades em ter tem- po disponível. Eu vim a envolver-me só em 1999, já passados uns bons anos [a participar na associação da Paróquia, como voluntária no apoio escolar], porque me convidaram para ingressar. O convite partiu da associação de mo- radores, que se estava a reformular. Convidaram-me para formar uma lista. A associação estava um bocado desativada e queria-se retomar a intervenção e também passar as atividades que a outra associação vinha fazendo para a responsabilidade da associação de moradores, capacitando-a para continuar o trabalho. E a partir desse momento é que começámos a fazer esse trabalho com maior regularidade, fizemos o pedido para ter a sede, a pouco e pouco a outra associação foi passando determinadas atividades e espaços que tinha aqui no bairro para responsabilidade da associação e foi assim que se come- çou a formar-se um trabalho mais constante, tinha aí uns 17, 18 anos, estava no secundário. (Leonor)

Um aspeto que nos parece relevante e comum às três histórias é o interesse por par- te de responsáveis das associações em “não perder” os jovens. Dito de outro modo, sobressai uma recetividade empenhada em envolver os jovens, que iniciaram o seu contacto de forma voluntária, em atividades que consigam conciliar com a sua ocu- pação de estudante ou em buscar alternativas que permitam a contratação remu- nerada como meio de assegurar uma colaboração permanente e proveitosa para ambas as partes. Esta estratégia por parte das diferentes organizações é sinal da atenção que os seus responsáveis demonstraram perante jovens que manifestam um perfil e qualidades importantes para o trabalho associativo.

Os relatos da Rita e da Leonor fazem ainda realçar um ponto importante para perce- ber as suas trajetórias: enquanto crianças beneficiaram das atividades de associações que já intervinham nos seus bairros de residência, sendo essa experiência prévia que estimula as jovens a terem uma participação ativa assim que passam à fase da ado- lescência, ou seja, de beneficiárias e grupo alvo da intervenção associativa, assumem um papel de voluntárias na dinamização de atividades para outras crianças e jovens. A trajetória seguinte assemelha-se às anteriores, mas difere no que respeita o mo- mento da adesão. No caso da Paula, o início do voluntariado coincide com as primei- ras atividades desenvolvidas num contexto informal e que fomentam a constituição da associação, etapa em que ela própria é também interveniente principal.

Depois quando surgiu outra hipótese de precisarem de uma pessoa, como eu estava do início como voluntária, a (…) deu-me essa oportunidade, disse-me que viu que desde que eu estava lá que tinha muitas capacidades e tinha jeito e chamou-me. Então desde aquele momento que tenho estado a trabalhar aqui na associação. Comecei em 1991 até agora. (…) Trabalhava de dia e à noite ia para as aulas, eu nessa altura já trabalhava com um contrato normal, já não era voluntariado. (…) posso dizer que nesta casa já fiz um pouco de tudo! (…) Estou a trabalhar neste momento como auxiliar (…).

Além deste cargo na creche faço parte da direção, desde o início! (…) Porque na altura quando começou a associação, quando abrimos a outra casa, tínhamos de ter um registo nas finanças e depois começámos a escolher o nome, fomos nós, eu e aquelas duas amigas minhas e os vizinhos que tinham a casa com os livros. Já estive na assembleia-geral, no conselho fiscal, agora faço parte da direção. (Paula)

Estes quatro relatos confirmam a importância da variável “recrutamento” que Verba, Schlozman e Brady (1995) identificaram no seu modelo de análise da participação cívica. Com efeito, não basta existir a vontade de participar, é necessário que haja outras condições que tornem essa participação possível, sendo que a formulação de um convite por parte de alguém que já está inserido numa organização é o fator que pode marcar a diferença que medeia entre a simples existência de uma vontade e a participação efetiva (op. cit.: 273). Segundo estes autores, o recrutamento pode ser uma estratégia de autosseleção das organizações, pois proporciona o envolvimen- to de pessoas cujas capacidades ou competências são avaliadas como positivas e vantajosas para o trabalho que nelas se realiza. Os “recrutados” tornam-se, assim, recursos humanos que permitem o reforço ou uma melhoria da intervenção.

Em complemento, é de evidenciar a existência de características pessoais que jus- tificam o recrutamento destes jovens para projetos das associações, sob a forma de oferta de emprego em três das situações. Relembre-se que as características pessoais são, também, um fator essencial dos modelos de análise do processo de participação, tanto o desenvolvido por Verba e outros autores (1995), como a proposta de Triandafyllidou e Vogel (2005; Vogel 2006).

As semelhanças entre os percursos de Miguel e Paula dão forma a uma trajetória que se desenrola em torno dos seguintes momentos e experiências no meio asso- ciativo (adiante designada por trajetória ‘A’, vd. Figura 3):

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