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3.10 Os indicadores temporais no tempo lingüístico

3.10.1 As funções dos indicadores temporais

Todos os advérbios de tempo servem para estabelecer a sucessão dos acontecimentos numa narração (FIORIN, 2002), ou seja, eles marcam as fases do relato, se ele está no início, no fim ou em seu desenvolvimento. Tais informações estão contidas também em perífrases verbais e/ou por tempos verbais, como já pudemos mostrar em itens anteriores. Três funções básicas podem ser percebidas em relação aos advérbios:

1) alguns advérbios indicam a sequência de estados e transformações, uma vez que eles determinam a sequência narrativa e também instituem ligações entre tais seqüências. Eles podem assinalar a simultaneidade com o verbo principal (quand, lorsque, au moment où, nesse meio tempo, aí então etc.), a posterioridade (avant + nom, avant de + infinitif, antes, pouco antes, mais cedo etc.) ou a anterioridade (après + nom ou + infinitif passé), après que (+ indicatif), sitôt, aussitôt,

une fois, depois, após, pouco depois etc.)72;

72 Para Le bon usage (1994, p. 1632-34), as orações adverbiais podem indicar tanto a anterioridade

como a posterioridade, dependendo se levarmos em conta o verbo principal ou os advérbios. Em nosso trabalho, levamos em conta o verbo principal, da mesma forma que Bronckart (1999). Assim, em uma frase do tipo: “Après avoir été interpellé par la police, un garçon de 13 ans, qui a grièvement blessé son père de trois coups de couteau, a été mis en garde à vue.”(ACFS), o fato da oração “après avoir été interpellé par la police” é anterior ao fato marcado pelo verbo principal “a été mis em garde à vue”.

2) alguns dentre eles podem marcar o início de uma sequência (d‟abord, premièrement, primeiro, primeiramente, no início, para começar etc.);

3) outros podem marcar o seu final (enfin, finalement, enfim, para acabar etc.).

A especificação do tempo (momento em que a ação se realiza), quer no presente, no pretérito ou no futuro, pode ser marcada por uma data (mês: en janvier; ano: en 1999; dia: le 29 mai; hora: à 3 heures de l‟après-midi; estação: en été;

século: au XVe siècle), enquanto que a especificação da situação (momento da

situação, de referência) pode ser marcada com indicadores de anterioridade ou de posterioridade ao momento de referência.

Como já dissemos acima, contrariamente aos tempos verbais que apresentam um subsistema verbal do agora e dois subsistemas do então – um passado e outro futuro, os indicadores temporais têm apenas dois subsistemas: um coincidente com o ato de enunciação (atualidade do enunciador) e outro não coincidente (transposição para o passado ou para o futuro).

O momento de referência pode ser coincidente com o ato de enunciação, então esse momento pode ser marcado com os seguintes indicadores temporais:

− para marcar a anterioridade no francês: hier, avant-hier, tout à l‟heure,

autrefois, la semaine dernière etc.; no português: ontem, anteontem, na semana

passada, outrora etc.;

− para marcar a simultaneidade no francês: aujourd‟hui, ce mois, en ce

moment, maintenant, ce matin, cette semaine etc.; no português: hoje, agora, neste

momento, atualmente, nesta semana etc.;

− para marcar a posterioridade no francês: demain, après-demain, plus tard,

la semaine prochaine etc.; no português: amanhã, depois de amanhã, no próximo

século, na semana que vem, daqui a pouco, doravante, de agora em diante etc. Mas o momento de referência pode ser não coincidente com o ato de enunciação e, então, teremos outros indicadores (passado ou futuro):

− para marcar a anterioridade no francês: la veille, l‟avant-veille, le matin

d‟avant/précédent, la semaine d‟avant/précédente etc.; no português: na véspera, na

antevéspera, na semana anterior/precedente, dois dias antes etc.

− para marcar a simultaneidade no francês: ce jour-là, à ce moment-là, ce

matin-là, cette semaine-là etc.; no português: nesse dia, naquela semana, no mesmo

− para marcar a posterioridade no francês: le lendemain, le surlendemain, le

matin d‟après/suivant, la semaine d‟après/suivante etc. ; no português : no dia

seguinte/posterior, no outro dia, dois dias mais tarde/após, daí alguns dias, dali a três semanas etc.

A língua dispõe de advérbios específicos para indicar a posição do tempo em relação a uma referência dada (anterioridade, posterioridade, simultâneidade)73 ou, ainda, pode ser orientada por um outro processo, uma outra ação. A sucessividade (a sequência narrativa) ou a posição do tempo pode ser marcada de forma objetiva ou subjetiva (depende do julgamento do enunciador).

Nas posições objetivas, os inúmeros indicadores aparecem com os tempos verbais do indicativo e/ou o infinitivo:

1) quanto à posição do “avant” (antes, anterior), podemos encontrar, entre

outros:

− francês: a) avant + nom, avant de + infinitif; b) auparavant, d‟abord, au préalable (momento antes de um outro momento) ;

− português: antes (de), anteriormente a, primeiramente. 2) posição de “après” (depois, posterior):

− francês: a) après + nom, après + infinitf passé, après que + indicatif; b) sitôt + participe passé, aussitôt que + indicatif ;

c) une fois + participe passé, une fois que + indicatif ; − português: depois de, após, em seguida a.

3) posição de « pendant »(durante, simultâneo) : − francês: a) quand, lorsque, au moment où + indicatif ;

b) pendant (durant) + nom, lors de + nom, pendant que + indicatif (duração) ; c) alors que, tandis que + indicatif (oposição);

d) le temps de + infinitif.

− português: durante, no curso de, quando de, no meio de, no momento de, na época de, ao longo de, no correr de, no período de.

Nas posições subjetivas, podemos encontrar:

73 Fiorin (2002, p. 162-77), ao falar do tempo, faz uma longa análise dos indicadores temporais da

língua portuguesa, analisando e classificando separadamente os advérbios, as preposições e as conjunções marcando-os no sistema temporal em torno da categoria concomitância vs não concomitância. Charaudeau (1992) e Maingueneau (1999) não fazem essa distinção, examinam apenas do ponto de vista dos seus valores no texto. Em nossa análise, a expressão da temporalidade é o nosso foco e, dessa forma, não fazemos distinção entre os diferentes indicadores temporais, quanto a sua nomenclatura, mas o que eles indicam ou podem indicar no texto. Para outras informações, no português ainda, está presente em nossa bibliografia, Ilari (2001).

1) posição de antecipação (ação precoce): francês: déjà, tôt, en avance, à

l‟avance, d‟avance, par avance; português: já;

2) posição de “dépassement” (extensão, ação tardia): tard, trop tard,

tardivement; português: tarde, muito tarde, tardiamente.

Ao contrário do que acabamos de expor em relação à determinação da posição, a ação pode ser determinada em relação à referência temporal, ou seja, ela pode representar o momento do tempo da fala, um ponto de partida ou um ponto de chegada (CHARAUDEAU, 1992, p. 483):

a) referência “temps de parole” (tempo da fala): il y a, voilà, ça fait + indicador temporal (Ex.: Il y a dix ans on n‟aurait pas osé faire cela.);

b) referência « point de départ » (ponto de partida, início do processo): à partir de,

dès + indicador temporal, d‟ores et déjà, désormais, dorénavant (Ex.: À partir de ce jour, je n‟ai plus baissé les yeux.); (português: desde, a partir de, a começar de,

doravante, de agora em diante)

c) referência « point d‟arrivée » (ponto de chegada, fim do processo): dans +

indicador temporal, ao bout de + indicador temporal, jusqu‟à + nom, jusqu‟à ce que + subjonctif (Ex.: Dans huit jours, je pense que j‟aurai fini.); (português : até, em) ;

d) dupla referência - partida/chegada: d‟ici là, d‟ici + indicador temporal (Ex.: D‟ici demain tu as le temps de jeter um coup d‟oeil sur le projet.) 74 ; (português: de...a,

de...até, desde...até, a partir de...até, a começar de...até).

Nos capítulos que se seguem (PARTE III), faremos uma descrição dos vários elementos participantes em nossa pesquisa: os sujeitos; o corpus recolhido (os textos produzidos pelos alunos); mas também a análise dos fait divers utilizados durante o curso com os alunos; o modelo da grille de análise para o tratamento dos dados. Verificaremos inicialmente a temporalidade nos textos oferecidos aos alunos, ou seja, como o tempo é marcado no seu interior, levando em conta sempre a enunciação e o enunciador ou enunciadores. Em seguida, faremos a análise das produções dos estudantes para verificar se eles conseguiram manter a coesão verbal, uma vez que o professor do grupo fez solicitações de novas construções cronológicas nas histórias.

74 Para o quadro completo dos indicadores temporais, consultar Charaudeau (1992, p. 480-4) e Fiorin

PARTE III

INTRODUÇÃO

Un beau soir, l‟avenir

S‟appelle le passé, c‟est alors Que l‟on se tourne

Et que l‟on voit sa jeunesse.

(Louis Aragon)

Nesta parte, apresentaremos algumas informações para ajudar o leitor a melhor compreender a experiência descrita. No CAPÍTULO 1 desta PARTE III faremos considerações gerais sobre o desenvolvimento proposto no quadro da reformulação, prevista para o nível 3 da área de língua do curso de Bacharelado e Licenciatura de Francês, do DLM da FFLCH da USP.

Nesta PARTE III, faremos a descrição dos vários fatores implicados em nossa pesquisa. Neste trabalho, baseamo-nos em redações de estudantes do curso de Letras Português/Francês75. São aprendizes reputados como pessoas engajadas no conhecimento profundo das línguas, uma vez que terão como profissão o ensino das mesmas. Desta forma, fatores importantes aqui são os próprios sujeitos que participam dela. Por isso, no início da pesquisa, fizemos uma investigação sobre quem são eles e quais são seus hábitos de escrita e de leitura, por meio de um questionário.

Dentre os vários elementos que fazem parte de nossa pesquisa, faremos a descrição primeiramente dos alunos, sujeitos participantes dos quais foram recolhidos os textos escritos (CAPÍTULO 1); posteriormente, como ocorreu a coleta dos textos, para posterior coleta dos dados e quais foram os dados recolhidos; a descrição das solicitações que foram feitas aos alunos, o que gerou o material de análise e, finalmente, o que e como foi trabalhado no semestre estudado (CAPÍTULO 2).

Em referência aos textos propostos aos alunos, para efeito de organização de nosso trabalho, uma vez que nosso intuito é verificar a expressão da temporalidade, faremos um quadro com a cronologia proposta pelo texto original, ou seja, a sucessão das ações apresentadas no texto, comparando com a cronologia natural

dos acontecimentos para poder comparar com a cronologia solicitada ao aluno. Com tais informações, poderemos comparar com a cronologia realizada pelo aluno, para sabermos se ele obteve êxito na expressão da temporalidade, em conformidade com as instruções.

Os textos produzidos pelos alunos foram colocados em forma de grades (griles): a grille 1 foi criada com várias colunas as quais contêm as informações temporais do texto, isto é, todos os elementos que dizem respeito à temporalidade o que nos possibita a visualização e análise da temporalidade; a grille 2 mostra a estrutura do texto, como o aluno construiu a sucessão, de forma esquemática. Um terceiro quadro fornece-nos a informação sobre as expressões de tempo utilizadas pelos alunos nos textos produzidos. Para ilustrar nossos procediments de análises, fizemos as análises com os textos de uma aluna (CAPÍTULO 3). No CAPÍTULO 4 fazemos nossas análises com todos os textos, incluindo os textos da aluna mostrados no capítulo anterior.

Todos os elementos aqui citados serão descritos no decorrer dos capítulos dessa última parte de nosso trabalho, a fim de podermos mostrar o resultado de nossas análises.

CAPÍTULO 1

OS SUJEITOS

1.1. Descrição dos informantes

Parece-nos importante em quaisquer níveis de aprendizagem em que se trabalhe ter uma idea do perfil dos alunos. Por esta razão, transcrevemos neste capítulo, algumas respostas a um questionário que passamos aos aprendizes do curso de Letras da FFLCH da USP, participantes da pesquisa. Do grupo, vinte e sete alunos responderam ao questionário.

A seguir, descreveremos os dados obtidos, organizando nosso trabalho da seguinte maneira: a primeira parte versa sobre dados pessoais; em seguida, os alunos responderam a perguntas sobre conhecimentos linguísticos em língua portuguesa do Brasil e em língua francesa, assim como sobre a representação sobre a dificuldade de aprendizagem do francês.

Dos entrevistados, vinte e três pessoas são do sexo feminino e quatro pessoas do sexo masculino. 85%76 deles têm idade entre 19 e 23 anos e todos os

alunos têm nacionalidade brasileira, portanto, têm como língua materna, o português do Brasil.

Quisemos conhecer um pouco mais dos conhecimentos prévios que tinham da língua francesa e de outras línguas estrangeiras, antes de iniciarem a graduação em francês/português, na USP. Acreditamos que toda experiência ensino/aprendizagem de línguas que o aluno terá obtido no decorrer de sua vida influenciará provavelmente na sua produção da língua-alvo. Tais conhecimentos podem ter sido em língua materna ou em outras línguas estrangeiras.

Dessa forma, mas focados principalmente na língua francesa, propusemos duas questões sobre o conhecimento e o interesse na língua em aprendizagem. Perguntamos, então, se o aluno já tinha estudado a língua antes do seu ingresso na graduação e se, naquele momento (primeiro semestre de 2008), fazia outros cursos

76 Quando as porcentagens se apresentaram fracionadas, foram arredondadas para cima ou para

paralelos de língua francesa. Assim, obtivemos os seguintes resultados: 33% responderam que estudaram francês antes; e destes, apenas 36% procuraram ainda a aprendizagem da língua fora da faculdade. 48% do total dos alunos estudavam, naquele momento, o francês em outros cursos além da graduação. No geral, apenas 15% dos alunos tinham apenas a faculdade como aprendizagem da língua, uma vez que não procuraram nenhum outro curso de francês.

Quanto à aprendizagem de outras línguas estrangeiras, 89% asseguram ter estudado pelo menos uma outra língua. Destes, cem por cento estudaram a língua inglesa antes de iniciar os estudos em francês. Apenas uma aluna diz ter como primeira língua estrangeira, o Espanhol, na qual atua no momento. 58 % dos pesquisados que já estudaram uma LE declaram ter estudado mais de uma língua. As outras línguas citadas foram: Espanhol (38%); Italiano (13%); Polonês (4%); Russo (4%) e Latim (4%)77.

No que concerne ao aprendizado de outras LE, solicitamos que nos respondessem qual nível de conhecimento dessas LE eles acreditavam ter: 1=ótimo; 2=médio; 3=insuficiente, em relação às habilidades sugeridas: compreende; fala; lê; escreve. Como nosso interesse está voltado à escrita, transcreveremos as respostas dadas relativas ao quesito “escreve”.

– Inglês: 29% dos entrevistados que estudaram o inglês dizem ter um ótimo domínio da escrita; 46% afirmam ter um domínio médio da escrita e 25% asseguram ter conhecimento da escrita do inglês, mas insuficiente.

– Espanhol: 11% dos entrevistados que já estudaram o espanhol dizem ter um ótimo domínio da língua; 55,5% afirmam ter um domínio médio da língua e 33% asseguram ter um domínio da escrita insuficiente.

– Italiano: todos os entrevistados que disseram ter estudado italiano afirmaram que têm um domínio insuficiente da língua italiana escrita.

– Polonês: todos os entrevistados que afirmaram já ter estudado a língua polonesa asseguraram não ter o domínio da escrita, isto é, consideram-no insuficiente.

77 No questionário, não foi especificado se eram línguas modernas ou não, portanto vimos o latim

também como LE. O questionamento foi em relação ao grau de conhecimento da língua, quanto à compreensão e à produção, sejam oral ou escrita.