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por último, é ainda de referir que os efeitos decorrentes da frequência

2.2. Características pessoais

A descrição sobre os momentos de adesão a atividades cívicas ou associativas fez sobressair um aspeto por todos partilhado: a capacidade de iniciativa de encetar um contacto numa associação ou de realizar uma ação para satisfazer um desejo ou necessidade pessoal (vd. trajetórias em 1.1. e 1.2.). Vimos que essa capacidade é influenciada pela posse de um conjunto de recursos, que se constituem como fa- cilitadores do ativismo. Mas a exploração das narrativas permitiu identificar tam-

bém determinadas qualidades intrínsecas aos jovens, que podem ter estimulado a mobilização desses mesmos recursos, funcionando como fatores potenciadores do ativismo.

Os relatos de Leonor, Miguel e Nelson relativamente ao seu percurso escolar ex- postos atrás indicam que o mesmo contexto familiar dá origem a escolhas distintas, pois tanto ao nível da escolaridade como no envolvimento cívico, os jovens ativistas tomaram opções diferentes relativamente às dos seus irmãos.

O relato de Susana adiante apresentado vem também ao encontro da hipótese de valorização do papel das características pessoais no desencadear e na continuidade das experiências de ativismo cívico. A jovem realça a persistência necessária para prosseguir a escolaridade em famílias de baixas condições socioeconómicas e cuja adversidade do meio social “empurra” os jovens para o abandono.

Em última análise, as pessoas sabem sempre que só não continuam [os es- tudos] porque não querem, claro que têm mais constrangimentos, em termos estatísticos é mais difícil, mas uma pessoa sabe que se tiver muita força con- segue, pode não ser em 5, 6 anos, pode ser em 7 ou 8, mas as pessoas conse- guem. (Susana)

A avaliação feita por Susana de que continuar os estudos para além do ciclo obriga- tório para jovens de bairros sociais exige um esforço maior, embora não seja uma meta inatingível, reflete a experiência de Leonor que, recorde-se, sempre teve a “as- piração de fazer um curso superior”. Note-se o empenho em “esquecer o cansaço” para integrar as várias tarefas numa agenda preenchida:

Como é que eu conseguia conciliar?... Os meus amigos costumam dizer-me que eu não sei dizer não e acho que foi por isso. (…) mas… como é que eu hei de dizer? … era uma paixão que tinha! pronto, e não levava muito a sério, e estava natural- mente aqui sem pensar no cansaço, sem pensar nessas coisas e tentava fazer as coisas o melhor que podia no tempo que eu tinha. Quando entrei na faculdade trabalhava 5 horas por dia e depois tinha a faculdade e depois ainda vinha para a associação e aos fins de semana, normalmente, estava a fazer coisas para a associação. (…) (Leonor)

A capacidade em conciliar o tempo dedicado ao estudo, ao emprego (fundamental para poder para pagar a faculdade) e à associação demonstra que a jovem tem com- petências para assumir, gerir e cumprir múltiplos compromissos, mas também re- vela que o esforço despendido é recompensado: por um lado, irá resultar na obtenção

do curso superior desejado; por outro, permite-lhe viver a “paixão” pelas atividades cívicas que promove e acompanha. Verifica-se, portanto, a intersecção entre caracte- rísticas individuais e a existência de motivação para cumprir diferentes papéis. Veja- se, ainda, que Leonor avalia o seu grau de disponibilidade para a associação como algo irrealizável hoje, devido ao investimento que prefere dedicar à vida pessoal.

Enfim, pode dizer-se que a minha disponibilidade pessoal em determinada altura permitia que eu tivesse esta disponibilidade para a associação, mas a partir do momento em que essa situação pessoal se altera, começas a aper- ceber-te que o tempo que estás a dar era mais do que aquilo que eu podia dar. Só a partir dessa altura é que me comecei a consciencializar, antes os meus amigos diziam “estás a dar muito tempo, estás a desgastar-te” e eu achava que não, dizia “ah! não, isto é muito giro, estou lá a fazer coisas, a ajudar…” Só a partir do momento em que a vida pessoal começa a interferir é que adquiri essa consciência. (Leonor)

Daqui se pode depreender que quando a motivação para prosseguir um determinado papel enfraquece por se passar a valorizar outras esferas da vida pessoal, o tempo despendido no ativismo é avaliado como superior ao que se “pode dar”. Se a jovem utiliza o termo “poder”, talvez o significado mais próximo seja antes o “tempo que se quer dar”, porque outros focos de interesse, outras motivações, outras “paixões” emergem. No relato de Sara que se apresenta mais adiante, a jovem sublinha que os relacionamentos amorosos não podem interferir no seu empenho na vida da asso- ciação, exigindo a total compreensão do valor que esse trabalho ocupa na sua vida, de modo a conciliar os diferentes afetos: para com o associativismo e para com a vida mais pessoal. Estes relatos chamam a atenção para a influência da conjugalidade na disponibilidade para o ativismo cívico, pois foi observado num estudo sobre as socia- bilidades juvenis que o interesse em participar em atividades associativas se reduz à medida que a idade avança e os namoros e cônjuges assumem maior protagonismo (Pais 1996b: 189).

Prosseguindo a análise de como as características pessoais se interligam com a ava- liação de benefícios resultantes da participação, veja-se o próximo relato de Miguel, onde o sentido de “responsabilidade” e o de “profissionalismo” se cruzam com as compensações que se retiram da participação associativa, como é o caso de viajar, de “conhecer a Europa”. Parece-nos que é desta mistura que nasce o “amor à camisola”.

Não foi desmotivador porque o que eu estava a fazer era motivante que era conhecer a Europa (…) Mas sinto que tive de abdicar de alguns momentos,

(…), era mais algumas vivências, por exemplo às vezes tinha as saídas com os amigos para determinados sítios, um fim de semana ou assim, e não podia ir porque aquele projeto tinha de ser entregue o máximo até segunda-feira e en- tão tinha de estar ali frente ao computador mais a equipa toda e são coisas que naquela idade se calhar seriam as últimas coisas que queríamos fazer não é? mas lá está o profissionalismo, acabamos por abdicar muitas vezes… também acaba por ser amor à camisola para conseguir que as coisas da associação sejam feitas. Sentíamo-nos no fundo um pouco responsáveis. (Miguel)

Atente-se ainda na afirmação seguinte, que procura ensaiar uma explicação para as diferentes escolhas escolares no quadro de um contexto socioeconómico idêntico:

(…) há um lado pessoal, há gajos que querem estudar, há o lado individual em que um gajo por mais cenas que aconteçam quer estudar, há outros para quem aquilo já não significa nada… (Nelson)

É este empenho em prosseguir um determinado objetivo – “por mais cenas que aconteçam” – que se observa nas várias trajetórias associativas, ainda que as es- tratégias para os realizar se possam diferenciar. Poderá explicar-se a vontade de prosseguir os estudos com base em traços de personalidade que, ao mesmo tem- po, se expressam no envolvimento em atividades cívicas e comunitárias? Não sendo possível responder totalmente a esta questão, entendemos que deve valorizar-se o papel desempenhado pelas características pessoais e indagar da possibilidade des- tas estarem também relacionadas com a forte motivação para aderir ao trabalho associativo.

O seguinte relato de Miguel aponta para uma qualidade pessoal que motiva o convite para aprofundar o seu papel na associação: a dedicação a tarefas que ultrapassam o projeto onde trabalha. Esta situação reflete que o tempo despendido na vida da associação envolve também atividades de voluntariado e não um mero desempenho profissional em troco da remuneração salarial correspondente.

Algum tempo depois houve eleições e como passava muito tempo na asso- ciação e dedicava também muito tempo a outras causas que não tinham di- retamente a ver só com o meu projeto mas com a atividade da associação, convidaram-me para fazer parte da lista que foi eleita e acabei por fazer dois mandatos na direção. (Miguel)

Quando analisámos as trajetórias de Duarte, Mafalda, Nelson e Susana (vd. Figura 6, em 1.2.) sublinhou-se que dos seus relatos emanavam alguns traços psicológi-

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