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O sujeito de/em duas línguas

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 54-63)

CAPÍTULO 2 – PENSANDO NUMA ABORDAGEM PARA ALÉM DAS

2.3 O sujeito de/em duas línguas

Sendo distintas as definições que tratam sobre bilinguismo e indivíduo bilíngue, cabe problematizar algumas questões sobre o tema para, a partir de então, delimitar a perspectiva usada para compreendermos esse sujeito. No entanto, antes disso, apenas por curiosidade, parece interessante instigarmos, pautados nos questionamentos de Coracini (2003), se o termo usado até então, bilinguismo, seria o mais adequado para esta discussão. Para Coracini (id.) o termo bilinguismo propõe, de certa forma, a dualidade entre língua materna e língua estrangeira. Vendo assim, nos parece um tanto controverso este termo uma vez que estamos partindo do pressuposto de que o falante, o sujeito desta pesquisa, está imerso num entre-línguas, isto é, numa relação estreita entre as línguas, onde sua subjetividade é construída. Contudo, como não vamos nos aprofundar nesta distinção, pelo menos não neste momento, continuaremos usando o termo bilinguismo.

Os estudos de bi/multilinguismo tem percorrido uma longa trajetória, no entanto a razão pela qual tem sido tomado como objeto de análise não diz respeito

ao fato deste fenômeno ser fundamental para as dominantes ideologias políticas e sociais, ao contrário, decorre do desafio de ter apresentado ideologias dominantes. Portanto, enquanto o monolinguismo tem sido fundamental para a expansão imperial ou a construção de estados-nação, o multilinguismo é visto, por conseguinte, como um problema a ser compreendido através de pesquisas científicas e, portanto, controlado. (HELLER, 1995)

Como já foi mencionado nos tópicos anteriores com Cavalcanti (2007) e Rajagopalan (2006) o multilinguismo está presente na maioria das nações do mundo, porém segundo Mello (1999) essa assertiva ainda soa surpreendente para muitas pessoas e nações, sendo dois os motivos básicos para que isso ocorra: primeiro o fato do conceito sobre bilinguismo ser bastante complexo e de difícil compreensão, visto que existem inúmeras abordagens e critérios distintos para caracterizar o fenômeno; depois não há interesse dos países e instituições mundiais quanto ao tema, ainda que esses países vivenciem diretamente essa realidade. Assim, permanece o discurso dominante de língua hegemônica e, logo, de monolinguismo.

Outra questão importante observada por Mello (2009), embasada nas concepções de Romaine (1995), refere-se à imprecisão dos registros estatísticos dos censos demográficos para caracterizar uma situação de multilinguismo na sociedade, visto que não há um estudo detalhado, como acontece nas pesquisas etnográficas, que leve em consideração a situação sociolinguística das comunidades, por exemplo, “a rivalidade entre os grupos linguísticos, as atitudes dos falantes em relação às línguas, o status dos falantes e das línguas que falam, os interesses políticos, o grau de bilinguismo dos indivíduos, etc.” (id., p.31).

Freitas (2007a) traz um exemplo claro dessas questões ao analisar o contexto escolar bilíngue dos Makuxi na Maloca da Raposa25. A autora observa que a situação sociolinguística dos Makuxi na Raposa é instável, ou seja, “...não é estável, como tantos apregoam dizendo que ‘lá todos falam Makuxi’, inclusive usando a Raposa como um exemplo de uniformidade de um conjunto de falantes de ideais bilíngues” (id., p.21). Ao contrário, segundo Freitas (id.), as línguas estão em

constante mudança onde seus falantes criam e recriam suas competências linguísticas. Assim como Romaine, Mackey (1972, apud MELLO 1999) ressalta que para obter-se uma noção significativa, em termos de qualidade e quantidade, deste fenômeno não há como tratá-lo a partir, apenas, de abordagens linguísticas, mas também de uma perspectiva teórica da psicologia, da sociologia, da etnografia, da antropologia entre outras correntes correlacionadas. Cabe observar que esta perspectiva transdisciplinar é dada aos estudos da linguagem pela Linguística Aplicada.

Conforme Lyons (1987), embora haja alguns países considerados oficialmente bilíngues ou multilíngues, no sentido de que falam duas, ou mais, línguas consideradas oficiais, ou seja, segundo o autor, “designada[s] pelo governo para uso oficial” (id., p. 208), a maioria dos países do mundo apesar de não serem reconhecidos como oficialmente bilíngues ou multilíngues, possuem duas ou mais línguas faladas em seus territórios. Além disso, Mello (1999) ressalta que em países intitulados monolíngues existe uma grande porcentagem de indivíduos bilíngues, enquanto isso uma nação considerada oficialmente bilíngue não implica, na maioria das vezes, que todos os seus falantes sejam bilíngues, isto é, “as fronteiras geográficas raramente refletem as fronteiras linguísticas” (MELLO, 1999, p. 32).

A aceitação e a oficialização de duas ou mais línguas não assegura uma política multilíngue consistente suficiente para que os sujeitos se tornem bilíngues, mas não se pode negar que deve ser o primeiro passo para o reconhecimento das minorias linguísticas26 existentes em determinados países (MELLO,1999). Além do Brasil, como já relatamos em no tópico anterior, existem outros países como Alemanha, Estados Unidos, França, Japão, etc. que apesar de serem considerados monolíngues, possuem inúmeras minorias linguísticas ativas, ou seja, “fazendo uso regular de línguas e de variedades diferentes daquelas eleitas como oficial ou padrão” (MELLO, 1999, p. 33). A autora compartilha o mesmo entendimento de contextos bi/multilinguismo definido por Cox e Assis-Peterson (2007) e Cavalcanti (1999, 2007) onde também se incluem as variedades consideradas de baixo prestígio de uma dada língua.

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Embora Mello tenha apontado a necessidade de uma política linguística que garanta ao sujeito a condição bilíngue, curiosamente, Maher (2007), parece analisar essa questão, especificamente abordando casos da educação formal dos falantes de línguas minoritárias no Brasil, por outro ângulo, porém não aniquilador da perspectiva de Mello (1999). Maher (2007) fala da obrigatoriedade de tornar-se bilíngue aos alunos falantes de línguas minoritárias, ou seja, “enquanto para a maioria dos alunos das escolas brasileiras o bilinguismo é facultativo, para os indígenas, surdos e de comunidades de imigrantes o bilinguismo é compulsório” (id., p. 68), isto é: estes são obrigados a dominarem a língua considerada majoritária, neste caso a língua portuguesa, na maioria das vezes, sendo cobrado a variante considerada padrão, e tornarem-se bilíngues. Este dado, segundo a autora, aponta “uma relação desigual de forças, de poder” (MAHER, 2007, p. 69) que deve ser sempre considerada nas reflexões teóricas e práticas educativas que envolvam esses falantes bilíngues, caso contrário, estaríamos propondo uma discussão passiva, inapropriada, inútil.

No que concerne à situação de bilinguismo no cenário mundial, Mello (1999) aponta como um total descaso quanto à adoção de políticas linguísticas que atendam as particularidades dos grupos étnicos envolvidos, invisibilizando os contextos de bilinguismo devido a questões econômicas, ideológicas, políticas e sociais, ou seja, nas palavras da autora: “a falta de uma política educacional oficial, com base em um planejamento linguístico que leve em consideração o reconhecimento, a compreensão e o respeito pelo contexto bilíngue, faz com que se acentue ainda mais a situação estigmatizante na qual minorias se encontram” ( MELLO, 1999, p. 39).

Até aqui abordamos questões relacionadas ao bilinguismo na sociedade por entendermos que seria inapropriado separá-lo do bilinguismo individual, principalmente quando diz respeito às representações e atitudes dos sujeitos bilíngues, no caso desse estudo, falantes de mais de uma língua num contexto sociolinguisticamente complexo de fronteira. A seguir nos ocuparemos em apontar algumas noções do sujeito bilíngue.

Iniciamos pela conhecida concepção de Bloomfield (1933, apud, MELLO, 1999) sobre o bilinguismo perfeito, entendido como o controle nativo em duas

línguas. Essa proposição soa bastante imprecisa, pois: como mensurar o grau de perfeição de um falante, sendo o conhecimento de uma língua nativa variável de acordo com cada sujeito? Por exemplo, conforme Mello (id.), há falantes com mais registros de variedades consideradas padrão e outros com mais registros de variedades consideradas não-padrão; assim como há sujeitos que falam sua língua nativa, mas não a escrevem ou não a leem; em outros casos falam e leem, mas possuem alguma limitação na escrita. Pois, se essas questões podem acontecer com um nativo, também poderão acontecer com um não-nativo (MELLO, 1999). Isso nos leva ao questionamento de Savedra (2009) ao afirmar que: se entendermos por bilíngue apenas os sujeitos com controle nativo em duas línguas inevitavelmente excluiremos a grande maioria dos bilíngues existentes. Além disso, na concepção da autora, estaríamos dispensando a oportunidade de estudar casos que apresentam contextos mais interessantes a serem problematizados, discutido e analisados.

Nessa mesma linha de pensamento, no que se refere ao questionamento da concepção de bilíngue perfeito, Salgado (2009), embasada na teoria de Meyrs- Scotton (2006), problematiza que o repertorio linguístico de um falante não é composto por todas as variantes de uma dada comunidade, tampouco as pessoas falam as mesmas variantes, logo “os indivíduos tem repertório linguístico individualizado” (SALGADO, 2009, p. 144). A autora acredita que não há muitos bilíngues que apresentam igual competência linguística, pois “ou adquiriram uma língua mais completamente que a outra, ou porque usam uma língua mais frequentemente que as suas outras, que certamente foram adquirias em graus variados” (SALGADO, 2009, p.144). Já na concepção de Macnamara (1969), citado por Appel & Muysken (1996), o bilinguismo é entendido através das habilidades linguísticas de fala, a saber: audição, leitura, escrita e compreensão, sendo considerado, pelo autor, um bilíngue aquele que possui, ainda que em proporção pequena, pelo menos uma dessas habilidades.

Mello (1999), em uma breve revisão literária, aponta algumas definições que, segundo a autora, embora sejam questionáveis em alguns aspectos, apresentam uma perspectiva de interação maior entre o sujeito, a língua e a sociedade. Tais definições pertencem aos autores Mackey (1972), Weinreich (1968) e Grosjean (1982) que defendem, respectivamente, as seguintes proposições sobre o fenômeno: “o uso alternado de duas ou mais línguas pelo mesmo indivíduo”; “a

prática de se usar duas línguas alternadamente”; “o uso regular de duas ou mais línguas” (apud, MELLO, 1999). É curioso ressaltar que, segundo Salgado (2009), nos últimos tempos a definição sobre bilinguismo tem sido concebida pelos pesquisadores por uma óptica mais flexível, que entende o fenômeno como “uma condição humana comum, possibilitando ao indivíduo operar, em algum nível, em mais de duas línguas” (SALGADO, 2009, p. 143). Savedra (2009), também coincidente com esta perspectiva menos rígida, define o bilinguismo como um fenômeno relativo, ou seja:

uma condição particular, identificada pelo contexto e forma de aquisição das duas línguas, bem como pela manutenção e abandono das mesmas. Com esta condição particular, os indivíduos bilíngues apropriam-se de dois códigos distintos e os utilizam em determinadas comunidades de fala, em diferentes ambientes comunicativos” (SAVEDRA, 2009, p. 121)

No que concerne à relatividade do termo, Mackey (1972, apud, MELLO, 1999) está de acordo com a Savedra (2009), já que, para o autor, não é possível saber exatamente em que momento alguém se torna bilíngue, reafirmando a ideia do bilinguismo ser uma questão de alternância de língua. Neste sentido, coloca alguns pontos importantes que devem ser levados em consideração na caracterização de um individuo bilíngue, tais como: o grau de conhecimento que o individuo possui em relação às línguas que usa; a função para a qual a usa; como acontece a alternância de código entre essas línguas, com que frequência e em que circunstancias ocorre; e até que ponto uma língua influencia na outra. No que diz respeito à função da língua o autor classifica em duas partes, externa e interna. A externa pode ser determinada pelo local onde ocorre a interação, pela duração, frequência e pressão que o falante sofre do meio em que convive, podendo ser de cunho político, econômico, cultural, religioso, etc. Quanto à função interna está associada à forma de uso, por exemplo, se o sujeito está escrevendo, cantando, rezando, e, além disso, a outros pontos como idade, sexo, memoria, motivação e atitude que o usuário de uma determinada língua tem em relação à mesma.

Quanto a este último ponto, Fernández (1998), ao falar sobre a língua e seu uso social, afirma que a atitude linguística é resultado da atitude social dos sujeitos. Para o autor, tem-se dado destaque à atitude e ao uso linguístico na medida em que

se percebe a língua não só portadora de uma determinada forma estrutural e atributos linguísticos, mas também, e principalmente, como transmissora de significados e conotações sociais. A esse respeito, é importante também ressaltar, como já citado em outros momentos desse referencial teórico, e agora com Fernández (1998), a relação entre língua e identidade, sendo esta não só uma manifestação das atitudes dos falantes frente a determinadas línguas e seus respectivos usuários, como afirma o autor, mas também das representações que esses sujeitos constroem das línguas que falam, a partir de relações de interesse, de poder, de elementos internos e externos que criam e impõe significados particulares.

Uma variedade linguística, ainda conforme Fernández (1998), pode ser interpretada como uma característica determinante da identidade, neste sentido é que as atitudes sobre grupos com uma determinada identidade são em parte atitudes das variantes linguísticas usadas por esses grupos, ou seja, são reflexos das atitudes psicossociais. Já que as línguas possuem significados e conotações sociais, nada mais lógico que sejam avaliadas levando em conta o status ou caraterísticas sociais dos seus falantes. Neste sentido, torna-se complexo definir onde termina a atitude relacionada a uma determinada variedade linguística e onde começa a atitude relacionada ao grupo ou falante desta variedade. O que se pode observar, através das pesquisas, segundo o autor, é que a diferença de atitude em relação às línguas frequentemente está associada à posição social e etnolinguística dos seus usuários (FERNÁNDEZ, 1998).

Fernández (id.) cita duas hipóteses para essa situação, formuladas por Giles e seus colaboradores: a primeira diz respeito à “hipótese do valor inerente” que consiste na possibilidade de comparar duas variantes sendo uma dessas consideradas de maior prestígio que a outra; a segunda, “hipótese da norma imposta”, mantém a ideia de que uma variante pode ser valorizada, por si mesmo, como melhor que outra se é falada por um grupo de maior prestígio. Conforme Fernández, o estudo de Giles mostra que a mesma variante pode ser objeto de atitudes positivas ou negativas dependendo do valor que se dê ao grupo que a usa, sendo as atitudes linguísticas, na maioria das vezes, manifestações das preferências e das convenções sociais acerca dos status e prestígios dos falantes. Neste sentido, o autor ressalta que o mais comum é que os grupos sociais mais poderosos economicamente sejam os que estabeleçam o modelo da atitude linguística das

comunidades de fala, por isso as atitudes sobre a língua, os usos e as características de falantes em uma posição social mais alta são consideras, na maioria das vezes, positivas. (FERNÁNDEZ, 1998, p. 181)

Porém, vale ressaltar, que a abordagem que damos ao sujeito, neste trabalho, não é de forma alguma passiva, ou seja, não o consideramos como um sujeito assujeitado, mas sim um sujeito da perspectiva dos estudos culturais, poroso, criativo, com certa autonomia que lhe permite construir um contra discurso, que subverte, que resiste a sua formação ideológica, logo, aos discursos dominantes.

O nível de estandardização e de vitalidade são dois fatores que contribuem decisivamente na formação das atitudes linguísticas que se manifestam tanto à variante e aos usos linguísticos próprios quanto aos alheios. Há casos em que os próprios falantes de línguas consideradas minoritárias, como já citado em parágrafos anteriores – com Cavalcanti (1999) e Mello (1999) – têm uma atitude negativa da própria língua. Isso, geralmente, acontece, quando as próprias línguas não lhes permitem “um acesso social, uma melhora econômica ou quando lhes impossibilita o movimento por lugares ou círculos diferentes dos seus27” (FERNÁNDEZ, 1998, p 181), o que não significa que estes falantes não valorizem em absoluto sua própria língua.

Para que se entenda essa contradição, ou seja, a possibilidade que um falante ou determinado grupo tenha uma atitude negativa da própria língua e ao mesmo tempo a valorize de alguma forma, deve-se estabelecer, conforme o autor, uma distinção entre as várias características da língua e considerar que são definidas por razões diferentes as quais, normalmente, são sociais, subjetivas e afetivas. Dessa forma, os sujeitos criam atitudes linguísticas levando em conta uma serie de fatos, linguísticos e sociolinguísticos da língua ou variedade a qual pertencem, que os afetam, logo, “a consciência linguística é um fenômeno estreitamente ligado à variedade linguística – sobretudo nas comunidades bilíngues

27 Tradução livre:

“un ascenso social, una mejora económica o cuando les imposibilita el movimiento por lugares o círculos diferentes de los suyos”

e em território onde se fala mais de um dialeto – e ao estrato social28 (FERNÁNDEZ, 1998, p. 182).

É perceptível que essas questões apontadas sobre a atitude linguísticas são mediadas por relações de poder que produzem discursos dominantes impostos à sociedade como verdades, como normas como elementos não marcados. Uma consequência dessa situação é o uso do termo bilinguismo associado às línguas de prestígio no que se convencionou denominar bilinguismo de elite, conforme ressalta Cavalcanti (1999). Neste mesmo sentido, Maher (2007), ao discutir sobre a avaliação social do aluno bilíngue, relata atitudes distintas para o mesmo fenômeno, pois: se o que esteve em questão forem línguas consideradas de prestígio, o bilinguismo é concebido como algo positivo que deve ser incentivado, porém se as línguas envolvidas forem avaliadas como de pouco prestígio, como as indígenas, então o fenômeno é visto negativamente, como “um ‘problema’ a ser erradicado” (Maher, 2007, p.69). Além disso, nesta distinção, o que conta, segundo a autora, não é penas o status da língua, mas também o prestígio dado às variedades dialetais, a exemplo, nas palavras da autora: “Uma coisa é um individuo ser capaz de se comunicar em português e na variedade padrão do alemão; outra coisa é alguém ser capaz de fazê-lo em português e no dialeto alemão de alguma das comunidades rurais do Paraná” (MAHER, 2007, p. 69). Para a autora, este último seria percebido como uma desvantagem no processo de educação, já o primeiro como uma vantagem.

Todos esses pontos discutidos até o momento devem se levados em consideração para tentar compreender algumas questões concernentes aos sujeitos dessa pesquisa, como já sabemos, falantes de mais e uma língua em um contexto sociolinguísticamente complexo. No entanto, cabe-nos esclarecer que não nos deteremos em uma perspectiva puramente linguística, mas sim, propomos uma discussão sobre a relação sujeito e línguas que aborde aspectos identitários da construção desse sujeito, formada a partir de representações que constrói das línguas que fala e convive e da trajetória construída com cada uma delas, ou seja, a partir da perspectiva da Linguística Aplicada.

28 Tradução livre: “la consciencia lingüística es un fenómeno estrechamente ligado a la variedad lingüística- sobretodo en las comunidades bilingües y en territorio donde se habla más de un dialecto- y al estrato social”

Conforme ressalta Heller (1995), algumas abordagens de cunho sociológico e antropológico sobre o bi/multilinguismo estabeleceram uma relação entre padrões multilíngues e as formas de organização social, no sentido de apontar correspondência entre as diferentes variedades linguísticas e as diferentes situações sociais nas quais estas variedades são usadas, assim como os diferentes valores atribuídos às variedades das línguas. Embasado neste conceito central, alguns estudos mais recentes abordaram que papel as línguas realmente desempenham no desenvolvimento das estruturas e processos sociais. Ainda neste sentido, Heller (id.) ressalta que alguns autores (Irvine, 1989; Kulick, 1992; Woolard, 1985; Hill, 1986) exploraram temas como fronteiras sociais, identidades e relações de poder e de solidariedade, relações entre práticas sociais e linguísticas, atitudes e valores. Tais perspectivas implicam a construção de ideologias através da linguagem como uma janela para o exercício do poder e o estabelecimento de relações sociais hierárquicas como um lugar onde esse poder acontece.

Tal abordagem é altamente instrutiva no contexto de pesquisa deste estudo, onde as práticas de línguagem na fronteira Brasil/Venezuela, resultantes da interação entre os individuos que alí convivem – conforme nos lembra Couto (2009), as línguas não possuem vida independente dos individos que as usam, pois “o que entra em contato diretamente não são as línguas, mas os povos” (id., p. 50) – não podem ser anlisadas considerando apenas a materialidade da língua, mas, sobretudo, as representações e ideologias que servem a interesses dos sujeitos que

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 54-63)