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No centro do modelo didático, acabamos de ver que o perspectógrafo pode manter uma relação direta com os três pólos, guardando com cada um deles as particularidades da situação na qual ele pode ser inserido. Vimos que as relações não são de mesma natureza com cada um dos elementos integrantes do modelo.

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Analisaremos a seguir o caracter mediador que pode se estabelecer através do instrumento e como ele se vincula, de forma indireta, aos elementos do modelo. Justificaremos assim a utilização conjunta, no modelo proposto da teoria de atividades com instrumentos, representada pelo modelo SAI, dentro de uma situação didática, definida pelo Modelo de Situação de Ensino. Para tanto, consideraremos os pólos do modelo didático como sujeito e objeto, de acordo com a particularidade da situação de análise.

3.3.1 -

mestre e saber, mediado pelo instrumento

A mediação da relação entre o mestre e o seu saber feita pelo perspectógrafo, será o resultado de uma modificação na competência do sujeito. O mestre assume a posição de sujeito, no modelo SAI, que age sobre seu objeto, o saber em perspectiva. Adotando o perspectógrafo

como instrumento, esta relação será mediada de maneira a que o mestre manipule, e mesmo identifique, conceitos formais através do aparelho. A mudança de competência se refere ao fato de que o sujeito irá desenvolver esquemas específicos, ao se servir do instrumento em sua tarefa didática. Ao agir sobre os elementos materiais do aparelho, ele estará agindo sobre um parâmetro do saber. Ao ler o resultado de uma manipulação perspectiva ele estará verificando suas antecipações com relação ao saber. Assim, a mediação tem início em um processo de gênese instrumental.

Esta mediação coloca em evidência as convergências, que podem ser encontradas entre o saber em perspectiva e o saber implícito no aparelho. Na mediação da relação entre o mestre e o saber, estas possíveis convergências podem ser identificadas. Os paralelos entre o saber formal e o saber implícito no aparelho, identificados pelo mestre, podem integrar uma estratégia pedagógica baseada na descoberta e na ação. A vocação para a ação com o perspectógrafo é uma primeira dimensão que leva à geração do instrumento. Mas, podemos considerar também a hipótese de utilização do aparelho como elemento ilustrativo, ou com uma função de representação. Se numa ação com o aparelho serão identificados os invariantes operatórios, em um processo de ilustração o objetivo é a materialização de noções

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abstratas, como o quadro de referência, a altura do observador, etc. Ao se introduzir o perspectógrafo em uma situação de ensino, o primeiro processo evocado é aquele dos pesquisadores do século XVI, que conceberam a componente material. Uma segunda etapa consiste no reconhecimento pelo mestre das similaridades possíveis entre os conteúdos do saber e a representação material oferecida pelo aparelho. Finalmente, então pode- se iniciar o projeto pedagógico que incluirá o aparelho em uma ação, tendo o aluno como ator.

3.3.2 -

mestre e aluno, mediado pelo instrumento

A particularidade deste caso reside no fato de que o instrumento mediatisa uma relação entre dois elementos humanos. Nas relações com o saber, este último ocupa necessariamente o polo objeto da ação de um sujeito, mas quando temos dois sujeitos no modelo podemos fazer uma leitura em ambos os sentidos. O mestre ocupará o polo

objeto, se colocarmos em evidência o aluno enquanto sujeito da ação, e este último pode, por sua vez, se tornar o objeto de uma ação do mestre. De fato, esta relação recíproca tem sua origem na própria interpretação do contrato didático, existindo tanto na relação direta entre os dois sujeitos, como na relação mediada pelo instrumento.

No sentido mestre aluno o uso do perspectógrafo pode ser considerado como uma função de persuasão. Na necessidade de fazer com que os alunos construam corretamente os invariantes operatórios, que concernem o efeito perspectivo, o mestre utiliza o aparelho, que permite a demonstração dos mesmos. Se servindo da possibilidade de ação ou de demonstração oferecidas pelo instrumento, ele servirá como um meio de expressão, utilizado pelo mestre, para estabelecer uma comunicação com o aluno. Analisando o ponto de vista do aluno, este não precisa

acreditar nos argumentos do professor, pois ele terá, no aparelho, uma relação

direta com a realidade do ambiente projetivo central, ainda que sob forma representada materialmente. Estes dois aspectos, a necessidade de convencer e a necessidade de crer, integram os aspectos do contrato didático, que são mediados pelo instrumento.

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Considerando o processo de formação, ligado à relação mestre - aluno, o papel do instrumento seria de determinar uma desestabilização no saber do aluno, de maneira a gerar uma necessidade de aprender. O mestre provoca, através do instrumento, esta desestabilização nos conhecimentos anteriores do aluno para poder conduzir a reorganização que o aluno necessita. O aluno, e seu conhecimento, são o objeto de ação do mestre, que utiliza a atividade com o instrumento como um meio para atingir seus objetivos didáticos.

3.3.3 -

aluno e saber, mediado pelo instrumento

Quando o perspectógrafo foi escolhido como aparelho, a vocação instrumental, a ser inserido na dinâmica da aprendizagem acreditou-se que ele deveria se colocar entre o aluno e o saber. Vimos, porém, que esta não é uma posição única, visto que o perspectógrafo estará dentro

de uma situação didática e sujeito a diversas ações diferentes. A mediação da relação aluno e saber é porém onde identificamos o objetivo principal da opção por este processo de engenharia didática. O instrumento representa a possibilidade de desenvolver uma prática, de executar ações de perspectiva e de agir sobre os parâmetros que a regulam. Esta mediação visa à construção, ou à transformação, das referências e das representações do aluno, com relação ao saber em perspectiva. Sem a necessidade de conhecimento prévio, de conteúdo declarativo, o aluno encontra a possibilidade de realizar com sucesso seus desenhos. Isso determina uma experiência, favorecendo o desenvolvimento de um conhecimento procedural, uma vez que o trabalho com o aparelho requer a construção de esquemas ligados à ação. É definido, assim, um primeiro quadro de análise do conteúdo, no qual é possível abordar as primeiras noções da projeção central.

A intervenção mais importante trazida pelo perspectógrafo esta ligada à componente esquemática. A atividade com o aparelho requer do aluno uma organização de sua ação, de maneira a executar sua tarefa. Nesta organização são identificadas regras, restrições e invariantes ligadas à ação e que devem ser respeitadas na execução do trabalho. O resultado desta organização é um conjunto

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de dados, identificados pelo aluno em ação, e que podem ser trabalhados pelo mestre, a partir de seu conteúdo procedural, sendo a base para a formulação de conhecimentos declarativos e mesmo científicos. Para tanto, será necessária a condução à uma mudança de quadro, adotando então aquele da geometria projetiva.

Os conceitos que se deseja construir são de natureza abstrata. O plano de referência da perspectiva não tem espessura nem limites. No perspectógrafo este plano é representado por um vidro. O aparelho permite ao aluno um contato com uma realidade concreta que, em sua evolução e na ação, pode assumir uma significação outra que aquela de elemento material. A evolução que se deseja operar, em um objetivo didático, é no sentido de abstração das noções apreendidas. Elas devem ser expandidas de modo a se tornar valida para uma classe de situações e não apenas para uma situação singular. Esta expansão do campo de validade de uma noção é uma condição para a construção de um conhecimento no aluno e, neste sentido, o jogo de quadros permite um caminho que tem seu início no quadro concreto da situação e considera a hipótese de que seja possível a evolução, conduzida pelo mestre, para um quadro abstrato.