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CAPÍTULO III ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1. MIGRAÇÕES, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA

1.1. Desafios da cidadania num mundo global

Estudar a participação associativa dos descendentes de imigrantes implica enqua- drar esta dimensão no percurso evolutivo do conceito de cidadania. A participação é uma dimensão chave da cidadania e são peças indissociáveis da democracia, pelo que as questões ligadas a estes conceitos ocupam lugar de destaque no debate so- bre as democracias contemporâneas, conforme sintetiza a declaração seguinte:

“Citizen participation is at the heart of democracy. Indeed, democracy is un- thinkable without the ability of citizens to participate freely in the governing process” (Verba et al. 1995: 1).

Marshall na sua obra “Citizenship and social class”34 apresenta uma teorização pionei- ra sobre esta temática. A sua proposta assenta numa evolução sequencial da cida- dania, desde a instituição dos direitos civis aos direitos políticos e, por fim, à conquis- ta dos direitos sociais, realçando que esta evolução depende da luta pela expansão de direitos, cuja base reside nos conflitos inerentes às desigualdades de classe das sociedades capitalistas (cit. in Barbalet 1989: 21). Esta perspetiva veio a ser alvo de várias críticas por se centralizar na variável classe e negligenciar mecanismos deter- minantes de desigualdades de género, assim como por não contemplar as questões do pluralismo cultural e da diferença. Por outro lado, tem o mérito de defender a interdependência dos direitos como garantia do acesso à cidadania plena e de subli- nhar o papel dos indivíduos neste processo.

O conceito de cidadania abrange três dimensões: os direitos e deveres atribuídos aos cidadãos de uma dada comunidade; a definição da adesão ou pertença à co- munidade; a natureza e a forma da própria comunidade (Bauböck 1994: vii). Nesta perspetiva, a cidadania ultrapassa a mera posse do estatuto legal de cidadão e, em contrapartida, salienta-se que no seu cerne se encontra uma relação entre os indi-

34. Para a apresentação da evolução histórica do conceito de cidadania cf. Castles, Davidson (2000: 26- 53), Magalhães (2001: 152-163) e Pocock (1995).

víduos e uma comunidade, assente numa transação de direitos e deveres, que pos- sibilitam aos indivíduos incluídos na categoria de cidadãos participar em igualdade de condições na vida dessa comunidade (Barbalet 1989; Bauböck 1994; Bloemraad 2000; Castles, Davidson 2000).

A história do conceito mostra que a cidadania se encontra fortemente associada ao espaço político do Estado-Nação (Castles, Davidson 2000: 2), dependendo dos pro- cessos de constituição e evolução dos Estados e da forma como estes definem quem é cidadão (ou seja, as regras de acesso à cidadania) e como regem a consequente atribuição de direitos e deveres aos indivíduos incluídos nessa categoria (ou seja, as regras de funcionamento inerentes à cidadania). À cidadania subjazem, portanto, mecanismos de inclusão e de exclusão que operam em simultâneo.

Os debates contemporâneos têm realçado, porém, que a ideia de cidadania vincula- da à posse da nacionalidade de um Estado específico está em crise e é questionada pela globalização, pelas migrações internacionais e pelo multiculturalismo das so- ciedades atuais, que induziram a emergência de múltiplas e diversificadas formas de pertença à comunidade, no quadro de um mundo global e interdependente. A defesa dos direitos das mulheres, dos imigrantes e dos grupos minoritários tem vindo a tornar mais complexa a reflexão contemporânea sobre os fundamentos e a prática da cidadania, nomeadamente por fazer notar os limites de que enfermam as várias definições da condição de membro, e consequentemente de estranho, face à co- munidade (Anthias, Yuval-Davis 1992; Bloemraad 2000; Castles 2000; Ferreira et al. 1998; Kymlicka 1995; Soysal 1994).

A dicotomia de inclusão/exclusão inerente à definição do estatuto de cidadania é exemplificada pela situação dos imigrantes nos vários países onde fixaram a sua residência, porquanto o acesso à plenitude deste estatuto é conferido, em regra, so- mente aos nacionais. Os Estados europeus têm facilitado o acesso aos direitos civis e sociais aos estrangeiros, mas restringindo o acesso aos direitos políticos, entendidos como símbolo de facto de uma completa pertença à comunidade política (Entzinger 1997: 4). É em consequência desta diferenciação que Hammar (1990) apresenta o conceito de “denizens” para definir o estatuto dos imigrantes residentes de longa du- ração que não têm acesso à totalidade dos direitos atribuídos aos cidadãos (citizens)35.

35. Na língua inglesa, o verbo “to deny” significa negar ou recusar. Ao propor o termo “denizen”, o autor pretende realçar o facto de os imigrantes estarem excluídos da cidadania plena, não detendo um estatuto de cidadãos, mas antes se confrontando com a negação da cidadania.

A desigualdade de direitos assim construída torna os imigrantes mais desprotegidos e mais suscetíveis de serem explorados no mercado de trabalho e no acesso aos serviços sociais (Breuer et al 1995: 380). Estes aspetos levam alguns autores a defen- der que o não-acesso dos imigrantes à totalidade dos direitos de cidadania os coloca numa condição de “subclasse” marcada pela exclusão, situação que questiona os valores-base das sociedades democráticas (Castles 2000; Dahrendorf 1994).

Em sequência desta argumentação têm sido apresentados novos conceitos para dar conta da necessidade de repensar a definição da cidadania, no sentido de salvaguar- dar a igualdade entre membros de comunidades marcadas pelo pluralismo cultural: Bauböck (1994) propõe o conceito de “cidadania transnacional”; Kymlicka (1995) o de “cidadania multicultural” assente numa “cidadania diferenciada” que garanta o respeito de direitos específicos de grupos étnicos minoritários; Soysal (1994) prefere salientar a “pertença pós-nacional”; e Turner (1994) avança com a ideia de uma “ci- dadania cultural”.

Pertencer ou não à comunidade depende, portanto, das regras que designam quem a ela pode aceder e, por essa via, assumir o estatuto de cidadão ou cidadã, insti- tuídas legalmente por parte do Estado. Mas a “pertença à comunidade” é sensível ao modo como se interligam os aspetos jurídico-legais subjacentes na definição do estatuto de cidadania com as questões de classe, de género e de pertença étnica, contemplando por isso diferentes modos de viver essa situação. A cidadania é, pois, a expressão de uma relação dinâmica entre indivíduos e a comunidade à qual estão ligados por condições de natureza política e social mas também simbólica, sendo uma construção mutável e contingente.

Esta discussão tem a sua origem na divergência de posições das grandes linhas teóricas do liberalismo e do republicanismo quanto ao papel que cabe ao indivíduo enquanto cidadão, podendo distinguir-se duas conceções opostas: a cidadania como estatuto e a cidadania como prática, respetivamente (Habermas 1994: 24-25). Na sua base, a perspetiva liberal enfatiza que a ligação do indivíduo à comunidade decorre de um estatuto legal que define essa pertença; por contraste, a visão republicana realça que a pertença decorre do exercício dos direitos políticos de participação me- diante os quais os indivíduos se tornam agentes ativos da comunidade (idem: 25). Desviando-nos do aceso debate que autores posicionados nas várias correntes teó- ricas têm vindo a manter, parece fundamental na presente análise destrinçar entre o caráter formal que decorre da definição do conjunto de direitos atribuídos pelos Estados aos seus cidadãos, de uma cidadania substantiva refletida nas condições que possibilitam o exercício efetivo desses direitos.

Nesta linha de pensamento, Barbalet afirma que:

“o problema de quem pode exercer a cidadania e em que termos não é ape- nas uma questão do âmbito legal da cidadania e da natureza formal dos direi- tos que ela implica. É também uma questão de capacidades não-políticas dos cidadãos derivadas dos recursos sociais que eles dominam e têm acesso” (1989: 11).

As desigualdades entre os indivíduos em termos de condições de vida, de estatuto socioeconómico, de domínio da informação e do nível de literacia influenciam a ca- pacidade de tomar parte na vida pública e assumir uma cidadania ativa. A pertença étnica, ser-se homem ou mulher, ter um determinado grau de deficiência ou ainda a idade e a orientação sexual são outros fatores que podem reforçar desigualdades e discriminar os indivíduos, quer no acesso ao estatuto de cidadania como também nas possibilidades de exercer os direitos que esse estatuto lhes concede. Enfim, deve ainda realçar-se que a cidadania também exige a aprendizagem de competências e a sua articulação com um conjunto de valores que induzam à sua prática (Carmo 1998, 2004).36

De modo a compreender como se articulam a cidadania formal e a sua prática, Yu- val-Davis propõe desligar a cidadania de uma relação de pertença exclusiva a um Estado, introduzindo as dimensões da família e da sociedade civil. A autora defende que a autonomia do indivíduo depende da sua posição face à família e face às estru- turas da sociedade civil tanto como às do Estado, sendo desta relação que emergem as condições de exercício da cidadania (1997b: 13-15).

Como exemplo, refira-se que a expressão da cidadania social das mulheres tem sido limitada, entre outros fatores, pela persistência de desigualdades no mercado de tra- balho e na vida familiar (Bradley 1998; Ferreira 1999; Inglez 2007; Perista 1999, 2002, 2007), pelo facto da função de maternidade ser desvalorizada em comparação com funções de produção na esfera económica (Joaquim 1998, 2006b) ou ainda porque o ativismo informal das mulheres, nomeadamente em organizações de ação social, é desvalorizado em detrimento da participação política convencional (Lister 1997; Pin- tasilgo 1998; Sudbury 1998; Vicente 2002).37 Lutz, por sua vez, relembra que os direi-

36. Voltaremos a abordar este assunto no ponto seguinte do presente capítulo.

37. Maria de Lourdes Pintasilgo foi acérrima defensora de uma abordagem do “cuidado” como intervenção política essencial para a sustentabilidade das sociedades do Século XXI, salientando a centralidade do papel que as mulheres têm assumido neste campo (cf. 1998; Comissão Independente População e Qualidade de Vida 1998; Koning 2005).

tos das mulheres imigrantes na União Europeia, cuja migração decorre ao abrigo do reagrupamento familiar, estão fortemente dependentes desse vínculo e das regras que regulam a legislação em cada país, situações que fragilizam a sua condição de cidadãs (1997: 102-107).

A cidadania é, portanto, um campo privilegiado para se analisar as relações entre a ação e a estrutura, uma vez que assenta nas condições estruturais que determinam e enformam o seu caráter formal ou substantivo e, por outro lado, no papel que indi- víduos e grupos desempenham no exercício dos seus direitos e nas ações que visam a expansão ou o reforço dos mesmos.

Em síntese, pode então dizer-se que:

“os direitos de cidadania dependem não só de direitos sociais garantidos pelo Estado, como também de direitos cívicos ganhos contra o Estado. A afirmação da cidadania ocupa, pois, um espaço de permanente confronto entre as con- cessões estatais estabelecidas e o processo de mais extensas conquistas. Tal faz salientar quer a importância dos processos de participação social, mas também o papel do estado que se liga indissociavelmente com a protecção dos direitos da cidadania” (Rodrigues, Stoer 1994: 185).

Neste contexto, Bloemraad (2000) propõe uma abordagem muito interessante, ao centrar a sua análise na participação enquanto elemento essencial para compreen- der a relação entre o indivíduo e a comunidade e as consequentes dinâmicas entre ação e estrutura:

“participation provides a means to investigate the dynamic between individual immigrants’ agency and the structural or institutional constraints they face in exercising that agency. Thus we can link both the individual and the state, two sides of the citizenship equation, and also bring in other participants such as societal groups and ethnic associations (…)” (Bloemraad 2000: 25).

A autora distingue quatro dimensões constitutivas da cidadania – estatuto legal, di- reitos, identidade e participação – salientando que as três primeiras dimensões são muito influenciadas pelo Estado pois é este que define quem pode pertencer à comu- nidade (estatuto legal) e quais os benefícios que daí decorrem (direitos) e que detém ainda os recursos simbólicos que condicionam a formação das identidades coletivas, embora a sua influência nesta dimensão identitária seja menor comparativamente às antecedentes. A sua proposta é centrar a atenção no papel do indivíduo nesta dialética, ao invés de focalizar a análise na estrutura do Estado, e defende que a par-

ticipação é o elemento que permite estabelecer uma ligação conceptual e empírica entre o indivíduo e a comunidade sociopolítica:

“It is through participation that the other side of the citizenship equation – the individual – can be considered. If the state gives citizenship, there must be someone to take it, or if the state changes its approach to citizenship, an individual (our group of people) initiated that change” (Bloemraad 2000: 10). A dimensão “participação” tem assumido grande relevância no debate sobre o re- forço de direitos dos imigrantes e deve ser entendida no contexto da evolução da filosofia subjacente às políticas de integração destes grupos, que os Estados têm desenvolvido ao longo da história das migrações internacionais (Favell 1997). A partir do momento em que os Estados foram acolhendo uma maior presença de população estrangeira que não perspetivava o regresso aos países de origem, viram-se força- dos a aceitar a integração dos imigrantes como um “problema estrutural” (Rex 1990: 97) e a implementar políticas que respondessem ao modelo de sociedade que cada um ansiava construir (Calvanese, Pugliese 1990; Entzinger 1990). Estas políticas po- dem tender, nos seus extremos, a uma assimilação ou a um pluralismo cultural, mas dependem fortemente da:

“concepção da nação, das formas nacionais da laicidade, da história e, sobre- tudo, da história colonial, das formas de protecção social e das especificida- des culturais” (De Rugy 2000: 30).

A evolução das questões relativas à cidadania entretece-se, por outro lado, com a progressiva intensificação da interdependência global nas esferas económica, social, cultural e política das sociedades. Hoje, os Estados detêm um poder enfraquecido para fazer face às necessidades sentidas pelas populações, em parte como resul- tado da incapacidade de um único Estado enfrentar problemas globais e de cadeias causais interdependentes.38 Tal tem exigido uma transferência de poderes para or-

38. Tal situação está particularmente presente no espaço da União Europeia: “Os modelos de integração na Europa encontram-se actualmente muito fragilizados devido à crise económica. (…) Os problemas de integração vividos actualmente não dizem tanto respeito a problemas levantados pelo modelo de integração ou pelas características dos migrantes, mas a problemas económicos e sociais que afectam principalmente as populações económica e socialmente mais desfavorecidas. (…) A exclusão social e económica está longe de envolver apenas os imigrantes e os seus descendentes. Mas para a nação, a dificuldade consiste em não deixar que a integração cultural efectiva seja posta em causa pela não- integração económica e social (…)” (De Rugy 2000: 31).

ganismos supranacionais e uma consequente perda de soberania estatal, ao mesmo tempo que emergiram novas autoridades, parte delas com origem nas organizações da sociedade civil (Moreira 2006: 2).

Com efeito, a regulação política transnacional tem evoluído para uma maior exigên- cia de participação dos cidadãos e para a redefinição das relações entre atores esta- tais e não estatais, contribuindo para revalorizar o papel da sociedade civil. Conceitos como parceria, redes, negociação, mediação entre Estado e sociedade civil, entra- ram já na rotina terminológica dos documentos oficiais produzidos por organismos internacionais, tais como a Organização das Nações Unidas ou a União Europeia, tendo reflexos diretos na intervenção das instituições do poder central e local dos Estados nacionais. Por exemplo, o Conselho da Europa e a Conferência das Auto- ridades Locais e Regionais da Europa têm recomendado aos Estados-membros o desenvolvimento e a concertação de estratégias que visem envolver os indivíduos, nomeadamente os imigrantes, nos processos de consulta e tomada de decisões ao nível da vida local e abrangendo as dimensões jurídico-legais, socioeconómica e cul- tural (Vertovec 1999: 23-24).

Para Tom Burns (2004), a estrutura organizacional e funcional do sistema democrá- tico está a mudar no sentido de uma crescente diversificação de formas de governa- ção, que vêm questionar e redimensionar o papel dos governos nacionais, dos parla- mentos, dos partidos políticos e dos indivíduos. Este cenário de mudança e crescente complexidade social e política é caracterizado, segundo o autor, pelo envolvimento de múltiplos agentes no processo de governação nas sociedades modernas:

“A diversidade dessas formas é baseada sobretudo na (e envolve agentes da) sociedade civil. Em muitos casos, estas interagem com as instituições esta- tais e penetram no seu interior. Os agentes da sociedade civil não são apenas agentes de mercado e grupos de interesses económicos, mas também gru- pos de interesses públicos, movimentos sociais, organizações de auto-ajuda, agentes religiosos e associações de diversos tipos” (Burns 2004: 125-126). A intervenção de diferentes agentes na governação pública é um fenómeno que pode ser entendido como uma “reconquista da autoridade política pelos actores societais” e que proporciona espaço à participação ativa dos cidadãos organizados em torno de objetivos específicos (idem: 126). Estas novas formas de participação obrigam a repensar a democracia representativa e desafiam a pensar e a construir formas de governação que articulem os vários atores e esferas de poder, tendo em vista enfren- tar os problemas das sociedades de forma integrada e coerente (ibidem: 157-158).

O (re)nascimento de movimentos sociais é, também, o resultado deste cenário (Bes- sa 2002; Santos 2002, 2003a; Stock 2005). Estes movimentos podem ser perspeti- vados como expressões de ação coletiva alternativas à mobilização ancorada em pertenças de classe, tal como o movimento operário, que perdeu a sua centralidade enquanto aglutinador de forças no cenário de conflito social resultante da perda de influência da identificação dos indivíduos em torno de classes sociais (Almeida 1995: 150). Constituem expressões da vontade dos cidadãos em defender direitos que são percecionados como estando ameaçados ou que exigem um maior reforço, que ul- trapassam em muito a ligação ao mundo laboral e a esfera dos direitos dos traba- lhadores (por exemplo, igualdade entre homens e mulheres, direitos dos imigrantes, direitos culturais, direitos humanos, direitos dos consumidores, etc.):

“Hoje, é a defesa dos direitos culturais e sociais dos indivíduos e das minorias que é o objectivo positivo dos movimentos sociais (…). Já não é em nome da sociedade perfeita que esses movimentos falam e não é para o futuro que olham: combatem pela defesa do direito de todos a uma existência livre e «humana». É essa a forma que assume hoje o princípio geral em que assen- tam todos os movimentos sociais: o direito à igualdade cultural” (Touraine 1999: 77).

Os novos movimentos sociais detêm um papel importante na evolução do sistema de cidadania, na medida em que capacitam os indivíduos para formas de participação que lhes permitem conquistar direitos que antes não estavam ao seu alcance, sendo “os próprios direitos de cidadania progressivamente conquistados a contribuir direc- tamente para [o] alargamento de horizontes e objectivos” (Almeida 1995: 152). Portugal não está alheado da evolução social e política internacional descrita ante- riormente. Tem-se assistido ao desenvolvimento de uma pluralidade de movimentos sociais, sobretudo em torno da defesa de direitos culturais e políticos, influenciados pelas dinâmicas que a globalização imprimiu à ação coletiva (Martins 2003); ao im- pulso do terceiro setor com origem numa proliferação de organizações de solidarie- dade social (Hespanha 1999); e a uma importante evolução no reforço do estatuto de cidadania dos imigrantes (Albuquerque et al. 2000).

Constata-se que, desde 1990, o país evoluiu de um espaço de direitos muito restrito, dada a quase total ausência de legislação e a pontual e irregular participação dos imigrantes na esfera pública, para uma prática de cidadania de maior intensidade decorrente da conjugação entre a produção legislativa e a mobilização das organi- zações representativas dos imigrantes no espaço público. A pertença de Portugal à

União Europeia tem influenciado a produção legislativa relativa à gestão dos fluxos e à integração dos imigrantes, determinada pela exigência de uniformização de políti- cas de imigração.

Paralelamente, a capacidade de intervenção do movimento associativo de imigrantes tem também usufruído da pertença a este espaço político alargado, nomeadamen- te pelas possibilidades oferecidas pelos quadros comunitários de apoio e, também, pelo desenvolvimento de metodologias de trabalho que exigem o estabelecimento de parcerias entre o Estado e as organizações não-governamentais, ou seja, a “ins- titucionalização de partenariados” nas políticas que visam a coesão social (Rodri- gues, Stoer 1998: 96). As novas metodologias de trabalho assentes no diálogo têm- se mostrado fundamentais para que os diferentes intervenientes institucionais na esfera social aprendam a atuar de forma integrada e concertada e têm possibilitado um aprofundamento do exercício da cidadania, na medida em que a participação dos grupos alvo pode ser entendida como um fator de inclusão e de empowerment de grupos desfavorecidos socialmente (Carmo 1999: 159-162; Pinto 1998: 269-274). Por outro lado, face a problemas comuns entre migrantes nos diferentes países da União Europeia, a intervenção associativa torna-se, também, transnacional, bene- ficiando para tal das oportunidades de intercâmbio e mobilidade oferecidas pelos programas já referidos e, também, das redes constituídas por grupos de imigrantes

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