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4.3.2 Conclusões da segunda experimentação e a evolução das estruturas

Nesta experimentação visávamos a observar uma ação de gestão de parâmetros da perspectiva, através de uma prescrição de regulagem. O perspectógrafo é incorporado na ação e volta a confirmar sua vocação instrumental. Nesta experimentação podemos mesmo inferir o início da construção do sentido, no que se refere às ações sobre o aparelho e seus efeitos em termos de representação gráfica projetiva. As ações do aluno são executadas sobre a componente material do instrumento, mas seu significado implica em uma outra dimensão do mesmo, ou seja sua componente esquemática.

As situações particulares que foram evocadas através das fichas 2 e 3 visavam a verificar a operacionalidade dos conhecimentos, que se julgava adquiridos pelos alunos. Estas situações particulares nos levaram a observação dos fenômenos que chamamos de bloqueios. Através deles foi possível ao mestre uma interferência ativa na condução do processo didático, que abordava principalmente a construção

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Brousseau, G. (1983) Etude des questions d’enseignement. Un exemple: la géométrie, in: Anais do Seminário de didactique des mathematiques et de l’informatique, IMAG - Grenoble, p. 195.

de competência que a própria construção de conhecimento. Na interação entre mestre e aluno, verificamos que em uma situação didática, proposta através do modelo SEI, encontraremos dois elementos humanos, aluno e mestre, cujas competências e conhecimentos se encontram, a priori, em situação de dessincronização. Para analisarmos a situação e a evolução das estruturas integrantes da competência, deveremos abordar o modelo Compety, segundo uma dupla entrada: uma para o aluno que constrói suas próprias estruturas e outra para o mestre que conduz esta construção. Neste sentido, abordaremos novamente os três eixos do modelo Compety, considerando sempre o eixo principal do mesmo que envolve as situações, indo daquela particular e se expandindo, através de um processo de generalização.

4.3.2.1 -

O eixo dos conceitos e representações Consideramos, nesta experimentação, que

o objetivo da ação do sujeito deveria ser a produção de uma regulagem, portanto, nesta ação, o aluno seria colocado em relação com o aparelho. A partir da compreensão do conteúdo da prescrição, o aluno encontra os elementos que irão instruir a construção de sua própria representação para a ação, baseando-se nas representações circunstanciais, que são ativadas pelas informações contidas no referente. Neste sentido observamos,

na ação, que o aluno, após executar a leitura da ficha, se lançava em uma regulagem completa, e apenas após sua conclusão, ele executava o primeiro ciclo de avaliação. Isto nos permite concluir que mesmo que a representação para a ação, que o aluno construiu quando da primeira leitura da ficha, necessite de ajustes através dos ciclos de avaliação, mesmo se ela não contemplava todos os aspectos da regulagem, ela se encontra na origem da ação acompanhada por procedimentos, que fazem com que a ação obtenha um resultado positivo. Ainda que tenhamos optado por uma análise distinta de cada eixo do modelo Compety, não se pode ignorar a vinculação entre os diversos eixos que definem os elementos da competência. Diminio de proprie- dades do real e do conhecimento Conceitos científicos Heurísticas gerais Métodos Estratégias Procedimentos e regras Guias para a atividade Artefatos e ferramentas Conceitos e representações Situações Domínio de ação Classe de Situações Representações "modelos" para a ação Conceitos pragmáticos Conceitos e conhecimentos técnicos Eixo de generalisação ou de extenção de situações Eixo de retro- alimentação Atividade em ação Representaçòes circunstanciais Organisadores da atividade Situação singular Modelo Compety

Foi possível também identificar alguns conceitos em ato. As tomadas de medidas feitas com o uso da mão ou de um dedo, como instrumentos, indicam a noção em ato, ou mesmo pragmática, da relação projetiva dos elementos da perspectiva. Ao usar estes elementos materiais, como instrumento, os alunos estão colocando em prática a noção de projeção. Eles de fato estão projetando uma posição de maneira a identificar o lugar preciso de observação, que dará origem ao efeito de redução. A identificação do conceito em ato se faz a partir de sua operacionalidade. Encontramos alunos que utilizaram os mesmo de forma a resolver o problema que lhe foi proposto, mas encontramos também outros que não conseguiram avançar na ação e que se encontraram em situação que chamamos de bloqueios.

O que pode diferenciar a competência daqueles que obtêm a resposta, daqueles que se encontram em bloqueio, é a capacidade de reconhecimento de uma situação de redução e a colocada em ação dos invariantes operatórios, já identificados pelo sujeito em outras situações. A competência para identificar a ação, que irá resultar em uma redução, faz parte do repertório disponível no aluno. De fato, nos diálogos entre aluno e mestre, gerados nos bloqueios, a capacidade do aluno em produzir uma redução projetiva, foi considerada como base para estender este conhecimento à uma outra situação. Na ação de regulagem seria preciso, inicialmente, que se produzisse a identificação de « se duas retas alinhadas, então redução projetiva ». Apenas após a identificação é que o aluno colocaria em ação seus algoritmos anteriores « se redução, então posição precisa de observação ». Em situação de bloqueio a identificação não se produziu e então, a ação que geraria o efeito de redução não pode ser ativada, ainda que ela estivesse operacional no sujeito. Ou seja, para os alunos que se encontraram em bloqueios, a competência para identificação dos conhecimentos, que deveriam ser ativados para resolver a situação, não se encontrava desenvolvida, ainda que os conhecimentos necessários para tanto, já tivessem sido adquiridos pelo sujeito.

A condução do mestre em fase de organização do bloqueio, nos leva a considerar a análise da situação, sob a ótica do modelo Compety, de um ponto de vista coletivo. É preciso, então, definir uma competência do aluno, que se deseja fazer evoluir, e uma outra, do mestre que deve conduzir esta evolução. Um primeiro nível de conflito, entre as duas óticas da competência, pode ser verificado quando dos diálogos entre ambos em situação de bloqueio. As representações e mesmo os conceitos pragmáticos que são ativos junto ao mestre, não são os mesmos que aqueles do aluno ainda que os referentes reais possam ser os mesmos. Assim,

quando o aluno se refere à posição particular de topo, com relação à superfície reduzida, ele utiliza expressões como: de frente, igual, colada na parede. Estas expressões só assumem o sentido da posição relativa uma vez identificadas na ação e assim vinculadas a um referente real. De outra forma o diálogo encontraria sérias dificuldades de sincronização. De fato, a existência de um referente material, sobre o qual se baseia a discussão sobre os aspectos do bloqueio, é que permitem a evolução do processo de condução gerenciado pelo mestre. Em uma primeira fase se busca uma sincronização entre a representação de ambos os elementos humanos envolvidos no processo. Na medida em que se identifica o vocabulário utilizado pelo aluno, o mestre pode tentar interferir em sua representação. Ele busca, assim, verificar quais invariantes operatórios são operacionais junto ao aluno, de modo a lhe propor a expansão do campo de validade dos mesmos, para a classe de situação de redução projetiva.

A particularidade da situação criada, representada pelo perspectógrafo, permite que entre as representações do mestre e do aluno se encontre uma área de superposição, naquilo que se refere ao aspecto material do instrumento. De fato, o componente artefato é coletivo, e não sofre modificações quando se relaciona com mestre ou aluno. No entanto, a componente esquemática do instrumento de cada um deles não irá contemplar o mesmo conteúdo. Para buscar a necessária sincronização dos elementos da representação de ambos, aluno e mestre contam com o ponto comum entre eles, ou seja o aparelho. Se podemos traçar um paralelo, poderíamos nos referir a duas pessoas de nacionalidades diferentes, por exemplo, um árabe e um chinês, e que não conhecem reciprocamente suas línguas, mas podem encontrar em uma terceira, no francês por exemplo, uma forma de estabelecer uma ligação entre o conteúdo de suas línguas mãe, e assim sincronizar um diálogo.

O aparelho fornece ao mestre e ao aluno um referente real comum, sobre o qual se irá discutir o conteúdo, mesmo que o vocabulário deste conteúdo tenha que ser identificado ao longo da ação. Nesta fase de identificação do sentido na ação, a utilização de um vocabulário « apropriado » não é um requisito fundamental, ainda que ele exista e que faça parte dos conceitos e conhecimentos técnicos relativos ao domínio da perspectiva. Para o processo de construção dos conceitos, o importante é a identificação de um invariante operatório dentro de uma situação definida. No caso em questão, a situação é aquela da projeção reduzida de uma superfície, o

invariante operatório identificado pelos alunos, e utilizado nos conceitos em ato, se refere à projeção entre superfície e ponto de observação. Para que se construa um conceito técnico resta a decidir, com os alunos, qual sistema de significantes poderá tornar o conceito operacional, não só na simulação espacial proposta pelo aparelho, mas também, em uma situação de representação gráfica. De fato, a mudança no sistema de significantes implicará em uma mudança na representação da situação. Então, o único elemento do conceito que não sofrerá modificação é o invariante operatório. Mas, como propõe Vergnaud, o invariante é o coração do conceito.

O que buscávamos através desta experimentação era a identificação dos invariantes, que envolvem as relações entre o objeto representado e o observador, e os efeitos nas imagens que podem ser obtidos. Esta identificação foi feita ao longo da ação, ou mesmo, sua identificação foi conduzida pelo mestre em situações de bloqueio. A análise dos dados obtidos nas ações dos alunos, nos permitem verificar que os invariantes são operacionais. Na condução de um processo de ensino não será necessário que estas relações sejam apreendidas através de aquisições conceituais, como as definimos anteriormente124. Mas, por outro lado, será preciso superar o obstáculo imposto pela mudança do sistema de significantes. Esta modificação poderá dificultar o reconhecimento dos invariantes já identificados, uma vez que a situação será definida de uma outra maneira. Estas modificações serão objeto de uma terceira experimentação, onde se levará em consideração uma relação didática mais direta, apoiada novamente na utilização do aparelho como um instrumento de ensino.

4.3.2.2 -

O eixo dos artefatos e ferramentas

O objetivo inicial desta experimentação era de propor uma simulação de ação sobre o espaço projetivo. De fato, foi possível obter certos resultados a nível da ação sobre os parâmetros da perspectiva, sob a forma de invariante conceptual. Porém, isso não nos permite confirmar a vocação à simulação do aparelho das ações em termos de representação gráfica, pois elas implicam em uma outra leitura da situação e na definição de um novo quadro. O que foi realmente simulado, foram os efeitos de certos invariantes ligados à projeção central.

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