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As línguas ditas nacionais como representações identitárias

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 45-54)

CAPÍTULO 2 – PENSANDO NUMA ABORDAGEM PARA ALÉM DAS

2.2 As línguas ditas nacionais como representações identitárias

Atualmente, conforme Guisan (2009), muitos estudiosos, principalmente na área da sociolinguística, têm enfatizado tanto a função da língua enquanto elemento constitutivo da identidade de um indivíduo e da sua comunidade como a necessidade de averiguar os elementos que direcionam essa língua na elaboração de mitos sobre os quais se embasariam as identidades coletivas. A discussão em torno da língua, ainda conforme o autor, está além dos conflitos sobre a concepção de língua como faculdade humana ou da sua diversidade nas realizações do mundo. Trata-se principalmente do mito de uma língua unificada estabelecido pelos processos políticos e ideológicos construídos a partir da criação do estado nacional. Para Guisan (GUISAN, 2009, p. 18) “o Outro preenche um papel essencial na definição da identidade do próprio sujeito (...) a língua do outro terá uma função primordial na delimitação do domínio da língua já que é considerada como elemento de identidade coletiva”.

Segundo Rajagopalan (2002), autores como Oakeshott (1991) e Hobsbawm (1987) concordam, embora tenham pressupostos ideológicos divergentes, que a noção de nação surgiu e fixou-se no século XIX, sendo considerada como objeto natural, ou seja, “as nações eram fruto de um determinismo naturista, isto é, suas identidades eram asseguradas de uma vez por todas, graças a uma serie de fatores que as caracterizavam como distintas e diferentes umas das outras” (RAJAGOPALAN, 2002, p. 79). Porém, longe dessa concepção essencialista,

Anderson (2008) – dentro de um espírito antropológico – propõe o conceito de nação como uma comunidade politicamente imaginada e, por extensão, intrinsicamente limitada e soberana.

é imaginada porque mesmo os membros das mais minúsculas nações jamais conhecerão, encontrarão, ou sequer ouvirão falar da maioria dos seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles... [É] limitada porque mesmo a maior delas... possui fronteiras finitas... para além das quais existem outras nações... [É] soberana porque o conceito nasceu na época em que o iluminismo e a Revolução estavam destruindo a legitimidade do reino dinástico hierárquico de ordem divina... é imaginada como uma comunidade porque, independente, da desigualdade e das explorações efetivas que possam existir dentro dela, a nação é sempre concebida como uma profunda camaradagem horizontal (ANDERSON, 2008 p. 34)

Para Anderson (id.) o fenômeno do mercado editorial vernáculo ganhou maior impacto devido a três grandes fatores externos dos quais os dois últimos contribuíram para as origens da consciência nacional, a saber: a mudança no caráter da língua latina, “O latim que agora eles queriam escrever era cada vez mais ciceroniano, e, além disso, cada vez mais afastado da vida eclesiástica e cotidiana” (ANDERSON, 2008 p. 73); o impacto da Reforma de Martin Lutero; e a difusão de determinadas línguas consideradas vulgares (hoje conhecidas como línguas vernáculas) como ferramenta de centralização administrativa.

O autor mostra ainda que, no final da idade média, a Europa pode ser comparada a uma “colcha de retalhos” no sentido de que não havia uma definição precisa de língua dominante, já que o latim era considerado uma língua sacra e não a língua oficial do Estado, menos ainda dos seus indivíduos. A imprensa, recém chegada, passou a editar seus textos nas línguas consideradas vulgares para aumentar as vendas de suas edições. Dessa maneira, essas línguas foram aos poucos sendo utilizadas no mundo dos negócios e nas relações de Estado, embora não fossem consideradas ainda línguas nacionais. É precisamente neste sentido que Anderson (2008) atribui à imprensa o papel de engrenagem para o avanço do capitalismo e, consequentemente, o aumento de leitores monolíngues, difundindo pelo mercado as bases da consciência nacional e delimitando uma espécie de língua de poder.

Para o autor, se torna mais fácil criar nações quando uma dada língua escrita “se converte em um acesso privilegiado para a construção de verdades antológicas” (ANDERSON, 2008, p. 13), desempenhado com êxito essa função na medida em que “ permite a unificação da leitura, a manutenção do suposto de uma antiguidade essencial, e, sobretudo a partir do momento em que se torna oficial” (id, p.13). Em suma, a aliança entre o capitalismo e a tecnologia da imprensa exerceu sobre as diversas línguas a criação de uma forma inicial de comunidade que logo depois viria a ser o moderno estado-nação. Sendo também, essa aliança, a responsável pelos “meios técnicos ideais para ‘re-presentar’ o tipo de comunidade imaginada a que corresponde uma nação” (ANDERSON, 2008 p.12).

Essa comunidade imaginada era constituída por meio de varias formas de representação, identificada a partir de uma serie de símbolos. Um desses símbolos é a língua que, segundo Berenblum (2003), passa a ser entendida, após a criação do estado nacional, como uma questão de cidadania: “com a fusão de Estado e Nação se constroem as bases para a unificação linguística e cultural num território particular” (id., p.24). Isto é, criou-se a ideia da necessidade da existência de uma unidade cultural e linguística que possibilitasse a identificação do sujeito como cidadão.

É claro que essa ideia era apenas uma forma de construir um discurso dominador que promovesse o desejo de pertencimento dos sujeitos, através da língua e de outros mitos, a uma determinada nação com o intuito de fortalecer o conceito de estado nacional. Pois, segundo Berenblum (2003), embasada nas teorias de Cannivez (1991) e Hobsbawn (1998), a língua não pode ser considerada como o elemento aglutinante dos cidadãos, pelo menos não exclusivamente. As razões para tal afirmação são inúmeras e, inclusive, algumas já até foram apontadas, no tópico anterior, ao ser relatado o mito do monolinguismo nacional e a existência de uma língua falada em varias nações. Mas, reiteramos os motivos pelos quais essa assertiva se cumpre levando em consideração o argumento de Habsbawn:

As línguas nacionais são sempre, portanto, construtos semi-artificiais e, as vezes, virtualmente inventados [...] São o oposto do que a mitologia nacionalista pretende que sejam – as bases fundamentais da cultura

nacional e as matrizes da mentalidade nacional. Frequentemente essas línguas são tentativas de construir um idioma padronizado, através da recombinação da multiplicidade de idiomas realmente falados, os quais são, assim, rebaixados a dialetos – e o único problema nesta construção é a escolha do dialeto que será a base da língua homogeneizada e padronizada. (1998, apud, BERENBLUM, 2003, p. 25)

Segundo Berenblum (2003), Hobsbawn (1998) argumenta que a chamada língua nacional, da forma como a tratamos hoje, não existia no período anterior à implantação dos sistemas nacionais de educação, o que havia eram apenas adequações das línguas literárias e da administração. Neste sentido, Berenblum (id.) observa que “a língua não poderia ser na época o critério de existência das nações, já que para os setores não instruídos, ela era algo tão natural que não oferecia demasiados problemas” (Berenblum, 2003, p. 26). Neste período, ainda segundo a autora, havia duas possibilidades de contexto linguístico: grupos monolíngues nos quais a língua não era considerada um critério de pertencimento a uma determinada comunidade, e os grupos multilíngues, onde a diversidade linguística já era uma prática comum. Ainda assim, tanto em um contexto como no outro, a língua “não tinha ainda uma função política marcada” (id., p. 26).

Consonante com essa concepção e, por extensão, com a ideia de criação do sentimento de pertencimento do sujeito a uma nação através da língua, Guisan (2007) salienta que: ao contrário do que se pensa hoje, os acontecimentos históricos apontam que a função identitária das línguas nem sempre é o fator de coesão para as comunidades humanas, assim, “essas línguas sob o pretexto do seu valor como alicerce de identidade, serviram muito mais para separar do que para unir” (GUISAN, 2007 p.83). Conforme o autor, a diversidade linguística que existia em pequenos povos, até a época do Renascimento, não era motivo de conflitos e divisões, porém com a criação das línguas oficiais e, consequentemente, da demarcação dos territórios onde essas línguas eram faladas surgiram os estados nacionais e com eles a necessidade de caracterizar uma língua unificada como instrumento de opressão na história do nacionalismo e do colonialismo, embora essa não fosse a característica de um determinado povo, território ou estado nacional conforme vimos na citação de Habsbawn (1998).

Segundo Berenblum (2003), a propagação da nação enquanto organização geopolítica consta a partir do final do século XVIII a meados do século XIX, sendo o

estado o responsável por assegurar a homogeneidade cultural e linguística usando como ferramenta chave o sistema educacional. A propósito, essa assertiva está bastante de acordo com as colocações de Hall (2006):

A formação da cultura nacional contribuiu para criar padrões de alfabetizações universais, generalizou uma única língua vernacular como meio dominante de comunicação em toda a nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como por exemplo, um sistema educacional nacional. (id., 49)

Além disso, Hall (2006) salienta que as culturas nacionais não são compostas apenas por instituições culturais, senão por símbolos e representações que, ao produzirem significado sobre a nação, constroem as identidades nacionais. Estas não devem ser entendidas como “coisas com as quais nós nascemos” (id., 48), mas sim como criadas e recriadas no interior da representação, ou seja, “As pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da ideia da nação tal como representada em sua cultura nacional” (id., p. 49). Da mesma maneira, Berenblum (2003, p. 32) argumenta que a identidade nacional “se constrói historicamente e adquire determinados sentidos ao longo das próprias histórias das nações... cada uma [nação] cria e recria os seus mitos de origem e seus símbolos, seus próprios laços de solidariedade e lealdade” (id., p. 32).

Ressaltamos, mais uma vez, tendo em conta que no tópico anterior já foi mencionada a importância do conceito de representação e, inevitavelmente, de significação, para compreender a discussão que aqui se propõe. Pois, ao considerarmos os mitos de criação do estado-nação, no caso específico deste estudo o mito linguístico, como grandes narrativas, nos direcionamos para o caráter produtivo do processo de representação que cria e recria discursos tomados como verdades universais, ou melhor, como define Orlandi (2003), discurso fundadores. Para a autora, estes se caracterizam por criar “tradição de sentidos projetando-se para frente e para trás, trazendo o novo para o efeito do permanente” (id., p. 13), eficaz na produção do “novo que se arraiga no entanto na memória permanente... Produz desse modo o efeito familiar, do evidente, do que só pode ser assim” (id., p. 14). Neste sentido, os mitos fundadores, conforme observa Berenblum (2003), ao

colaborarem para naturalizar a origem, funcionam como “respostas ‘imaginárias’ a conflitos e tensões ‘reais’” (id., p. 61).

Para Guisan (2007), não resta dúvida de que os mitos exercem grande influência sobre a história do indivíduo e da sua cultura, embora constituam invenções na maioria das vezes irracionais. Alguns exemplos apontados pelo autor ilustram o quanto pode ser instável a representação que constrói a noção de língua no imaginário coletivo, a saber: 1) a forma como a ortografia se converteu em um elemento essencial na cultura francesa, a partir da segunda metade do século XIX, no sentido de apontar o grau de cultura de um sujeito, ou melhor, deste, dependendo da posição social em que está inserido; 2) a representação do alemão como língua dos sentimentos, “do inefável, da infinita doçura face aos rigores da razão implacável... tal suavidade germânica era tida como o produto de um clima físico que favorecia nevoeiros, os quais tornavam a visão de mundo mais relativa” (GUISAN, 2007, p. 81); e 3) o julgamento subjetivo do escritor francês Henri Michaux (1931) a respeito da língua majoritária falada na índia, o hindi:

Eu me encontrava em pleno interior “caipira”: tal era o efeito que o hindi produzia sobre mim, essa língua com palavras beatas pronunciadas com o jeito bonachão camponês e lento, muitas vogais bem espessas, com uns ‘âââ’, uns ‘ôôô’, como uma espécie de vibração de ronco muito pesado, ou contemplativamente arrastada e enojada, uns ‘îîî’, e sobretudo uns ‘êêê’:, tão abestalhados! Um autentico ‘bêêê’ de vaca. Tudo isso volumoso, enjoativo, confortável, eunucóide, satisfeito de si, desprovido de qualquer sendo do ridículo (MICHAUX, 1931, apud GUISAN, 2007, p. 82)

Para Guisan (id.), as representações de uma dada língua são construídas muitas vezes a partir de produções literárias, dos comportamentos sociais, ou mesmo, através da interpretação que se tem desses comportamentos, o autor cita o caso da lusofonia e da francofonia. Quanto a este último, parece haver a necessidade de reformulação quanto ao seu conceito, pois de um lado tem-se a ideia de um grande grupo formado por subgrupos políticos e culturais baseados em uma língua em comum, no caso a língua francesa, mas, do outro, há o fato da palavra francofonia ser vista como um termo negativo. O texto “Manifesto contra a Francofonia” causou muito impacto na concepção de língua francesa uma vez que se estabeleceu a ideia de que o centro está na periferia, ou seja, em todos os

espaços ditos francófonos, e que a periferia esta no centro, portanto, reivindicando uma verdadeira representação coletiva da língua francesa baseada nas diferenças dos países pertencentes à Francofonia (GUISAN, 2007).

Guisan (id.), embasado na ideia, já exposta, de que a diversidade linguística existente, até o Renascimento, não estava a serviço das divisões, salienta ainda que os projetos como os da francofonia ou lusofonia não deveriam propagar o discurso que “nós temos algo em comum a defender contra os outros” (id., p. 85), embora, o autor entenda que essa noção não deixa de ser uma postura um tanto compreensível, uma vez que a identidade se delimita pela diferença, isto é, pelo que não somos. Ainda assim, propõe que esses projetos sejam “instrumentos através dos quais podemos expressar a nossa singularidade, e ao mesmo tempo nos definir dentro deste grande continuum sem fim que nos torna tolerantes e solidários com a diferença que acabamos integrando como sendo nossa” (GUISAN, 2007, p. 85).

O processo descrito por Berenblum (2003) de criação histórico-política do sentimento de identidade nacional, assim como das línguas nacionais como símbolo de nacionalidade no surgimento das nações europeias e americanas, é um segundo exemplo histórico concreto que ajuda a compreender essa relação entre língua e identidade nacional. No primeiro caso, a criação das nações europeias, contemplamos no início deste texto ao relatarmos o processo de criação do estado nacional. No segundo caso, o nascimento das nações latino-americanas, mais precisamente levando em conta o caso da Argentina e do Brasil, segundo Berenblum (id), apesar de que no período colonial algumas diferenças se destacam no processo de formação dos estados nacionais nos modelos lusitanos e hispânicos, ambos compartilham semelhanças, por exemplo, “a criação de um estado central no qual se concentra a autoridade, a afirmação de uma soberania territorial, e a ‘nacionalização’ e homogeneização da cultura, realizada principalmente através da escola” (BERENBLUM, 2003, p.77), resultando, em relação à questão das línguas nacionais, numa defesa constante de um purismo linguístico que se manifestou ao longo da história da construção de ambas as nações.

No que diz respeito à política de homogeneização da língua espanhola, alguns fatos, levantados por Paraquett (2009), são apontados neste texto. Para a autora, no ano de 1492, no período da colonização, a expulsão dos judeus e mouros

do território espanhol, a publicação da Gramática de la Lengua Castellana, escrita por Elio Antonio de Nebrija, e a “Descoberta da América” não foram fatos isolados, mas, ao contrário, “deixam clara a política de nacionalização e formalização linguística dos reis católicos, Fernando e Isabel” (PARAQUETT, 2009, p.117). Ainda conforme Paraquett (id.), a Gramática de Nebrija foi uma maneira de tentar consolidar os diferentes falares e garantir “aos castelhanos o lugar de imperadores” (id., p. 118), sendo a língua trazida pelos espanhóis à América uma representação de “poder preocupado com as questões de dominação, fosse elas de cunho religioso, étnico ou linguístico” (id., p. ).

Tal política se apresentou de forma novamente enfática no século XX com a imposição do General Francisco Franco, que comandou o país por 40 anos, para que somente o espanhol (ou castelhano) fosse considerado língua oficial na Espanha, descartando a existência das demais línguas, o catalão, o galego e a do país Basco-euskera, decisão que, segundo Paraquett (2009, p. 122), justifica “a postura de linguistas do século XX, que assumem a hegemonia do Espanhol oficial, tentando eliminar ou menosprezar outras variantes utilizadas na América”. Uma das consequências, no Brasil, da presença deste discurso dominante é a construção de crenças e atitudes estereotipadas, sobretudo no cenário educacional, a respeito da dualidade espanhol/castelhano. Conforme aponta Botana (2006), no Brasil existe um imaginário social distinto para as diferentes nomenclaturas, sendo na maioria das vezes o castelhano a nomenclatura não legitimada pelos aprendizes de língua espanhola, fenômeno que segundo a autora:

residiria no fato de no Brasil utilizar-se o termo espanhol para designar a variante de prestígio, o espanhol correto, puro, em suma, o europeu. Ao contrário, o termo castelhano seria utilizado para designar a variante hispano-americana, isto é, o espanhol impuro que descompõe a língua oficial. (id., 2006, p.30)

Com relação à língua portuguesa, é importante ressaltar que, antes da consolidação da nação brasileira, no período da chegada dos portugueses, havia aproximadamente 1.200 línguas indígenas faladas no atual território, essa diversidade tornou inviável, inicialmente, a imposição da língua portuguesa e o uso da língua latina para a catequese, contexto que contribuiu para o surgimento da

língua geral23 propagada pelos jesuítas. A Coroa Portuguesa, frente à progressiva difusão do tupi como ameaça para implementação da língua portuguesa, num período caracterizado pela consolidação das línguas nacionais na Europa Ocidental, ordenou a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa aos indígenas. O que tornou o cenário linguístico da Colônia ainda mais complexo, uma vez que se passa a considerar as variantes da língua portuguesa e a modalidade escrita e falada. Este panorama, acrescido das línguas africanas, marcou o contexto linguístico nos dois primeiros séculos do Brasil Colônia (BERENBLUM, 2003).

Com a independência do Brasil e a proposta de criação do estado nacional, não houve espaço para essa heterogeneidade cultural e linguística surgindo a necessidade de criar uma nova identidade brasileira fundamentada “num passado comum, a partir do qual se edificaria o futuro” (BERENBLUM, 2003, p. 67). No que diz respeito ao processo de unificação linguística, o sistema nacional de educação teve um papel fundamental para que a língua portuguesa fosse convertia em língua materna, imposta como “‘modelo’ de língua a ser seguido” (id., p.71) e, por conseguinte, invisibilizando as demais e fortalecendo o mito linguístico como forma de representação para a criação e manutenção do estado nacional.

É neste sentido que Cavalcanti (2007) argumenta que existe no país uma tensão entre os interesses de uma nação considerada homogênea e os interesses das sociedades minoritárias24 que convivem sobre o mesmo território, pois, embora o Brasil seja intitulado um país monolíngue, não se pode ignorar os contextos de minorias bilíngues, uma vez que o cenário brasileiro é composto pelas comunidades indígenas em quase toda a extensão do país, principalmente, na região Norte e Centro-oeste; comunidades, na região Sul e Sudestes, de imigrantes alemães, italianos, japoneses, poloneses, ucranianos, etc; comunidades de brasileiros descendentes de imigrantes; comunidades de falantes nas fronteiras, em grande parte com países hispano-falantes; sem contar com as comunidades de surdos.

23 A língua geral surgiu das línguas em contato, ou seja, línguas francas – de base indígena que eram usadas para fins de comunicação entre “os diversos grupos indígenas, os missionários, e as famílias português estabelecidas no Brasil” (BERENBLUM, 2003)

24A autora considera como comunidades, sociedades ou grupos minoritários “populações que estão distante das fontes do poder hegemônico, embora algumas vezes, numericamente sejam majoritárias em relação à sociedade ou grupos dominantes” (op. cit. p. 45).

Ainda assim, o país insiste na ideia de nação monolíngue tornando invisíveis suas minorias linguísticas e socioculturais existentes nesse cenário. É neste contexto que “se instala o prestígio de determinada norma da língua portuguesa e o apagamento das línguas nacionais minoritárias” (Cavalcanti,1999, p.50). Segundo Cavalcanti (id.) as sociedades tendem a supor que o monolinguismo representa um ideal natural e que o bilinguismo representa uma condição anormal, logo, esta visão é extremamente eficaz para a manutenção do monolinguismo no Brasil, para “uma imagem de estado ideal, longe do perigo, de qualquer condição temporariamente anormal provenientes de situações de bi/multilinguismo (CAVALCANTE, 1999, p. 397). Outro fator complicador para a sobreposição desse mito linguístico à realidade do sistema, conforme afirma Guisan (2009), é a utilização ideológica da língua enquanto sistema homogêneo que se toma como elemento crucial na constituição do indivíduo e da sua comunidade. Além disso, como já vimos, a construção

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 45-54)