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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS

MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS

LINGUAGEM E CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DE ALUNOS BRASILEIROS EM MOBILIDADE GEOGRÁFICA E LINGUÍSTICA NO CONTEXTO DA FRONTEIRA

BRASIL/VENEZUELA

ANCELMA BARBOSA PEREIRA

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Linguagem e construção identitária de alunos brasileiros em mobilidade geográfica e linguística na fronteira Brasil/Venezuela

Ancelma Barbosa Pereira

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).

Orientador: Prof. Dr. Pierre François G. Guisan

Co-Orientadora: Profa. Dra. Déborah de Brito A. P. Freitas

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TERMO DE APROVAÇÃO

Linguagem e construção identitária de alunos brasileiros em mobilidade geográfica e linguística na fronteira Brasil/Venezuela.

Ancelma Barbosa Pereira

Orientador: Prof. Dr. Pierre François G. Guisan

Co-Orientadora: Profa. Dra. Déborah de Brito Albuquerque Pontes Freitas

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua Espanhola).

Examinada por:

_________________________________________________ Presidente, Prof. Dr. Pierre François G. Guisan – UFRJ

_________________________________________________ Profa. Dra. Leticia Rebollo Couto – UFRJ

_________________________________________________ Profa. Dra. Telma Cristina Almeida Silva Pereira – UFF

________________________________________________

Profa. Dra. Maria Mercedes R. Quintans Sebold – UFRJ, Suplente

________________________________________________ Prof. Dr. Xoán Carlos Lagares Diez – UFF, Suplente

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Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima

P436l Pereira, Ancelma Barbosa

Linguagem e construção identitária de alunos brasileiros em mobilidade geográfica e linguística no contexto da

fronteira Brasil/Venezuela / Ancelma Barbosa Pereira. – Boa Vista, 2012.

123 p. ; il.

Orientador: Prof. Dr. Pierre François G. Guisan.

Co-orientadora: Profa. Dra. Débora de Brito A. P. Freitas. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas.

1 – Linguagem. 2 – Identidade. 3 – Fronteiro. I - Título. II – II – Guisan, Pierre François G. (orientador). III - Freitas, Déborah de Brito Albuquerque Pontes (co-orientadora).

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RESUMO

Linguagem e construção identitária de alunos brasileiros em mobilidade geográfica e linguística na fronteira Brasil/Venezuela.

Ancelma Barbosa Pereira

Orientador: Prof. Dr. Pierre François G. Guisan

Co-Orientadora: Profa. Dra. Déborah de Brito Albuquerque Pontes Freitas

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua Espanhola).

Entre os diferentes ambientes que compõe a diversidade linguística e cultural do estado de Roraima está o cenário desta pesquisa, a fronteira Pacaraima-BR/Santa Elena-VE. Sob a ótica de que o mundo transcultural em que vivemos hoje carece cada vez mais de questões sobre linguagem e identidade, sobretudo em contextos de fronteira geográficas ou imaginárias, o objetivo deste estudo qualitativo foi compreender como as diversas representações das línguas, espanhol e português, interagem na construção identitária de brasileiros alunos de uma escola estadual no município de Pacaraima-RR, em contexto de mobilidade geográfica e linguística na fronteira Brasil/Venezuela. À luz do aporte teórico/metodológico da Linguística Aplicada, os registros foram coletados através de diário de campo, atividade de grupo focal – GF (gravada em vídeo) e entrevistas (gravadas em áudio), que em seguida foram transformados em dados para serem analisados a partir de teorias de distintas áreas – Linguística Aplicada, Sociolinguística Interacional e Estudos Culturais, por assim citar. A análise feita propõe que o tratamento dado à variedade venezuelana no sistema escolar parece ser de desprestígio quando esta é comparada à língua portuguesa e à variedade peninsular, porém, no que diz respeito a esta última, tal atitude não é compartilhada pelos participantes da pesquisa. De modo geral o comportamento linguístico dos participantes está condicionado: a) pela função externa da língua marcada por dois ambientes, a escola e o comércio em Santa Elena, onde, neste segundo, o espanhol prevalece; e b) pela necessidade de marcar a identidade, logo o pertencimento a um dos lados da fronteira, outros símbolos extralinguísticos também são usados com este intuito.

Palavras-chave: língua(gem), identidade e fronteira

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RESUMEN

Linguagem e construção identitária de alunos brasileiros em mobilidade geográfica e linguística na fronteira Brasil/Venezuela.

Ancelma Barbosa Pereira

Orientador: Prof. Doutor Pierre François G. Guisan

Co-Orientadora: Profª Dra. Déborah de Brito Albuquerque Pontes Freitas

Resumen da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua Espanhola).

Entre los diferentes ambientes que componen la diversidad lingüística y cultural del estado de Roraima está el escenario de esta investigación, la frontera Pacaraima-BR/Santa Elena-VE. Bajo la visión de que el mundo transcultural en que vivimos hoy carece cada vez más de cuestiones sobre lenguaje e identidad, principalmente en contextos de fronteras geográficas o imaginarias, el objetivo de este estudio cualitativo fue comprender cómo las diversas representaciones de las lenguas, español y portugués, interactúan en la construcción identitaria de alumnos brasileños de una escuela estadual en el municipio de Pacaraima-RR, en contexto de mobilidad geográfica y lingüística en la frontera Brasil/Venezuela. Ala luz dela aporte teórico/metodológico de la Lingüística Aplicada, los registros fueron colectados a través de diario de campo, actividad de grupo focal – GF (gravada en video) y entrevistas (grabada en audio), que enseguida fueron transformados en datos para ser analizados a partir de teorías de distintas áreas – Lingüística Aplicada, Sociolingüística Interacional y Estudios Culturales, por así citar. El análisis hecho propone que el tratamiento dado a la variedad venezolana en el sistema escolar parece ser de desprestigio cuando ésta es comparada a la lengua portuguesa y a la variedad peninsular, pero, en lo que se refiere a esta última, tal actitud no es compartida por los participantes de la investigación. De manera general, el comportamiento lingüístico de los participantes está condicionado: a) por la función externa de la lengua marcada por dos ambientes: la escuela y el comercio en Santa Elena, donde, en este segundo, el español prevalece; e b) por la necesidad de marcar la identidad, por lo tanto la pertenencia a uno de los lados de la frontera, otros símbolos extralinguísticos también son usados con esta intención.

Palabras-claves: lengua(je), identidad y frontera

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ABSTRACT

Linguagem e construção identitária de alunos brasileiros em mobilidade geográfica e linguística no contexto da fronteira Brasil/Venezuela.

Ancelma Barbosa Pereira

Orientador: Prof. Dr. Pierre François G. Guisan

Co-Orientadora: Profa. Dra. Déborah de Brito Albuquerque Pontes Freitas

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua Espanhola).

Among the several environments which form the linguistic and cultural diversity of the state of Roraima was found the scenario for this research, which is the border between Brazil and Venezuela, more specifically the cities of Pacaraima, BR and Santa Elena, VE. Under the optics that the nowadays transcultural world we live in, demands ever more questionings about the language and identity, especially in environments of geographical or imaginary bordering. The purpose of this qualitative study was the comprehension on how the many representations of the languages, Spanish and Portuguese, interact in the identity construction of Brazilian students in a State school in the city of Pacaraima, RR, in the context of the geographical and linguistic mobility on the border Brazil/Venezuela. Under the light of the theoretical and methodological support of the Applied Linguistics, the records were collected through field diary, focal group activity – GF (filmed) and interviews (recorded), which were after transformed into data to be analyzed based on theories of distinct areas – Applied Linguistics, Interactional Sociolinguistics and Cultural Studies, as they can be cited. The performed analyses points out that the treatment given to the Venezuelan variant in the school system seems to be of disregard in detriment of the peninsular variant and the Portuguese Language, although in respect to the attitude of the participants, such position is not sustained, once they demonstrate worries in the usage of the Spanish language with the Venezuelans, which possibly demonstrate a valuing to the neighbor`s variant. In a general sense the linguistic behavior of the participants is conditioned: a) by the external function of the language marked by the two environments, which are the school and the commerce in Santa Elena, where, in the second, Spanish surpasses; and b) by the necessity of an identity mark, in face of the belonging to one of the sides of the border, though other extralinguistic symbols are used for that purpose as well.

Key-words: language, identity, border

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Dedicatória

A minha querida irmã, hoje eu, amanhã você.

Àquela que sempre esteve comigo, que admiro e amo incondicionalmente, minha mãe.

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Agradecimento

Ao Pierre Guisan, meu orientador, pelos diálogos prazerosos que tivemos durante as disciplinas e no período em que estive no Rio de Janeiro.

À minha querida co-Orientadora, Déborah Freitas, não apenas por sua competência e orientação que me ajudaram a amadurecer enquanto pesquisadora, mas, sobretudo, pela dedicação, amizade e companheirismo; pelas nossas conversas que sempre me tranquilizaram e incentivaram a continuar.

À UFRJ, UFRR e CAPES pela viabilização do mestrado.

Aos professores da UFRJ pelas disciplinas ministradas, em especial à professora Mercedes Sebold, pela recepção e apoio ao grupo do MINTER no Rio de Janeiro, pelas contribuições e palavras de incentivo via e-mail; e à professora Leticia Rebollo pelas conversas iniciais que me incentivaram a iniciar a pesquisa em campo e pela colaboração para oficialização da minha defesa.

Aos colegas do MINTER, sobretudo, Duí, Maria Francisca, Geusa, Francisco e David, este último pela paciência de ouvir minhas inquietações e pelas inúmeras discussões teóricas que tivemos ao longo do curso.

Às colegas da UFRR, Silva e Lúcia; e da UFRJ, Mariana e Rachel pelas conversas e incentivo.

A Aline, Darlete, Erich, Mara Gardeane e Naiara pela amizade e pelas contribuições no momento final da redação da dissertação.

À todos os colegas, amigos e parentes pela torcida e incentivo.

A minha família que sempre me apoiou e me fortaleceu com seu amor.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...

CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZANDO A FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA: AS DIFERENTES IMPLICAÇÕES………...……...

1.1 Aspectos históricos e socioeconômicos …………....………...… 1.2 Representações do outro ... 1.3 Cenário educacional: algumas questões ...

CAPÍTULO 2 PENSANDO NUMA ABORDAGEM PARA ALÉM DAS

FRONTEIRAS... 2.1 Língua(gem), identidade e o papel da representação ... 2.2 As línguas ditas nacionais como representações identitárias ... 2.3 O sujeito de/em duas línguas ... 2.4 A linguagem no entre-lugar: algumas perspectivas de fronteiras ...

CAPÍTULO 3 DESENHO DA PESQUISA ... 3.1 Uma perspectiva transdisciplinar ... 3.2 Procedimentos de geração dos registros e sistematização dos dados ... 3.2.1 Diário de campo ... 3.2.2 Grupo Focal ... 3.2.3 Entrevistas individuais ... 3.3 Definindo os sujeitos da pesquisa e a mobilidade geográfica ...

CAPÍTULO 4 UM OLHAR SOBRE SUJEITOS LÍNGUAS E ENTRE-CULTURAS...

4.1 Cenário de investigação e a ressignificação dos seus sujeitos ... 4.1.1 Santa Elena: “é melhor de se viver” ... 4.1.2 Representações do cenário educacional ... 4.2 Mito linguístico: um território, uma língua! ... 4.3 Primeiras impressões na língua do outro: “não! no começo... Ave Maria!” ... 4.4 Representações linguísticas do indivíduo na (da) fronteira ... 4.5 Espanhol ou castelhano?... “aqui é falado o castelhano não é o espanhol” ...

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS ...

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INTRODUÇÃO

Começo este texto tentando recuperar a motivação inicial para o desenvolvimento desta pesquisa e os distintos caminhos que, posteriormente, contribuíram para a delimitação e redefinição do tema. Neste intuito, retomo alguns fatos antecedentes à construção da proposta desse trabalho que me ajudaram a organizar e canalizar as minhas ideias no sentido de definir o que de fato me interessaria pesquisar, já que esta era uma tarefa totalmente nova para mim.

Em primeiro lugar, lembro-me que durante uma oficina sobre elaboração de projetos de pesquisa1 promovida pela professora Profa. Dra. Déborah Freitas, atualmente minha co-orientadora, discutíamos sobre a inquietação que nos leva a pesquisar determinado assunto. Na ocasião, a professora dizia que às vezes essa inquietação surge de uma experiência pessoal em um contexto, ou de uma curiosidade sobre algo novo, de uma observação sobre determinada situação, não necessariamente sob orientação de leituras específicas, e, outras vezes, poderia partir de leituras teóricas, de discussões, interrogativas e propostas de pesquisas.

Da minha parte, vivenciei um pouco de cada coisa, pois enquanto professora de língua espanhola do ensino público fundamental e médio e do ensino tecnológico numa instituição privada do estado de Roraima, não haveria como não refletir sobre o ensino do espanhol como língua estrangeira (doravante ELE) num cenário de grande diversidade linguística e cultural ocasionada, principalmente, por três fatores: a posição geográfica do estado, pois pertence a uma tríplice fronteira com os países Venezuela e República Federativa da Guiana; as inúmeras imigrações nacionais e transnacionais; e a grande variedade de línguas indígenas presentes no estado2.

Durante visitas feitas à fronteira Pacaraima-BR/Santa Elena-VE, especialmente a Santa Elena de Uairén (doravante Santa Elena), não apenas na

1Oficina promovida pelo Programa de Educação Tutorial Letras (PET-LETRAS) da Universidade Federal de Roraima – UFRR, no primeiro semestre de 2010.

2 Segundo Aryon Rodrigues (2002), Roraima possui 12 línguas indígenas faladas em seu território:

Makuxi, Ye’kuana ou Maiongong, Taurepang ou Pemóng, Patamona, Sapará, Wai-Wai,

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condição de turista, mas também como profissional em visitas técnicas3 ou com o intuito de adquirir materiais didáticos, passei a olhar a fronteira não apenas como um espaço de limitações territoriais, mas como um espaço geográfico e imaginário de encontros e desencontros resultantes do intenso contato entre línguas e culturas ali existentes4. A partir de então, vendo que este contexto me interessava, passei a fazer leituras sobre fronteira5 que me foram substancialmente instigadoras, sobretudo, a pesquisa de Braz (2004)6, primeiro trabalho de cunho linguístico

realizado na fronteira Brasil/Venezuela, desenvolvida no cenário escolar de Pacaraima.

De conhecimento do cenário escolar de Pacaraima sob a perspectiva de Braz (2004) e de discussões com outros profissionais, particularmente da área da linguagem, passei a direcionar o foco para a situação de mobilidade geográfica e linguística dos alunos brasileiros que, por motivos econômicos, residem em Santa Elena7, desenvolvendo suas vidas sociais, em grande parte, no território venezuelano ambiente onde prevalece o uso da língua espanhola. Dessa maneira, percebi que as questões de língua e identidade eram pontos que careciam de estudo.

Para considerar um entendimento mais próximo da realidade desse contexto, dos fenômenos que ali estão ocorrendo, não pude ignorar as mudanças significativas que as novas paisagens culturais do mundo têm apresentado, motivadas, principalmente, pela globalização e novas tecnologias que tem aumentado o número de línguas e culturas em contato proporcionando novas práticas culturais e linguísticas hoje. Enquanto educadora e, agora pesquisadora, entendo que essa diversidade de língua e cultura em interação não pode ser desconsiderada nas pesquisas e práticas educativas, devendo ser esta uma

3Atividade desenvolvida como parte das minhas atribuições enquanto professora de língua espanhola

em escolas de idiomas e no curso Tecnólogo em Secretariado e Comércio Exterior da Faculdade Estácio Atual, esta última a qual ainda pertenço.

4

Informações detalhadas sobre a fronteira serão fornecidas no capítulo “contextualizado a fronteira Brasil/Venezuela: as diferentes implicações”.

5 Alguns dessas Leituras estão no Capítulo Teórico.

6 Monografia apresentada ao curso de Especialização em Ensino-Aprendizagem de Língua e

Literatura, do Centro de Comunicação, Educação e Letras da Universidade Federal de Roraima intitulada “O contato linguístico em área de fronteira Brasil/Venezuela, o português e o espanhol nas escolas de Pacaraima”.

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preocupação inclusive para aqueles que não fazem pesquisa na área de multilinguismo e multiculturalismo, o que não é o caso deste estudo.

Tendo em conta que a situação de deslocamento geográfico e linguístico desses brasileiros contribui de forma acentuada para o cenário sociolinguísticamente complexo da fronteira, esta pesquisa teve como objetivo compreender como as diversas representações das línguas, espanhol e português, interagem na construção identitária de brasileiros alunos de uma escola Estadual no município de Pacaraima-RR, em contexto de mobilidade geográfica e linguística na fronteira Brasil/Venezuela.

Para dar conta desse objetivo busquei responder a seguinte pergunta de pesquisa que norteia este trabalho: De que forma as diversas representações das línguas, português e espanhol, interagem na construção identitária de brasileiros, alunos de uma escola estadual no município de Pacaraima-BR, em contexto de mobilidade geográfica e linguística na fronteira Brasil/Venezuela?

A pergunta maior se completa nas subperguntas a seguir: a) Enquanto sujeitos residentes em Santa Elena-VE e estudantes em Pacaraima-BR, como os alunos brasileiros se sentem nessa mobilidade geográfica e linguística que vivenciam?; b) Em quais contextos e com quais interlocutores os estudantes brasileiros interagem em língua portuguesa e espanhola?; c) Como se dão as práticas linguísticas dos alunos brasileiros na fronteira enquanto resultado do contato linguístico e intercultural entre os venezuelanos e brasileiros?; e d) Que relação os indivíduos em foco estabelecem entre a fronteira geopolítica e as línguas, ditas oficiais, faladas nela?

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muitas possibilidades que uma língua pode criar para seu usuário. Para tanto, proponho a discussão das noções de língua(gem), cultura, identidade e representação, à luz dos teóricos dos Estudos Culturais e da sociologia, como, Hall (2000, 2006) e Silva (2000 e 2006) e Woodward (2000), Bauman (2005); da Linguística Aplicada Maher (2007), Cox e Assis-Peterson (2007), César e Cavalcanti (2007) e Rajagopalan (2002, 2006). Em seguida discorro sobre as línguas nacionais como forma de representações identitárias, que, além de alguns teóricos já apontados acima, estão: Anderson (2008), Berenblum (2003) e Guisan (2007, 2009). Por último, levanto questões sobre a subjetividade dos sujeitos bilíngues à luz das concepções teóricas, sobretudo, de Heller (1995), Maher (2007), Mello (1999), Savedra (2009) e Salgado (2009) e encerro com contribuições de algumas pesquisas realizadas em fronteira, com Amorim (2007), Braz (2009), Couto (2009), Pires Santos (2004), Santo (2011) e Sturza (2006).

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CAPÍTULO 1

CONTEXTUALIZANDO A FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA: AS

DIFERENTES IMPLICAÇÕES

Inicialmente, para que se tenha uma visão aproximada do cenário de pesquisa desta dissertação apresentaremos algumas informações históricas e socioeconômicas da fronteira Brasil/Venezuela. Tais informações são de suma importância para a compreensão de algumas posturas e representações relatadas no decorrer deste trabalho.

1.1 Aspectos históricos e socioeconômicos

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Figura: Mapa do Estado de Roraima8

Pacaraima, exceto a sede, está inserida nas reservas indígenas de São Marcos e Raposa Serra do Sol, esta última recentemente demarcada em 2009, tendo uma área de 8.063,9 Km2 (3,58% da área total de Roraima), sendo a maioria das terras de domínio indígena com participação de 98,81% em relação ao total do Município (SANTOS, 2010).

O município possui uma população de 10.433 habitantes segundo informações do Censo de 2010 (IBGE9) e uma renda baseada no serviço público e na produção de alguns produtos agrícolas. No caso das comunidades indígenas, o

8 Fonte: Lemos, 2012.

9Fonte: http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/webservice/frm_urb_rur.php?codigo=140045.

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potencial produtivo concentra-se na criação de gado bovino de corte e na agricultura baseada nos produtos básicos10. Além disso, Braz (2010) aponta que o comércio turístico é entendido pelos brasileiros que vivem na cidade como a atividade econômica de maior importância.

Conforme Santos (2010), a cidade onde hoje é Pacaraima nasceu de uma vila criada na década de 1930. Essa vila era o ponto final de uma estrada mal construída que permitia o translado de tropeiros, vaqueiros e garimpeiros de Boa Vista para Santa Elena e vice-versa. Ao que parece, pela descrição a seguir, essa estrada surgiu, principalmente, com o propósito comercial:

Essas viagens eram feitas sobre o lombo de animais de sela e de carga (bois e cavalos). Em Santa Elena efetuavam a venda de carnes e de gado bovino, suíno e outros, além dos produtos como ouro e diamantes que saíam do Brasil sem qualquer fiscalização, e eram negociados naquela cidade venezuelana onde os brasileiros compravam mercadorias que eram vendidas em boa vista e nos garimpos da região. A única construção existente no local do divisor era uma cerca de arame e uma porteira [rústica], implantadas exatamente na linha que divide as duas fronteiras. Do lado do Brasil inexistia qualquer controle de fiscalização de entrada e saída de pessoas e mercadorias. Mas do lado venezuelano já existia, na época, um posto de fiscalização nas proximidades da cerca [puesto de vigilancia],

que espedia ‘licenças’ para os brasileiros que se destinavam ao distrito de

Santa Elena, então conhecido como centro de comércio ‘brasileño

-venezolano’ da ‘Gran Sabana’. (SANTOS, 2010, p. 362)

O relato acima nos permite constatar não só que a história de criação de Pacaraima está relacionada à própria história do comércio na fronteira, mas também que, assim como acontece atualmente, já existia um maior controle na fronteira por parte dos venezuelanos para a entrada dos brasileiros em seu território. Braz (2010) também apresenta relatos sobre a criação do município de Pacaraima, porém num período posterior a década de 30, remete a relatos após a construção da BR-174, ou seja, a partir da década de 7011. Segundo a autora, esse foi um período onde se

solidificou a migração populacional para a região fronteiriça e as atividades de

10Segundo informações da página eletrônica oficial do estado de Roraima.

11Período em que foi construída a rodovia por meio do convênio assinado entre o Departamento

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mineração em ambos os países o que “impulsionava a economia e propiciava a atividade comercial” (BRAZ, 2010, p. 45), além disso, ainda conforme Braz (id.), foi o comércio voltado para os clientes venezuelanos que “possibilitou a fixação dos brasileiros na região”.

Do outro lado da fronteira brasileira está Santa Elena, capital de Gran Sabana que é município do Estado de Bolívar. A cidade foi fundada em 16 de setembro de 1923 por Lucas Fernandez Peña, atraído pelo auge diamantífero do território12. Sua população está estimada em 29.795 habitantes (Censo de 2006)

composta não só por venezuelanos, mas também por brasileiros, chineses, japoneses e outras nacionalidades hispano-americanas, além de etnias indígenas. A economia consiste na atividade do comércio, turismo ecológico e extração de minério. Segundo Rodrigues (2006), os municípios da fronteira Brasil/Venezuela, ou seja, Pacaraima e Gran Sabana, apresentam características muito parecidas quanto a inclusão regional e ocupação dos territórios estaduais e nacionais, nas palavras da autora: “são municípios de projetos de expansão agrícola, áreas de intensa exploração mineral ao longo de suas histórias, e possuem um grande contingente de população indígena” (id., p.5)

Rodrigues (2006) observa que a emigração de brasileiros para Venezuela está relacionada, principalmente à atividade de mineração, embora hoje esse cenário tenha se modificado um pouco, constituindo outros perfis de migrantes brasileiros.

A autora aponta três grandes momentos desse movimento emigratório. O primeiro ocorre no final da década de 1970 e início de 80 em consequência da queda da extração de diamantes em Roraima, os brasileiros que emigraram nesse período instalaram-se no Estado Bolivar, na capital Ciudad Bolivar, Maturin e Santa Elena, cidade fronteiriça com o Brasil, que serviu como suporte básico para a atividade de mineração. O perfil dos imigrantes dessa década se caracterizava em sua maioria por homens sozinhos, nascidos na região Nordeste do Brasil, que deixavam suas famílias em Boa Vista ou no estado de origem (RODRIGUES, 2006).

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Na década de 90, ainda em consequência do declínio da garimpagem em Roraima somado à demarcação das terras indígenas Yanomami em 1991, surgiu o segundo movimento migratório composto por um grupo bastante heterogêneo, podendo ser dividido em três grupos: o primeiro era formado por homens e mulheres sozinhos ou acompanhados por seus parceiros, as mulheres trabalhavam como cozinheiras e lavadeiras; o segundo consistia em mulheres e homens entre os 20 e 30 anos que se instalaram na fronteira para atuar nas mais distintas atividades comerciais, trabalhando em lojas, lanchonete, restaurantes ou como autônomos (manicure, depiladora e dançarina); já o último grupo de imigrantes caracteriza-se por pequenos empresários e comerciantes autônomos (RODRIGUES, 2006).

O último período de grande deslocamento teve inicio em 2000, logo após a transformação da Vila BV-8 em município de Pacaraima, pela Lei Estadual nº 096 de 17 de outubro de 1995, e a cogitação de criação de uma Área de Livre-Comércio na fronteira. As atividades de mineração diminuíram bastante para a Venezuela neste período devido às reivindicações das organizações ambientalistas e indígenas para proibir a extração de minérios nas principais áreas de exploração nas proximidades da bacia Orenoco e Caroní, fazendo com que o governo venezuelano instituísse uma política de remanejamento dos venezuelanos para outras atividades e expulsão dos demais trabalhadores estrangeiros, logo, dos brasileiros (RODRIGUES, 2006). Esse processo desencadeou o que a autora chama de migração de retorno, pois muitos brasileiros regressaram para Santa Elena, para trabalharem em serviços diversos, alguns para os garimpos da República Guiana-GY e outros para Boa Vista-RR. Além dessa migração de retorno houve outro tipo, que permanece nos dias atuais, denominado migração para o trabalho que consiste em:

brasileiros e brasileiras que vivem em Pacaraima ou Boa Vista e cruzam a fronteira para trabalharem em Santa Elena, tanto diária, semanal ou mensalmente, como periodicamente (trabalho por empreitada, contrato temporário, etc.). Esse movimento migratório caracteriza-se pela constituição do trabalhador transfronteiriço, aquele que vive de um lado da fronteira e trabalha no outro, fazendo na verdade esse um espaço contínuo. (RODRIGUES, 2006, p. 9)

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diversos fatores, entre eles a situação de incerteza quanto a permanência da sede de Pacaraima fora das áreas indígenas já demarcadas aliada a demissão em 2004 de muitos funcionários estaduais não concursados. Além disso, ainda segundo a autora, essa incerteza motivou os poucos habitantes que chegavam ao município, em grande parte, recém-funcionários admitidos em concursos públicos, a não constituírem moradias fixas, passando a viver de aluguel, o que ocasionou a extinção das vendas de casas e o encarecimento do aluguel, motivo, somado aos anteriores, pelo qual, alguns brasileiros passaram a viver em Santa Elena, já que esta apresentava um custo de vida mais barato devido a desvalorização da moeda venezuelana (BRAZ, 2004).

Embora outros processos sobre a demarcação das terras indígenas estejam em aberto, no que diz respeito à área Raposa Serra do Sol, recentemente em 200913, foram resolvidas as incertezas quanto à permanência da sede do município de Pacaraima fora dessa área, fato que motivou o crescimento populacional da cidade, apesar de muitas situações ainda se mantêm como, o encarecimento do aluguel, a falta de diversidade de renda financeira e a opção de brasileiros em residirem em Santa Elena por motivos profissionais: ofertas de emprego principalmente como vendedor nos diferentes ramos comerciais; atividades autônomas como lojistas, comerciantes, proprietários de restaurantes, bares, lanchonetes, salões de beleza; e o benefício quanto ao custo de vida.

Todas as informações apresentadas até o momento foram levantadas na intenção de compreender as causas e a forma como se deu o processo que motivou a grande concentração de brasileiros residentes em Santa Elena, e consequentemente contemplar alguns aspectos da história de migração de cada participante desta pesquisa, enquanto imigrantes brasileiros, na maioria, filhos de imigrantes brasileiros, na análise dos diferentes discursos propagados na coleta de dados.

13Supremo Tribunal Federal, Pet 3388, Relator Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em

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1.2 Representações do outro

Na fronteira, as cidades Pacaraima-BR e Santa Elena-VE são separadas por uma distância de aproximadamente 15km, na divisa entre os dois territórios os postos de controles dos respectivos países permitem o fluxo de pessoas das 6h às 22h. Embora exista uma relativa distância entre as duas cidades, a movimentação diária de um lado para o outro é bastante intensa devido a grande concentração de brasileiros e venezuelanos que vivem em Pacaraima ou Santa Elena e atravessam a fronteira para trabalharem no país vizinho, sendo essa situação mais comum entre os brasileiros, como já foi mencionado anteriormente. Outras situações contribuem para essa relação entre as duas cidades: o trânsito livre de taxis venezuelanos em Pacaraima; a opção de uma parte significativa de brasileiros e venezuelanos residentes em Santa Elena em estudar nas escolas brasileiras; a presença constante de turistas na fronteira, principalmente dos boa-vistenses que atraídos pelos valores mais em conta das mercadorias venezuelanas e pela considerável diferença de preço do combustível aproveitam para fazer compras e abastecerem seus carros, além disso, Santa Elena é rota para os turistas brasileiros que vão à região de Gran Sabana e Isla de Margarita.

Embora a convivência na fronteira pareça harmoniosa, há alguns discursos estigmatizados a respeito dos brasileiros e venezuelanos que foram construídos ao logo desse intenso contato entre os dois povos na zona fronteiriça. Esses discursos são diversificados e estão por todas as partes. Por exemplo, os venezuelanos se queixam que os brasileiros são “um povo abusado” no sentido de querer sempre reivindicar algo. No que diz respeito às mulheres, embora seja perceptível a união matrimonial de brasileiras com venezuelanos, há indícios de que em algumas situações sejam vistas como prostitutas, sobretudo se trajam roupas mais curtas, essa representação é construída principalmente devido ao grande número de brasileiras que emigram para a Venezuela para trabalhar em casa de shows ou prostíbulos, inclusive em Santa Elena.

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no comércio em Santa Elena. A publicação de uma notícia jornalística14 sobre a iniciativa da câmara de produção e comércio do município de Gran Sabana (VE) em desenvolver estratégias para melhorar o relacionamento entre os turistas brasileiros e os militares venezuelanos é um indício visível desse discurso. No antepenúltimo parágrafo da notícia a presidente da câmara do comércio venezuelano, a locutora brasileira Fátima Araújo, que vive em Santa Elena há 20 anos, diz:

Queremos acabar com esse estigma de que os venezuelanos sejam apenas pessoas más, que maltratam os turistas ou que somente estão ali para cobrarem propinas. É claro que fatos parecidos podem acontecer em qualquer lugar do mundo. Independente de ser no Brasil ou na Venezuela, ambos precisam um do outro. Os brasileiros colaboram muito com a nossa economia (ver anexo 1).

O fragmento acima é bastante elucidativo quanto à forma como os brasileiros veem os venezuelanos e como o comércio na fronteira viabiliza essa questão, principalmente no que diz respeito ao status de um grupo para com o outro. A relação consumidor/fornecedor existente respectivamente entre os brasileiros, sobretudo os boa-vistenses, e os venezuelanos é representada de forma diferente pelas partes envolvidas, pois de um lado os venezuelanos acham que estão fazendo um favor aos brasileiros por venderem seus produtos a preços mais em conta que os praticados em Boa Vista e, por outro lado, os brasileiros reclamam que são maltratados pelos venezuelanos apesar de estarem contribuindo com uma das principais fontes de arrecadação da cidade venezuelana que é o comércio.

Outro ponto que compõe este cenário é o contrabando de gasolina de Santa Elena para Boa Vista. Devido esta situação, atualmente é comum a fiscalização e cobrança na barreira venezuelana para que os carros brasileiros entrem no território vizinho com o tanque relativamente completo. Santa Elena possui dois postos de combustível, mas os brasileiros apenas podem abastecer seus carros no posto internacional que se localiza logo após a Receita Federal, já em território venezuelano. Neste posto o combustível é vendido por um preço bastante inferior15

14Publicada na “Folha de Boa Vista”, um dos jornais de maior comunicação do Estado de Roraima,

em 27 de maio de 2010.

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aos de Boa Vista e relativamente superior aos do segundo posto localizado após o centro da cidade de Santa Elena, onde, a princípio, somente os venezuelanos podem abastecer. Na tentativa de diminuir o contrabando de combustível, segundo informação do delegado da Polícia Federal Nelson Kneip16, criou-se um sistema de rodízio de placas para o abastecimento dos veículos, onde cada veículo pode abastecer duas vezes por semana, no caso de não coincidir a placa do carro de turista com a do dia estabelecido no rodízio, preenche-se uma ficha de autorização na Polícia Federal para a liberação do abastecimento. Ainda assim esse processo de abastecimento é demorado, podendo durar até quatro horas de espera, formando filas muito extensas, conforme podemos visualizar nas imagens a seguir:

Imagem: Fila de carros para abastecimento na fronteira Brasil/Venezuela17.

16 Em uma notícia jornalística, sobre o contrabando de gasolina venezuelana em Roraima, publicada

no dia 29 de fevereiro de 2012, em http://www.portalamazonia.com.br/ editora cidades/cresce-contrabando-de-gasolina-venezuelana-em-roraima. Acesso em 31 de maio de 2012.

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Imagem: Posto de gasolina da fronteira Brasil/Venezuela no território venezuelano18.

Além das consequências do processo histórico de migração, já relatado, este cenário complexo de contato cultural, e consequentemente linguístico, mediado por interesses, sobretudo, econômico na fronteira Brasil/Venezuela, também influencia na análise das representações constituídas pelos participantes desta pesquisa a respeito das práticas linguísticas e identitárias resultantes da interação entre os dois povos, já que o reconhecimento do diferente implica refletir sobre as representações que circulam em uma determinada comunidade a respeito das culturas e línguas que a contextualizam.

1.3 Cenário educacional: algumas questões

Uma parte da coleta de registro foi realizada na Escola Cícero Vieira Neto, fundada na sede de Pacaraima em 2001 pelo decreto 4197/E. A instituição atende alunos do primeiro segmento do ensino fundamental regular (334 alunos), ensino médio regular (169 alunos) e da modalidade de educação de jovens e adultos - EJA (321 alunos) que estão distribuídos nos três turnos. Possui um quadro de funcional

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composto por 101 funcionários, dentre os quais estão: 02 diretores, 02 coordenadores pedagógicos, 01 orientador educacional e 50 professores.

O cenário educacional aqui em foco, bem como de outras escolas de Pacaraima, é composto por alunos brasileiros e venezuelanos, dentre os quais alguns são indígenas, residentes na sede de Pacaraima ou de Santa Elena, sendo disponibilizado um ônibus escolar pela secretaria de educação do estado de Roraima, nos três turnos, para atender os alunos que vivem na Venezuela. Na escola é frequente uso do espanhol nos corredores entre os alunos venezuelanos e até mesmo entre venezuelanos e alguns brasileiros moradores de Santa Elena.

Com relação à normatização que regula o ensino da língua espanhola na escola, reiteramos algumas observações já mencionadas por Braz (2004) e Silva (2011) em suas respectivas pesquisas na escola aqui referida. A língua espanhola é ensinada na escola, sendo uma disciplina da parte diversificada do currículo escolar conforme o Parecer CEE/RR Nº 111/07 do Conselho Estadual de Educação de Roraima. Tal parecer cumpre as exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece um conjunto de componentes curriculares, disciplinas e estudos que formam a base nacional comum e a língua estrangeira que integra a parte diversificada a partir do 6º ano/5ª série do ensino fundamental19. Além disso, dentre as orientações fornecidas pelo parecer estadual destaca-se:

Tanto as diretrizes curriculares nacionais quanto as estaduais para o ensino fundamental e médio, para a educação escolar indígena ou para a modalidade de educação de jovens e adultos buscam oferecer parâmetros básicos, princípios, fundamentos e procedimentos gerais, norteadores de uma formação comum e garantia da diversidade e autonomia da proposta pedagógica de cada escola. (p. 2)

19Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser

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No que diz respeito à parte diversificada da matriz curricular deste parecer a indicação é que cada escola desenvolva seu programa de acordo com as suas necessidades, porém este deve ser apresentado no Projeto Político Pedagógico da instituição, no caso da escola em questão o projeto ainda não foi concluído. Neste caso, conforme afirma Silva (2011), os professores de língua espanhola desta escola elaboram a listagem de conteúdos da disciplina de acordo com “sua expectativa e experiência em sala de aula” (id., p. 33), ainda segundo a autora, a coordenadora pedagógica da escola ao ser questionada sobre o assunto simplifica sua resposta dizendo apenas que os conteúdos a serem trabalhados estão de acordo com a realidade dos alunos e que apesar dos professores não serem habilitados na área “falam fluentemente a língua espanhola” (id., p. 36).

A escola é constituída por um ambiente bilíngue, devido à composição dos alunos que a frequentam e por estar inserida num contexto de fronteira, o que pressupõe a presença do espanhol venezuelano na escola. Entretanto, segundo Braz (2010), há indícios de seja o espanhol peninsular a variedade ensinada no cenário escolar de Pacaraima:

As evidências parecem indicar que a língua estrangeira à qual a escola atribui prestígio e legitimidade e que compõe a matriz curricular, não é a mesma língua materna do alunado que ela abriga: o que está posto no currículo parece não ter relação alguma com o contexto tão peculiar da instituição escolar. (p. 5)

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Embora as escolas da fronteira Pacaraima-BR/Santa Elena-VE pertençam, desde 2009, ao Projeto Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira (PEIBF20), criado em 2005 por uma ação bilateral Brasil/Argentina, atualmente, o projeto está desativado. Segundo informações de uma das coordenadoras responsável pelo PEIBF na fronteira Brasil/Venezuela, Socorro María Lopes, o projeto estava sendo desenvolvido incialmente na escola municipal Alcides da Conceição Lima em Pacaraima e na escola integral bolivariana El Salto e escola bolivariana indígena Santo Antonio de Morichal em Santa Elena. Em 2010 o projeto paralisou por uma série de problemas, dentre eles: a greve na Venezuela neste período, a falta de transporte para atender os alunos e professores no translado de uma cidade para a outra e a diferença no horário de funcionamento das escolas envolvidas, ou seja, as escolas venezuelanas funcionam período integral e as brasileiras apenas um período. Além disso, a coordenadora ressalta dois dos diversos problemas encontrados durante o período em que o projeto estava em vigor que precisam ser analisados com maior prudência, são eles: a diferença de 30 minutos no fuso horário entre as cidades e a diferença no calendário escolar das duas cidades, pois em Pacaraima o período letivo inicia-se em fevereiro e finaliza em dezembro, já em Santa Elena começa em setembro e encerra em Julho.

Conforme já foi mencionado, esta pesquisa tem como foco a linguagem e a construção identitária de brasileiros, alunos do ensino médio da escola Cícero Viera Neto, residentes em Santa Elena. Com o objetivo de compreender como as diversas representações das línguas, espanhol e português, interagem na construção identitária dos alunos nesse contexto de mobilidade geográfica, este trabalho está embasado no pressuposto teórico/metodológico da Linguística Aplicada (doravante LA), portanto foi usado mais de um procedimento para a coleta de registros, a saber: diário de campo (DC), grupo focal (GF) e entrevista individual (EI). Foram realizadas 06 visitas à fronteira Brasil/Venezuela: 03 no mês de julho de 2010, à escola de Pacaraima, para selecionar os participantes que contemplavam o perfil estabelecido para a pesquisa e, posteriormente, realizar a atividade de Grupo focal com os alunos

20O Projeto Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira (PEIBF) tem como objetivo promover a

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selecionados; e 03 no mês de julho de 2011 para efetuar as entrevistas individuais com os participantes em suas respectivas residências em Santa Elena. Durante todo o processo de coleta foram feitos registros no diário de campo a partir da observação participante. Os dados selecionados para esta pesquisa foram sistematizados a partir da triangulação dos registros gerados nos três procedimentos de coleta de forma a encontrar confirmações e contestações, nos depoimentos dos participantes, que direcionaram a análise dos dados.

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CAPÍTULO 2

PENSANDO NUMA ABORDAGEM PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS

Sendo esta pesquisa de caráter transdisciplinar, neste capítulo proporcionamos uma discussão teórica recorrendo a diferentes áreas de estudo com o intuito de conseguir alcançar os objetivos expostos anteriormente. Na primeira parte, apresentamos uma discussão sobre a definição e relatividade do termo língua, focalizamos a questão da representação, a forma como a linguagem participa do processo de significação e este, por sua vez, justifica a impossibilidade de ainda se compreender a identidade nos moldes tradicionais. Depois, discorremos sobre a relação língua e nação como resultado dos discursos políticos e ideológicos construídos a partir de projetos nacionais da era moderna. Em seguida expomos algumas definições que tratam sobre o bilinguismo e o indivíduo bilíngue e encerramos essa seção com contribuições de algumas pesquisas realizadas em fronteira.

2.1 Língua(gem), identidade e o papel da representação

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autor, não é considerado nem linguagem escrita, tampouco falada, mas que desafia as regras do mundo da escrita com abreviações de palavras e diversos recursos gráficos para “tornar vivo e falado o que está na tela do computador” (Crystal, 2005, p. 9).

Além disso, o autor chama a atenção para as mudanças linguísticas que marcaram a década de 1990 e que só foram percebidas após duas décadas seguintes. Um dos casos citados por Crystal (id.) que contribuiu para essas mudanças, entendido como início de uma revolução linguística, foi o decreto de criação do “Dia internacional da Língua Materna”, pela UNESCO em 21 de fevereiro de 1999, que faz alusão à morte de cinco estudantes em protesto para que o bangla fosse reconhecido como língua nacional do antigo Paquistão - hoje Bangladesh. O autor considera esse episódio como uma tentativa de “promover a diversidade linguística e a educação multilíngue” (id., p.14). Em 2001 outros dois eventos como a escolha do “Ano Europeu das Línguas” e o estabelecimento do dia 26 de setembro como o “Día Mundial das Línguas” enfatizaram, respectivamente: a importância da língua como expressão de identidade cultural no sentido de entendimento internacional e nacional viabilizando que indivíduos e países se voltassem para um mundo cultural e comercialmente mais amplo; e o direcionamento das pessoas para a importância do multilinguismo e do aprendizado de línguas (CRYSTAL, 2005).

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necessário esclarecer que: o que Rajagopalan define como “uma língua” se opõe ao

termo “língua” (sem o uso do artigo) para caracterizá-la no sentido individualizante,

opondo-se ao termo língua no sentido genérico ou abstrato (RAJAGOPALAN, 2002; 2006). Esta última, objeto de estudo priorizado pelos “típicos linguistas teóricos” (id., p.22), nas palavras do autor, tratar-se de um “todo autocontido”, logo um objeto menos complexo para análise. Tendo em conta esses esclarecimentos, retomo o posicionamento de Rajagopalan (2006) no que diz respeito às questões epistemológicas e conceituais do termo “uma língua”, sendo esta representada, na maioria das vezes, apenas por uma vaga definição geopolítica enquanto o termo

“língua” pode ser explicado “de modo formal ou funcional, em termos behaviorísticos

ou mentalistas ou em termos de quaisquer uma das outras conhecidas posições binárias cujas discussões lhes tomam [aos linguistas] uma parte enorme do tempo” (RAJAGOPALAN, 2006, p. 25)

Seguindo convicções similares às de Rajagopalan (id.), Cesar e Cavalcanti (2007) propõem uma discussão sobre o conceito de língua21 na tentativa de produzir transformações significativas no sentido de diminuir a distância entre os construtos teóricos das línguas e as origens socioculturais dos fenômenos linguísticos, assim como os participantes envolvidos, num momento em que as noções de tempo/espaço e de território estão intensamente modificadas. Por isso, segundo as autoras, faz-se necessário repensar a língua considerando novos paradigmas, como:

os diversos tempos ao mesmo tempo, os corpos em suas múltiplas interações, emblemas cambiantes, fragmentados, contraditórios, que respondam também por identidades contraditórias, constituídas num mundo de mesclagem cultural, linguística, onde as correntes migratórias e os movimentos sociais procuram (sic) definir outras relações, inclusive de poder. (CESAR E CAVALCANTI, 2007, p. 60)

Mas, para as autoras, ainda hoje, os estudos realizados na tentativa de definir a língua encontram dificuldades em considerar esses novos parâmetros e a linguagem inserida neste contexto, permanecendo assim, a manutenção da complexidade dos usos linguísticos simplificada a formulações neutralizadoras das

21

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diferenças, ou seja, “uma totalidade reificada e reificadora de fatos da linguagem” (CESAR E CAVALCANTI, 2007, p. 47). Esses estudos têm sido desenvolvidos num primeiro momento com foco na linearidade estabelecendo categorias redutoras, por exemplo, oral/escrito, variedades diatópicas/diastráticas/diacrônicas, norma culta/não culta, língua materna/língua estrangeira; e num segundo momento passou-se a adotar a noção de continuum, que inicialmente funcionou como um moderador da tensão entre as dicotomias, mas que não escapa da estrutura linear que categoriza o imaginário linguístico (CESAR E CAVALCANTI, 2007). Este continuum é estabelecido por representações linguísticas diversas a partir de uma escala que perpassa por dois extremos, onde o ponto de interseção, conforme afirmam as autoras, muitas vezes ignora “a rede de interseções, que constitui simultaneamente, qualquer ato de linguagem, atravessada... por um conjunto de variável, interseções, conflitos, contradições, socialmente constituído ao longo da trajetória de qualquer falante” (CESAR E CAVALCANTI, 2007, p. 61). Para conceber a língua nesta perspectiva transitória, Cesar e Cavalcanti (id.) nos remetem a metáfora do caleidoscópio, descrevendo-o da seguinte maneira:

Sendo feito por diversos pedaços, cores formas e combinações, é um jogo de impossibilidades fortuitas e, ao mesmo tempo, acondicionadas pelo contexto e pelos elementos, um jogo que se explica sempre fugazmente no exato momento em que o objeto é colocado na mira do olho e a mão o movimenta; depois, um instante depois, já é outra coisa... formam-se desenhos complexos a partir de movimentos de combinações (id., p. 61)

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- representam uma concepção de língua desvinculada dos usos reais, e consequentemente, da “infinita variação em que resulta a língua ao ser usada por seus falantes” (id., p. 38).

Em seguida, surgem as ideias da Sociolinguística laboviana, introduzidas por volta da década de 1960, onde a língua, ao invés de ser postulada como um sistema monolítico, passa a ser concebida como um sistema de variantes relacionada às necessidades coletivas de uma comunidade (COX e ASSIS-PETERSON, 2007). Na concepção das autoras, essa perspectiva define a língua como “... um mosaico, um compósito de normas que se correlacionam probabilisticamente a fatores sociais... não é mais um central, mas a justaposição de vários unssetorizados” (Id., p. 39).

Uma vez estabelecida a heterogeneidade da língua, Cox e Assis-Peterson (2007) problematizam a coexistência e a convivência das variedades linguísticas que nela residem, apoiando-se na concepção teórica sociológica de: Durkheim (1978) que estabelece uma relação entre as estruturas sociais e as estruturas linguísticas sendo estas últimas consideradas dependentes das primeiras onde a aceitação da concepção de língua enquanto sistema variacionista apenas transfere o conceito de correção para adequação linguística; e Weber (1979) para quem postula a ideia, nas palavras de Cox e Assis-Peterson (2007), de que “a vida em sociedade precisa... ser pensada como uma espécie de harmonia conflitual, resultante da interação e negociação entre os atores sociais nas práticas cotidianas, e não como consenso resultante das estruturas normativas preexistentes” (p. 40). Neste sentido, as autoras sugerem que ambos os teóricos, Durkheim (1978) e Weber (1979), questionam a atitude de adequação aos padrões coletivos preestabelecidos na sociedade e, consequentemente, nas estruturas linguísticas, prevalecendo a ideia de que a realidade social é constituída pelo próprio processo interativo, sendo esses pressupostos a base para a Sociolinguística Interacional.

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“a língua real... aquilo que falam os homens e as mulheres reais” (RAJAGOPALAN, 2006, p.33), sendo esses homens e as mulheres reais indivíduos socializados.

Cox e Assis-Peterson (2007) entendem o termo “línguas” considerando também as variedades. Neste sentido, adotam uma postura linguisticamente relativista por entenderem as línguas como “únicas, cada uma na sua estrutura interna” (id., p.41) ao invés da concepção iluminista que, segundo as autoras, defende a diferença entre as línguas civilizadas e bárbaras. Para Cox e Assis-Peterson (ibid.), o relativismo estimula “o discurso do direito à diferença, da tolerância e da democracia na sociedade. Também alimenta o discurso preservacionista”. Dessa maneira, trazem o conceito de multilinguismo para trabalhar a diversidade linguística e o tratamento dado a ela no âmbito das fronteiras do estado, diferenciando a língua majoritária das línguas minoritárias, mas defendendo a igualdade entre elas. Cavalcanti (1999), na companhia de teóricos como Bortoni (1984) e Bagno (1999), entende por línguas minoritárias as línguas usadas por falantes indígenas, por imigrantes, por comunidades falantes de variedades consideradas desprestigiadas do português, sendo estas últimas uma maioria tratada como minorias. Com relação aos termos minoria x maioria a autora, apoiada nas concepções de Hornberger (1998), afirma que “esta distinção está mais relacionada a poder [e prestígio] do que à quantidade (números), ou seja, uma maioria de excluídos significa -poder e -prestígio. Uma maioria de elite tem +poder e +prestígio”. Além disso, ainda conforme a autora, estas noções trazem a ideia de homogeneidade, camuflando a diversidade e a heterogeneidade dos grupos sociais, logo, das línguas também.

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Wilson (1971) e Romaine (1989), defendem que, apesar do monolinguismo ainda prevalecer como base dos estudos linguísticos, o multilinguismo não é uma exceção à regra, pois, conforme Romaine (1995 apud CAVALCANTI, 1999), o número de línguas existentes é trinta vezes maior que o número de países, o que implica que o bilinguísmo está presente na maioria dos países do mundo, ou seja, o monolinguismo deveria ser considerado um caso a parte, sendo o bilinguismo a norma22.

Como citado no início desse segmento, Rajagopalan (2006) ao questionar a definição de “uma língua” também aponta como problemático o conceito de “uma pessoa que conhece uma língua” no sentido de que: quando se afirma que alguém é falante de uma dada língua não se questiona que possa haver qualquer problema para determinar quem pertence ou não ao grupo que se pretende caracterizar. Ao apontar o estudo de caso, relatado por Pandit (1975), de uma criança criada num meio multilíngue onde usa diferentes línguas considerando o contexto de fala e o seu interlocutor, Rajagopalan (2006, p.26 ) faz as seguintes considerações:

Na realidade, parece que o que temos é um individuo composto, ou, melhor ainda, um indivíduo proteiforme cujas reivindicações de ser um falante desta língua e não daquela se baseiam sobretudo em certos fatores como lealdade linguística que por sua vez tem a ver com uma possível simpatia do indivíduo em questão [falando da criança no caso relatado] por um dos vários partidos políticos sectários ou nacionalistas, com a intensidade de sua identificação com este ou aquele grupo religioso.

Esse exemplo apontado por Rajagopalan (2006) não deixa dúvidas de que os falantes de uma determinada língua estão longe de serem considerados falantes “ideais” pertencentes a uma comunidade de fala homogênea. O debate em torno de uma língua implica, antes de qualquer coisa, considerar seu usuário enquanto individuo composto por uma identidade fluída, mutável pertencente a uma determinada comunidade com realidades específicas. Para Rajagopalan (id.), se nos voltarmos para as teorias de fenômenos como multilinguismo, pidgins, crioulos, línguas de sinais etc., perceberemos que a permanência da concepção de

22 As colocações sobre bilinguismo ou multilinguismo apontadas até agora foram necessárias para

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identidade, tanto do individuo quanto de uma língua, como pura, unificada e autossuficiente tem contribuído apenas para deturpar o entendimento dos fenômenos em questão.

No mundo em que vivemos onde a informação está pronta e é dirigida através dos meios de comunicações de massa, onde os meios de transportes favorecem o deslocamento da população, e, as línguas, como qualquer outra manifestação humana, também entram em contato e estão em constante movimento (APPADURAI, 2001), o estudo das práticas de linguagem predetermina uma revisão dos usuais conceitos de cultura e identidade.

Conforme Hall (2006), a partir do fenômeno da globalização, a sociedade se distancia do modelo clássico e sociológico de um sistema bem delimitado. Esse é substituído por uma perspectiva que se centra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço. Assim, no que diz respeito à identidade, o autor aborda essa questão a partir do argumento construído em torno das velhas identidades que estabilizaram o mundo social, mas que estão em decadência; e o aparecimento de novas identidades fragmentadas, em consequência da chamada “crise de identidade” entendida, por Hall (id.), como sendo parte de um processo mais amplo de transformações, que está “deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (HALL, 2006 p. 7).

Para entender melhor o processo de construção identitária, Woodward (2000) sugere organizá-lo dicotomicamente nas seguintes perspectivas: a) essencialista, que vê o deslocamento do indivíduo tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si próprio – até então idealizado como ser integrado – como sendo uma perda para a sociedade e consequentemente uma crise nas identidades; b) não essencialista, perspectiva orientada por concepções da pós-modernidade, que relativiza a noção de identidade fixa e de pessoa humana como sujeito totalmente centralizado.

(37)

2000, p. 15). A exemplo do essencialismo cultural temos os mitos fundadores que tendem a fixar as identidades, étnicas, religiosas ou nacionais.

Com relação a estas últimas, Bauman (2005), apoiando-se nas concepções de Giorgio Agamben (2000), salienta que o nascente estado moderno faz do nascimento o alicerce da sua própria soberania, ou seja, “... o nascimento [nascita] vem à luz imediatamente como nação, de modo que não pode haver diferença

alguma entre os dois momentos” (GIORGIO AGAMBEN, 2000, apud, BAUMAN,

2005, p. 25). Neste sentido, a ideia de identidade, mais especificamente de identidade nacional, não surgiu de forma “natural” através das experiências humanas, ao contrário, ela foi uma ficção criada pelo estado-nação a partir da crise do pertencimento e do empenho que esta estabeleceu para “erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela ideia- recriar a realidade à sua semelhança” (BAUMAN, 2005, p. 26). Dessa forma, a identidade passou a ser tratada como um dever, sendo o estado-nação o responsável por tornar esse dever obrigatório a cada pessoa que se localizava em um determinado território, estabelecendo uma relação de obediência dos seus indivíduos e colocando-se como “o futuro da nação e a garantia da sua continuidade” (id., p. 27). Essa exigência de fidelidade exclusiva ao estado foi uma estratégia de coerção na construção e manutenção da nação, por isso, nas palavras de Bauman (id.), “a ‘naturalidade’ do pressuposto de que

‘pertencer-por-nascimento’ significa, automática e inequivocamente, pertencer a uma

nação foi uma convenção arduamente construída” (id., p. 29). Portanto, a identidade era terminada pelo nascimento do sujeito e não havia espaço para se pensar no “quem sou eu”.

Hall (2006) observa ao longo da história algumas concepções existentes para o conceito de identidade, atribuindo ao sujeito três momentos bem marcados: o sujeito do Iluminismo, cujo centro essencial era a identidade única da pessoa, sua essência; o sujeito sociológico, definido a partir de sua posição em sociedade; e o sujeito pós-moderno, cuja identidade não é fixa, mas sim fragmentada, em fluxo e negociável.

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cujo ‘centro’ consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o

sujeito nascia e com ele se desenvolvia ao longo da existência do indivíduo” (HALL,

2006, p. 10).

Para o autor, a concepção essencialista ainda permanece na noção de sujeito sociológico, entretanto diferencia-se do sujeito do iluminismo por contemplar uma reflexão acerca da complexidade do mundo moderno e da consciência de que o núcleo interior do indivíduo não era autônomo, mas sim formado na relação com outras pessoas importantes para ele. Assim, nesta concepção, o sujeito ainda é considerado como tendo um núcleo autossuficiente, porém que vai transformando-se à medida que interage com outros mundos culturais “externos” e, consequentemente, com as identidades que estes oferecem. “A identidade, então costura ... o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis” (HALL, 2006, p. 12).

O terceiro tipo de sujeito apresentado por Hall (id.) surge frente a grandes e rápidas transformações onde os sujeitos de identidade unificada e estável, citados anteriormente, não se sustentam no mundo contemporâneo. Estas transformações produzem o sujeito pós-moderno portador de uma identidade fragmentada, não unificada ao redor do indivíduo como núcleo autossuficiente, como podemos ver mais detalhadamente na citação abaixo:

A identidade plenamente unificada, completa, segura e corrente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiantes de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 2006, p. 12)

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que constituíram o mundo moderno, encontram-se em descredito, uma vez que suas afirmações, explicações, proposições, legitimações vão de encontro com os fatos ocorridos nos tempos de hoje.

Por considerar que a noção de epistemologia implica na concepção de representação, ou seja, na relação entre “de um lado, o ‘real’, e a ‘realidade’ e, de outro, as formas pelas quais esse ‘real’ e essa ‘realidade’ se tornam presentes para

nós” (SILVA, 2006, p. 32), Silva (id.) atribui à crise da representação a

responsabilidade desse processo de desestabilização epistemológica vivenciada nos últimos tempos. Nas palavras do autor, “A crise de legitimação que está no centro das nossas formas de conhecer o mundo está, pois, indissoluvelmente ligada à “crise” no estatuto da representação” (id. p. 32).

O conceito de representação tratado nessa pesquisa advém dos estudos culturais e das perspectivas pós-estruturalistas. Segundo Silva (2000; 2006) e Woodward (2000), a representação pós-estruturalista é concebida como um sistema de significação, mas rejeita quaisquer pressupostos mentalistas ou aspectos relacionados a uma possível interioridade psicológica, ou seja, é concebida unicamente “em sua dimensão de significante, isto é, como sistema de signos, como pura marca material” (SILVA, 2006, p.90).

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da representação: o significado e o significante só são ligados na medida em que um e outro... são representados e em que um representa atualmente o outro” (FOUCAULT, 2007, p.92). É importante ressaltar que os questionamentos apontados por Derrida e Foucault (id.) sobre a noção de significado do estruturalismo linguístico não implicam no cancelamento do termo para explicar o processo de significação.

O conceito de discurso desenvolvido por Foucault (2007) está estritamente relacionado à noção de representação apresentada aqui. Segundo Silva (2006), passou-se a responsabilizar às proposições pós-estruturalistas a noção de que “a realidade é construída discursivamente”, mas, o que interessa de fato à análise cultural é “eleger como seu objeto de análise aquelas instancias e formas sociais que são construídas discursiva e linguisticamente” (SILVA, 2006 p. 42), o que não implica dizer que sejam apenas constituídas pelo discurso, mas sim que, no caso da noção de representação, são o ponto principal da análise cultural (id.).

A noção de discurso estabelecida por Foucault (2007) consiste em enxergá-lo não como um mero registro ou descrição de objetos que são anteriores a ele, ou seja, não se deve ver o discurso apenas como “conjuntos de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam” (id, p.55). Nessa afirmação, o autor não nega que o discurso é feito de signos e que esses designam os objetos e as coisas, mas enfatiza que é algo mais, que os signos, assim como o discurso, não só nomeiam as coisas, mas também as criam. Conforme Silva (2006), é precisamente essa perspectiva de cunho produtivo do discurso defendido por Foucault que os Estudos Culturais tomam para a noção de representação: “Os signos que constituem as representações focalizadas pela análise cultural não se limitam a servir de marcadores para objetos que lhes sejam anteriores: eles criam sentido” (SILVA, 2006, p.44).

Referências

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