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Representações do cenário educacional

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 83-87)

CAPÍTULO 4 – UM OLHAR SOBRE SUJEITOS ENTRE-LÍNGUAS E ENTRE-

4.1 Cenário de investigação e a ressignificação dos seus sujeitos

4.1.2 Representações do cenário educacional

É notória a opção dos brasileiros e venezuelanos em estudar nas escolas de Pacaraima, quando questionados a respeito respondem que as escolas de Pacaraima são melhores que as escolas de Santa Elena, discurso esse também partilhado por alguns funcionários da escola onde os participantes dessa pesquisa estudam, conforme pude observar em conversas informais durante as visitas feitas à escola.

Esse pensamento possivelmente seja uma reprodução dos discursos dos pais, uma vez que alguns desses alunos, brasileiros ou venezuelanos, são filhos de

Eu gosto de mora aqui, eu não quero ir embora daqui não, porque eu já fiz essa experiência e não quero, já morei em Boa Vista, já morei em Manaus e não quero, aqui é um lugar muito bom da gente morar aqui, apesar de ver... não é todo tempo que fica ruim assim pra gente trabalhar essas coisas é só as vezes (...) eu gosto de morar aqui, eu sempre gostei de morar aqui, por que aqui é muito bom, aqui a gente pode sair a hora que a gente quiser na rua que não tem perigo de... se a senhora (a pesquisadora) quiser, a senhora deixa o carro ai aberto e pode esquecer que não tem perigo de nada, vai amanhecer do mesmo jeito que a senhora deixou ai (...) não tem perigo de roubarem assim essas coisas, uma vez ou outra que isso acontece, mas não é constante, a gente pode sair na rua pode voltar a hora que for duas ou três horas da madrugada que não tem perigo de nada é muito bom aqui, o clima também é bom aqui também.

pais brasileiros, pelo menos mãe ou pai brasileiro, embora existam casos também em que os pais são ambos venezuelanos. Segundo Braz (2010, p. 2), “o cuidado para com o aprendizado, ou a manutenção, da língua portuguesa” é o principal objetivo dos pais desses alunos ao optarem pelo ensino das escolas brasileiras, o que, na opinião da autora é um dos vestígios de que “o espanhol falado na região não gozava de prestígio social” (id., p. 3).

Alguns depoimentos durante a atividade em campo também me a ajudam a compreender a construção deste discurso, por exemplo, Sara ao opinar sobre a preferência de estudar em Pacaraima expõe argumentos relacionados ao componente curricular, ao calendário escolar e às normativas internas das escolas. Segundo a participante, os conteúdos vistos, na escola em Pacaraima, nas últimas séries do ensino fundamental maior são ministrados em Santa Elena apenas no segundo ano do ensino médio. Além disso, a participante faz uma comparação entre os dias letivos das respectivas escolas relatando que os alunos que estudam em Santa Elena frequentam menos a escola que os alunos de Pacaraima devido aos feriados prolongados e as extensas férias escolares, como sugere a participante no fragmento a seguir:

No que diz respeito ao período de férias escolares suponho que a participante ao construir sua representação negativa sobre o sistema escolar venezuelano não esteja levando em consideração a diferença entre o calendário escolar venezuelano e o brasileiro, ou seja, conforme já havia mencionado no capítulo 2, em Pacaraima o período letivo inicia-se em fevereiro e finaliza em dezembro e em Santa Elena começa em setembro e encerra em Julho.

(...) mas eu não gosto da escola daqui, não gosto da forma como eles educa eu não gosto muitas vezes aqui, por exemplo lá no Brasil a gente só tem férias duas vezes, 15 dias no meio do ano e 15 dias no mês de dezembro, quando prolonga as férias é porque tão reformando a escola ou por algum motivo, aqui não (em Santa Elena) (...) por exemplo dia do santo fulano aí por exemplo uma semana de férias, por exemplo agora era dia da independência tem quase um mês de férias os alunos daqui.

Esse tema exposto pela participante também foi relatado por um taxista venezuelano35, numa conversa informal que tivemos durante o percurso de Santa Elena a Pacaraima, que ao manifestar sua opinião sobre a falta de progresso da Venezuela atribuiu parte da culpa ao precário sistema de educação do país. O venezuelano relatou que os alunos de Santa Elena naquele momento, em julho de 2011, já estavam de férias e só retornariam às aulas em setembro, que nos meses dezembro, janeiro e fevereiro também não haveria aula, neste sentido, o taxista questionou-me como poderia um país progredir com um ensino onde os alunos passam mais tempo de férias do que em sala de aula.

Outro ponto mencionado por Sara para embasar a sua escolha pelo ensino brasileiro diz respeito à rigidez do sistema escola em Santa Elena quanto ao uso do uniforme completo e a solicitação de grande quantidade de material escolar, conforme expõe no fragmento a seguir:

A participante coloca a cobrança do uniforme completo e do material escolar como um ponto negativo da escola venezuelana, já que, segundo ela, muitas famílias venezuelanas não têm como cumprir determinada normativa e tais exigências não implica um ensino de qualidade, concluindo que “eles pedem muita

35 Informação extraída das notas de campo no período da coleta de dados.

(...) aqui (em Santa Elena) é muito rigoroso você só pode entrar na escola se você tiver sapato preto (inint) o uniforme completo da cabeça aos pés se não você não entra, sendo que lá no Brasil não, o mais importante é a educação, não a forma como você entra vestido na escola claro que tem seu limites né, mas aqui é muito rigoroso e as vezes aqui pedem muita coisa, muita coisa mesmo, muito negócio de material, por exemplo se são oito matérias você precisa ter oito cadernos pra cada, cada matéria um caderno as vezes tem famílias que não tem condições (inint) praticamente os alunos aqui perdem totalmente a educação, tem alunos muitos alunos muitos amigos meus que eu já vi que desistiram de estudar por causa que não tem condições de manter, ou seja, a família não tem condições de manter na escola, eles pedem muita coisa pro estudo e o estudo no final não é nada, a educação.

coisa pro estudo e o estudo no final não é nada”. Sobre o assunto, Daniel diz nunca ter estudado em Santa Elena, mas já ouviu muitas pessoas que estudam dizerem que o ensino e “muito fraco”, neste sentido o participante afirma:

Outro aspecto levantado por Daniel para justificar essa assertiva acima diz respeito à concentração de alunos venezuelanos fora da escola, ou circulando no comércio em Santa Elena, em horário de aula, o que, conforme informa o participante no fragmento a seguir, não ocorre em Pacaraima:

No geral, as escolas públicas dos dois territórios estão localizadas de forma diferente em suas respectivas cidades. As escolas de Pacaraima, sobretudo a escola onde o participante estuda, estão distante do centro comercial se comparadas às escolas de Santa Elena que se localizam no cento da cidade, onde predomina a atividade comercial.

(...) o ensino lá (em Pacaraima) é mais forte do que aqui (...) a educação é mais forte é mais... a gente aprende mais do que aqui, entendeu?

A nossa (escola de Pacaraima) agorinha tava passando negócio de briga essas coisas (...) mas aqui (em Santa Elena) é pior aqui, os alunos saem da escola vão andar no centro, quase, é difícil você passar ali na frente daquela escola e vê todos os alunos lá dento estudando eles ficam mais lá fora bagunçado, essas coisas, é muito difícil isso (...) lá em Pacaraima não, até pelo fato de muitos alunos gazetar aula essas coisas, mais 90% dos alunos estão dentro de sala estudando (...) aqui as duas escolas particular (quis dizer públicas) ficam no centro.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 83-87)