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AS MIGRAÇÕES, AS OCUPAÇÕES E O INÍCIO DO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA

2 O MOVIMENTO COMUNITÁRIO NO BAIRRO MATHIAS VELHO, COMO ESPAÇO DE RELAÇÕES SOCIAIS

2.1 AS MIGRAÇÕES, AS OCUPAÇÕES E O INÍCIO DO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA

O bairro Mathias Velho localiza-se no município de Canoas, no Rio Grande do Sul. A cidade foi criada em 29 de Junho de 1939, pela Lei Estadual nº 7.839. Instalado em 15 de janeiro de 1940, o município de Canoas foi emancipado das cidades de São Sebastião do Caí e Gravataí e hoje está delimitado por Esteio, Cachoeirinha, Nova Santa Rita e Porto Alegre. A população canoense é formada por descendentes de açorianos e também por alguns imigrantes italianos, ucranianos, palestinos e alemães, que vieram a Porto Alegre no século XX. O crescimento econômico de Canoas deu-se, principalmente, a partir de 1945, depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Além de numerosas indústrias, instalam-se no município a Base Militar da V Zona Aérea e a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), impulsionando o desenvolvimento da cidade.

Canoas vinha num crescente, com aumento populacional dos bairros, desde a década de 1940, que se intensificou nos anos de 1970 e 1980. O município e os arredores se constituíam em área industrial e as obras do Polo Petroquímico da cidade de Triunfo colaboraram para isto. Em 1983, o Polo, que ocupa uma área de 3.600 hectares, emprega hoje cerca de 6.300 funcionários. Canoas, por sua vez, não comporta mais nenhuma zona com características rurais, segundo critérios do IBGE. Em 2005, a população era estimada em

329.000 habitantes e mesmo o “fundão” dos bairros Mathias e Harmonia (com populações estimadas em 52 mil e 37 mil, respectivamente) já se encontrava urbanizado.

Na metade da década de 1970, durante a Ditadura Civil-Militar no Brasil, parte da população rural, especialmente a de pequenos agricultores do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, foi atraída pelo espaço urbano, com a promessa de uma oportunidade de trabalho e renda para suas famílias. Em termos de espaço geográfico, é importante ressaltar que era um território limítrofe entre o rural e o urbano. As condições de infraestrutura eram praticamente inexistentes, mas, nem por isso, a região deixava de atrair moradores.

A migração rural para áreas urbanas, em relação às grandes cidades, com polos industriais, tem proporcionado dificuldades de infraestrutura, para acolher inúmeros contingentes populacionais, especificamente na periferia de Canoas. Por isso, urgem medidas de planificação desse espaço do núcleo metropolitano, como saída para um maior equilíbrio humano.

O município de Canoas, no Rio Grande do Sul, precisamente no bairro Mathias Velho, torna-se bastante atrativo para um processo migratório do campo para cidade. Esse processo, que teve consequência, ocupações de áreas entre fronteiras urbanas e rurais, na busca por moradia, trabalho, renda e possibilidades concretas de construir novas oportunidades, gerou relações sociais, religiosas e políticas, através de lutas e conquistas, bem como desafios inerentes à ação humana de avanços e recuos desses grupos. Para Certeau (2014), enquanto as ações estratégicas produzem um espaço impositivo e controlador, as ações táticas propõem a reinvenção deste, ao estabelecer uma nova produção, ou uma transformação silenciosa e astuciosa. Portanto, a relação entre os migrantes, que chegam a Canoas e concebem um novo desafio para suas vidas e o cotidiano que passam a viver, está permeada por este confronto entre estratégicas e táticas, que se manifestam no espaço percebido das práticas. Essa problemática ganha materialidade no contexto histórico de construção inicial de um movimento social comunitário no bairro Mathias Velho, em Canoas.

A pesquisa historiográfica, sobre a chamada História Urbana, tem no livro “Domínios da História”, organizado pelos historiadores Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas, um texto reflexivo dedicado a essa área de estudos. As pesquisas historiográficas anteciparam a relevância da História Urbana, já na década passada. Conforme Ronald Raminelli, autor do ensaio:

[...] Os estudos urbanos têm promovido o surgimento de equipes interdisciplinares, encarregadas de desenvolver investigações de grande amplitude. Consequentemente, os objetos de pesquisa ampliaram-se, reconstruindo a complexidade da estrutura

social, destacando as relações travadas entre os vários segmentos sociais do espaço urbano. Uma outra característica dessa nova História Urbana está no emprego de teorias para poder ordenar o material empírico (RAMINELLI, 1997, p.189).

A chegada dos migrantes, como força de trabalho, especificamente para a construção do Polo Petroquímico, no município vizinho de Triunfo, é uma alternativa. A fronteira entre o urbano e o rural não é apenas um limite físico; na verdade, a fronteira é um espaço de mobilidade, onde a população interage de forma dinâmica. Muitas pessoas deslocaram-se de lugares distantes para a região metropolitana de Porto Alegre, e o bairro Mathias Velho, em Canoas, foi o espaço possível. A ação, em termos de ocupação, é fruto de relações sociais, construídas por sujeitos históricos, em um contexto social específico, de forma conflitiva. Não é apenas um território físico, com fronteiras de pertencimento, mas também um espaço constituído por indivíduos que compartilham experiências, moradia e desafios. Os sentimentos e lembranças, ancorados com coerência e continuidade, no conjunto dessas ocorrências, formatam a identidade social do ocupante e, posteriormente, do processo de cidadania, na construção do movimento social, de caráter comunitário, desse bairro em Canoas. Nos limites do espaço urbano com o rural, a população migrante se põe em ação, em busca de soluções para os problemas de moradia, nesse espaço de fronteira em que eles operam:

[...] É certo que a fronteira não deve ser considerada como uma linha divisória, mas sim como um espaço. O espaço deve ser compreendido como produto da ação humana, um lócus onde atividades produtivas e relações sociais ocorrem e que, ele mesmo se constrói e vai ganhando significado pela ação dos sujeitos históricos em um contexto social específico. Nesse sentido, concordamos que “a fronteira não é uma linha, mas um espaço que se define mais por seus atributos socioeconômicos e o limite, como conceito, é essencialmente político” (FARINATTI, 2009, p.153).

A fronteira física entre o espaço urbano e a região rural, enquanto limite geográfico entre a cidade e o município de Canoas, coincide com a área de abrangência do bairro Mathias Velho, que era local de uma fazenda de gado e de plantio de arroz, precisamente até a década de 1940. Em 1951, foi realizado loteamento da área, acompanhando a febre imobiliária que atingia Canoas. A propriedade do loteamento ficou com os herdeiros de Saturnino Mathias Velho (antigo proprietário da região) e a Sociedade Territorial São Carlos Ltda. Este bairro, em Canoas, permanecia, em termos geográficos, com seu território praticamente inalterado, desde os anos de 1960, como podemos observar na foto a seguir.

Figura 4 – Foto do bairro Mathias Velho em Canoas/RS.

Fonte: Livro Canoas: para lembrar quem somos.

A foto retrata na sua parte frontal a casa do antigo proprietário, que deu nome ao bairro, Saturnino Mathias Velho. Ao fundo da foto, podemos ver o limite entre o urbano e o rural, que nos anos de 1970 era uma plantação de arroz. A partir das ocupações, receberá o nome de “Vila Santo Operário”; já na área de um antigo prado da cidade, será formada a “Vila União dos Operários”. Essa fronteira móvel será o palco de uma experiência temporal extremamente significativa, que será historiada, dentro dos parâmetros concretos de um processo histórico. A “memória” de seus moradores, bem como demais fontes históricas, serão importantes, para entendermos o processo de organização comunitária, com seus avanços e desafios.

Em termos conceituais, “memória” nos situa dentro de um processo histórico e na capacidade que temos de conservar traços de experiências passadas. Neste sentido, a experiência dos moradores do bairro Mathias Velho, em Canoas, com suas aspirações, desafios e conquistas, é conservada em forma de depoimentos; sendo, dessa forma, fontes históricas importantes, principalmente dentro da História do tempo presente, em que ocorre a

consolidação coletiva deste bairro, em Canoas, concretizando uma experiência significativa em termos de movimento social comunitário. Este conceito torna-se relevante, enquanto pesquisa história, como podemos constatar no texto “Imigração e memória”, de Milton Cleber Pereira Amador:

[...] A memória é um dos elementos que nos situa perante os acontecimentos do processo histórico, e é através dela que nos alimentamos intelectualmente, pois, sem memória, seríamos incapazes até mesmo de nos comunicarmos. [...] entende por memória, a faculdade humana de conservar traços de experiências passadas e, pelo menos em parte, ter acesso a essas pelo veio da lembrança. Nesta perspectiva, podemos perceber que a memória tem capacidade de nos remeter para a possibilidade do conhecimento coletivo com mais agilidade do que organismos fechados como, por exemplo, museus e bibliotecas (AMADOR, 2000, p.2).

A memória torna-se fundamental no depoimento de pessoas que tiveram suas vidas marcadas por esse processo de transformação. Ainda que essa perspectiva social não seja atendida, será, com certeza, motivo de futuros embates, tendo em mente essa memória individual e coletiva. São informações históricas importantes, na medida em que as demais fontes necessárias para a pesquisa tornam-se superficiais, ou não tem a abrangência significativa, enquanto pesquisa acadêmica, como no caso dos moradores do bairro Mathias Velho. Parte da presente pesquisa, configura aquilo que denominamos “paisagens da memória”, ou seja, imagens de lugares e momentos que são investidos de afeto e emoção (NORA, 1993), mas sobretudo que se apresentam como marcos a partir dos quais as memórias individuais e coletivas se encontram, permitindo aos migrantes que, nesta pesquisa,classificamos de “novos moradores” do bairro, redefinir suas identidades e revitalizar seus próprios percursos históricos. O depoimento do morador Hildegard Gass mostra a realidade encontrada pelos novos moradores, fruto do processo migratório na região, onde a base de permanência no bairro era a luta por moradia, objetivo principal na organização do movimento comunitário:

[...] foi aos poucos. Tinha gente que tinha área bem grande. Eram casinhas bem simples, bem humildes. Tinha uma área grande que alguém plantava alguma verdura, mas aos poucos foram vendendo os terrenos, um pedacinho para cada um. Vender é um modo de dizer, porque era área verde. Mas foram dividindo. Agora, às vezes, há duas a três famílias num pátio, só porque dividiram (PENNA, CORBELLINI & GAYESKI, 2000, p.86).

Os movimentos sociais, particularmente os comunitários de cunho popular, a partir de 1970, na América Latina e especificamente no Brasil, tiveram um caráter formativo,

envolvendo grupos rurais e urbanos, dentro do contexto histórico que, ao conquistar seus objetivos, partem para suas reivindicações por demandas, visando obter a infraestrutura decorrente de suas ações concretas, por novas perspectivas de moradia e sedimentação urbana. Esse processo histórico, ligado aos movimentos populares de reivindicação, durante a ditadura civil-militar e no processo de redemocratização do Brasil, é salientado por Maria da Glória Gohn, em seu livro “Movimentos Sociais e luta pela moradia”:

[...] O Brasil registrou, a partir dos anos 70, com vários outros países da América Latina, o surgimento de um grande número de movimentos sociais. Foram movimentos de classe: sindicais, urbanos e rurais; movimentos com caráter de classe, a partir de camadas populares, em nível de local de moradia, lutando por bens de consumo coletivo, nos setores de infraestrutura urbana, saúde, educação, transportes, habitação, etc. Os movimentos populares são quantitativamente os mais numerosos e, a meu ver, do ponto de vista político, os que têm gerado transformações sociais substantivas, dado o conteúdo de suas demandas, as relações que mantêm com o Estado e o papel que desempenham na luta de classes mais gerais (GOHN, 1991, p. 9).

Nesse sentido, o texto “migração e memória”, de Milton Cleber Pereira Amador, ajuda-nos a entender o valor da memória, como componente essencial perante o grupo social:

[...] é através da memória que se acumulam informações e estas, recuperadas no exercício da lembrança, processa-se a elaboração de novos conhecimentos. Enfim, toda ação da mente é um exercício da memória, o que armazenamos, poderemos, através da memória, recuperar no tempo e torná-lo significativo para o presente e o futuro. [...] é a memória que dá significado ao sujeito, é ela que torna vivo ou morto perante o grupo social, pois se esquecer ou ocultar, é um indivíduo que vegeta (AMADOR, 2000, p. 2).

A memória ajuda também a retratar as dificuldades dos migrantes para saírem de suas terras, abandonando, muitas vezes, familiares próximos, bens materiais e uma vida enquanto colonos, com apenas alguns pertences pessoais. No entanto, a fé e a esperança de uma vida melhor, em busca de trabalho e renda, objetiva novos desafios, apesar de muitos sacrifícios, e essa realidade torna-se comum entre os novos moradores do bairro Mathias Velho, em Canoas. Este processo de migração pode ser relacionado com os diferentes imigrantes que saem de seu país de origem em busca de uma vida digna, em outras nações e, até mesmo, outros continentes. Essas semelhanças são evidentes, na reflexão de Milton Cleber Pereira Amador:

[...] O início da viagem do imigrante também é marcado por um longo processo de sofrimento. Tomada primeiramente pela decisão de abandonar sua terra natal, talvez num eterno exílio, deixando na memória uma relação social construída ao longo da vida. O abandono da aldeia deixa para trás, parentes próximos e é a primeira decisão traumática a ser enfrentada. Reunir poucos pertences que possui e levar junto significa algo muito mais que material e sim lembrança de um passado que muito distante ficou. Inclusive o fato de trazer poucos objetos pessoais prejudica a preservação da memória, representada pelos bens materiais do colono (AMADOR, 2000, p. 6).

A vida cotidiana, a sociabilidade e a sensação de participar de uma comunidade se transformam, laços de vizinhança se estabelecem e novos membros se instalam, em novas residências. O que fica são as relações e lugares da memória, com a dura realidade inicial, e os lugares da vida comunitária se impõem como marco coletivo, a partir dos quais a memória social ultrapassa instantes aparentemente pontuais e consolida intervalos de duração. Organizados formalmente e afetivamente pelo pensamento, são esses intervalos que produzem o sentido da experiência comunitária, nessas fronteiras com espaços em configuração, inicialmente em lotes precários em infraestrutura, como vai ocorrer no bairro Mathias Velho.

Em Canoas, a partir da década de 1970, intensifica-se a ocupação do solo urbano, através das denominadas vilas irregulares. Esse espaço metropolitano em configuração, assentado inicialmente na comercialização de lotes precários em infraestrutura, começa a ocorrer com frequência no bairro Mathias Velho. A população que, originalmente, está excluída da sua aquisição encontra, nos processos ilegais de acesso à moradia, os mecanismos de inserção na cidade, transformando as periferias em um espaço de fronteira móvel entre o urbano e o rural. O encarecimento do solo urbano, para importante parcela populacional, que buscava nesses municípios alternativas de moradia com mais proximidade à capital, é uma realidade que podemos identificar. Essas vilas, tanto por sua condição material quanto social, são caracterizadas pela ilegalidade da posse da terra, irregularidades urbanísticas, carências de infraestrutura, sítios inadequados e má qualidade das habitações (METROPLAN, 1982). A Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano (METROPLAN) é órgão estadual responsável pela elaboração de planos, programas e projetos de desenvolvimento regional e urbano do estado do Rio Grande do Sul, tratando também de aglomerações urbanas. Entre os municípios de abrangência da METROPLAN, está o município de Canoas. Esse crescimento é resultado de múltiplos processos: expulsão do campo, legislações de parcelamento e loteamento do solo urbano, mudanças do mercado imobiliário, com o respectivo aumento do valor do solo e dos aluguéis, insuficiência de loteamentos populares, predomínio do capital

financeiro no mercado imobiliário e programas habitacionais que não beneficiam a população de mais baixa renda (METROPLAN, 1982).

As vilas são associadas a favelas, periferias, conjunto de moradias caracterizadas como sub-habitações, ausência de saneamento básico, abastecimento irregular de energia elétrica e água. Panizzi (1990) salienta essas formações espaciais, como processos de segregação urbana física, social e legal, identificando-as por periferias, com predomínio do acesso ilegal ao lote urbano. A solução encontrada para esse contingente populacional coloca- o periférico à cidade legal, uma vez que as condições existentes, para acesso ao lote urbano, permaneciam inacessíveis, fazendo com que essa população construísse o seu espaço urbano. Tendo em vista, então, que as vilas são o resultado das leis de mercado, estar à margem do processo é também estar no centro do mesmo. O déficit habitacional, resultado do processo de urbanização capitalista e da propriedade privada, está estreitamente ligado aos processos de ocupações, áreas situadas nas beiras dos diques, valas e valões. As ações da administração municipal, para conter as ocupações, atravessaram múltiplas gestões, sendo recorrentes os mecanismos de repressão e estigmatização, atravessados pela ilegalidade da ocupação e construção da legitimidade simbólica da propriedade privada. O estigma é evidenciado no uso dos termos invasão e invasores e, em função da crise econômica e da insatisfação com as políticas públicas, passam a ser lugar-comum na esteira dos processos de ocupações e configuração das vilas irregulares.

Nesse período histórico, a política habitacional surge como intervenção urbana, em meio aos problemas decorrentes do crescimento desordenado, crescimento de habitações precárias e consequente déficit habitacional. A migração rural-urbana e a pressão inflacionária eram potenciais políticos de revolta popular neste contexto. Desse modo, a política habitacional surge menos como solução ao problema de moradia e mais como estratégia do Estado de obter credibilidade junto à população.

Uma realidade conflitante se estabelece, na medida em que se estabelece o confronto entre ordenamentos com objetivos distintos: um abstrato e contraditório, visando dominação, controle e desenvolvimento industrial; outro, constituído por famílias originadas das migrações, tanto do interior do estado quanto do próprio crescimento da cidade e, por fim, aquele formado pelas fragmentações e novos núcleos familiares. É delineado pelas ações de instituições públicas, um pensamento de cidade, alicerçado no desenvolvimento e propriedade privada, legitimando os processos de despejo. A cidade torna-se palco e essência de embates, nem sempre explícitos em seus discursos e intenções, mas normalmente atravessado por

violências. No entanto, Canoas já possuía crescimento populacional interno, e essas vilas irregulares passam a ser resultado não apenas das migrações vindas do interior, mas do próprio município. Sendo assim, as ocupações persistiam, em frequentes embates com as operações de vigilância. Conforme as ocupações vão se consolidando, com o fornecimento de água e energia elétrica, transportes, saneamento público, melhorias nas ruas e consequentemente na segurança pública, uma vez que as ruas possibilitam a entrada de coleta pública de resíduos, policiamento e ambulâncias, passam a adquirir mais visibilidade, facilitando a demanda dos ocupantes que, ao se organizarem, estabelecem, ao longo do processo de construção do movimento comunitário no bairro Mathias Velho, uma forma legal de conquistar melhorias, a partir do objetivo inicial de moradia, identificada nessa presente pesquisa acadêmica.

Nesse sentido, reporta-se a Pierre Bourdieu (1989), pois ligando representações e espaço social percebe-se que as escolhas individuais e a forma como os migrantes vivenciaram e construíram as representações dessas experiências, relacionando-as aos contextos concretos, significa uma ruptura com o objetivismo que leva a ignorar o espaço social como um campo de lutas simbólicas, cujo resultado é a afirmação da própria representação do mundo social e a definição da hierarquia dentro e entre os campos sociais. O espaço social é perpassado pela estrutura objetiva, por isso, toda representação tem um conteúdo de referência sociocultural, histórica e política (BORDIEU, 1984).

Os diferentes relatos estão contidos nas representações em seus diversos aspectos, sendo produtivo acrescentar-se à dimensão espacial de Bourdieu, uma dimensão temporal em dois tempos: o tempo curto da interação, que tem por foco a funcionalidade das representações e o tempo vivido, que abarca o processo de socialização.

Essa perspectiva amplia a visão de Bourdieu, na medida em que o contexto de surgimento e permanência das representações aparece composto por dois eixos: o sócio- histórico, construções sociais que alimentam nossa subjetividade, e o discurso, ou as versões