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O PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA E A LUTA POR DIREITOS SOCIAIS

3 A REALIDADE HISTÓRICA NO BAIRRO MATHIAS VELHO NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO COMUNITÁRIA

3.2 O PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA E A LUTA POR DIREITOS SOCIAIS

destino de grande parte das lideranças do movimento comunitário foi organizar e participar do Partido dos Trabalhadores (PT). Nesse sentido, além da disputa pela moradia como razão maior, haverá também no bairro uma disputa política entre o PT e os partidos mais identificados com a ordem capitalista como o PDS e o PMDB. Em relação à formação do PT em Canoas e mais especificamente no bairro Mathias Velho entre os novos moradores, Wilsonlírio de Souza descreve esse processo político partidário com origem nas CEBs:

[...] Refletia-se em grupo e nas celebrações das CEBs, Solicitamos ao Cartório Eleitoral e este destinou pessoas que vieram às comunidades e chagamos a fazer os títulos eleitorais. Os membros das CEBs, como catequistas, ajudaram no mutirão. Depois escolhemos critérios para ter apoio para ter o apoio das comunidades e chegamos a fazer isso na hora das celebrações e os nomes escolhidos foram os de Paulo Paim, para Deputado Federal e Silvino Heck para Deputado Estadual e elegemos os dois. Foi uma grandiosa vitória. Aí começamos as grandes vitórias do PT, como partido. Em 1987, fizemos um trabalho de filiação ao PT. Criamos o núcleo consciência. Participamos da eleição do diretório, fazendo 33% do mesmo, quando o companheiro Clésio Aires de Oliveira foi vice-presidente do PT. A primeira bancada do Partido dos Trabalhadores, na Câmara Municipal de Canoas, era formada por dois jornalistas e um eletricista [...]. Nós fazíamos os seminários e as reuniões de bancada do PT, com nossos assessores, e eu sempre ia aprendendo mais no campo da política. Apresentamos uma proposta de Lei Orgânica. Aqui em Canoas, nasceu uma das Leis Orgânicas mais avançadas do Estado (DALLAGNOL, 2015, p.120-2).

As lutas e os interesses dos diferentes sujeitos históricos, ao longo do processo de construção do movimento comunitário, foi um fator de aglutinação junto aos diferentes aliados, sejam táticos ou estratégicos, mas, ao mesmo tempo, um fator de distanciamento ou mesmo embates mais diretos serão inerentes à luta de classe, que vai permear a ação dos diferentes grupos em disputa. Gradativamente, os terrenos para moradia vão sendo organizados, as demandas sociais e estruturais como água, luz, saneamento básico, organização das ruas, transporte coletivo e vagas nas escolas vão sendo conquistados. No entanto essas conquistas vão ser fruto de várias lutas e reivindicações por diretos sociais.

3.2 O PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA E A LUTA POR DIREITOS SOCIAIS

O processo de organização comunitária no bairro Mathias Velho, em Canoas, ao longo de duas décadas entre 1975 e 1988, onde os novos moradores passaram por processo históricos de muitas lutas, desafios e embates, seja diretamente com os antigos moradores,

através de seu representante Air Bergental, seja com os órgãos públicos como a Prefeitura de Canoas, através dos prefeitos Hugo Lagranha, Osvaldo Guidani e Carlos Giocomazzi, ou mesmo com órgãos públicos estaduais como a Brigada Militar, tanto na Vila Santo operário como na Vila União dos Operários. No entanto, em relação aos órgãos públicos, em muitos momentos, as reivindicações e demandas dos novos moradores por direitos sociais eram feita pela Associação de Moradores das duas Vilas, ou mesmo por Grupos de Mães, fundados e organizados no bairro pelas mulheres que lutavam em grupos, ou mesmo através de abaixo- assinados. Através dessas várias lutas e reivindicações, o movimento comunitário no bairro foi sempre ativo, além da preocupação com o desemprego, através das frentes de trabalho e mutirões até a formação de várias iniciativas simultâneas, como fornos comunitários e hortas comunitárias. Nesse sentido, através de várias fontes históricas, especialmente boletim das associações de moradores e jornais, poderemos identificar essa dinâmica social comunitária que, apesar dos entraves inerentes ao processo, podemos perceber a força que esse movimento comunitário adquiriu ao longo de sua trajetória.

O Boletim número 1, de janeiro de 1983, da Associação de Moradores da Vila Santo Operário traz uma informação na segunda página referente à luta contra o desemprego, que era uma realidade muito marcante na década de 1970 como na década de 1980. A participação dos trabalhadores metalúrgicos da Vila Santo Operário vai se somar aos demais metalúrgicos de Canoas em seu sindicato. Vale lembrar que Canoas, como parte da região metropolitana de Poeto Alegre, é a principal região do estado em número de indústrias que envolve diretamente o setor metalúrgico. A alta concentração de trabalhadores desempregados, somados aos novos moradores mirantes da região, como o caso de Canoas, vão concentrar uma alta taxa de desemprego. A realidade do país ainda sob a ditadura civil-militar com seu fechamento político e a economia vivendo ainda sobre as consequências do milagre econômico, vivido na década de 1970 com a crise mundial da economia é, junto com a moradia, a principal preocupação dos novos moradores na Vila Santo Operário. O boletim informativo, como órgão interno da vila tem uma preocupação especial sobre essa realidade. É marcada uma assembleia de protestos contra o desemprego e o arrocho salarial, convocado pelos sindicatos e associações de bairro de Canoas.

A mesma página cujo título é “Departamento dos trabalhadores”, evidencia a necessidade de informar aos moradores da Vila não só a realidade do desemprego, mas também o boletim, como os demais, vão circular periodicamente no bairro como um meio de mobilização entre os novos moradores. Outra informação importante dessa edição do boletim da associação de Moradores da Vila Santo Operário é uma lista sobre os dissídios coletivos

dos trabalhadores que estão no mercado de trabalho, mas tem, nesses dias, reuniões marcadas com seus patrões para discutir salário e outros direitos. Outro informe sobre os trabalhadores, nessa edição do boletim, é sobre o terceiro congresso dos jovens trabalhadores nos bairros de Canoas, para discutir a sua realidade no bairro, bem como a informação que, no dia 19 de dezembro de 1983, foi oficializada a União das Associações de Moradores de Canoas. Podemos identificar que os novos moradores da Vila Santo Operário, através de seu boletim informativo da Associação de Moradores, retrata a necessidade concreta da união coletiva em relação ao desemprego e à força comunitária com a união das diferentes associações de moradores no bairro, na cidade de Canoas. A união na base, em suas várias lutas, está presente na Vila Santo Operário, retratada na educação do Boletim informativo número 1 da Associação dos Moradores da Vila Santo Operário.

Figura 49 – Boletim informativo nº 1 da Associação dos Moradores da Vila Santo Operário no bairro Mathias Velho em Canoas/RS sobre o desemprego e a luta dos novos moradores que buscam trabalho sob forma de protestos liderados pelos sindicatos e Associação de Moradores de Canoas.

Outra luta travada pelos novos moradores da Vila Santo Operário foi em relação à educação de seus filhos. As reivindicações são dirigidas, em forma de audiência, para a 27ªDelegacia de Ensino (DE), órgão público do governo do estado que tem a função de coordenar na região as políticas públicas de governo, amparadas nas políticas de estado para a educação. Entre as várias reivindicações, lideradas pelos Clubes de Mães da Vila Santo Operário, está entre várias reivindicações, como a luta contra a cobrança de taxas escolares nas escolas estaduais. Ao mesmo tempo pedem que se tenha o primeiro grau completo nas vilas e que as “escolas eduquem as crianças para uma verdadeira vida comunitária”. Essa última reivindicação demonstra a preocupação das mães dos alunos da Vila Santo Operário com a educação de seus filhos no ambiente escolar para a qualidade de um ensino para uma verdadeira vida comunitária, refletindo, dessa forma, a importância do movimento comunitário, em termos valores a serem educados e afirmados, não apenas no próprio ambiente da vila, mas também na escola, que dessa forma tenha um conhecimento mais abrangente no bairro.

Cabe ressaltar que essa reunião tinha sido marcada com antecedência de um mês e as reivindicações foram entregues para uma assistente especial da Delegacia de Ensino, mostrando o descaso com as reivindicações e a reunião, não estando presente nem o delegado de educação Clair Janeti Machado e nem o delegado substituto de educação. Sob pressão do Clube de Mães de da Vila Santo Operário, com cerca de 60 mães de alunos, professores e líderes comunitários da vila, foi possível marcar uma reunião no Centro Comunitário da Vila Santo Operário para uma semana depois, com o compromisso de estar presente para estudar as reivindicações feitas ao delegado titular de educação. A força comunitária se fez presente, embora as dificuldades inerentes a uma sociedade de valoriza a educação. O que chama a atenção, nessa audiência pública, com relação à ausência da delegada titular da educação Clair Janeti Machado, que causou revolta entre as lideranças populares, foi que a assessoria da Delegada de Educação informou que a delegada tinha um “compromisso mais importante com o esposo, que é militar”. Esses fatos foram relatados na reportagem do jornal Zero Hora de 17 de novembro de 1983, página 36 sob o título “Em Canoas, mães foram a 27 DE”.

Figura 50 – Audiência publica na 27º Delegacia de Ensino com a presença do Clube de mães, lideranças comunitárias, professores e estudantes das vilas Santo Operário e União dos Operários e demais vilas de Canoas contra a taxa cobrada dos alunos nas escolas estaduais, ensino sobre a valorização do comunitário, etc.

Fonte: Jornal Zero Hora 17/11/83 página 36 - Fonte: Arquivo pessoal Matilde Cechin.

Apesar da luta dos novos moradores da Vila União dos Operários, somente em 2003, através de duas leis aprovadas pela Câmara Municipal de Canoas e sancionadas pelo prefeito municipal Marcos António Ronchetti é que vai ser, oficialmente, reconhecida essa vila, como uma área do antigo Hipódromo do Prado, bem como as ruas Dezoito de Dezembro, Rua dos Romeiros, Libertação e Sino da União. Essas duas leis aprovadas e sancionadas revelam uma conquista dos novos moradores em relação à Vila União dos Operários, nome dado pelos

próprios moradores após a segunda ocupação, realizada no início da década de 1980, caracterizando a união e a luta pela moradia no bairro. Com relação à aprovação da Câmara de Vereadores e a sanção do prefeito municipal, também caracteriza uma conquista dos novos moradores, pois essas ruas foram fruto do loteamento ordenado pelos migrantes, onde, após vários anos de mobilização, especialmente pela Associação de Moradores da Vila União dos Operários (AMVUO), na busca de recursos públicos, tendo em vista a regularização fundiária, somente em 2009 iria ocorrer a formalização do loteamento e a escrituração dos lotes. Essa conquista na Vila União dos Operários teve origem nas ocupações na Vila e o resultado foi através das demandas do Orçamento Participativo no bairro Mathias Velho, em Canoas. O projeto do loteamento manteve integralmente o desenho urbanístico existente, conservando o traçado de ruas, a configuração dos lotes e a manutenção dos espaços públicos consolidados. A regularização fundiária na Vila União dos Operários em 2014.

O movimento comunitário com esse resultado, onde cada lote tem agora um proprietário atinge a sua consolidação com a sua principal demanda, isto é, ações do movimento social de luta pela moradia, transformando cada ocupante em cidadão, de acordo com a formalidade da lei. Nesse processo, consolida-se uma conquista e um objetivo social, onde o aspecto comunitário foi a base de um processo histórico. A seguir, datado de 2003, o prefeito municipal de Canoas, Marco Antônio Ronchetti, oficializa a conquista dos novos moradores do bairro, a partir da segunda ocupação urbana, a Vila União dos Operários , bem como o nome de várias ruas da Vila, entre as quais a Rua dos Romeiros, símbolo da união entre fé religiosa e conquista popular, Rua da Libertação, tendo o mesmo sentido e Rua Sino da União, cujo nome refere-se ao Sino que, no início do processo de ocupação da Vila dava o sinal para que os novos moradores soubessem que pessoa ligada aos antigos proprietários da área do antigo Jóquei Clube estava se aproximando ou mesmo para celebrar as conquistas no bairro. A seguir as duas leis aprovadas sancionada pela Câmara de Vereadores e promulgada pelo então prefeito Marcos Antônio Ronchetti.

Figura 51 – Documento aprovado pela Câmara Municipal de Canoas e sancionado pelo ex- prefeito Marcos Ronchetti regularizando a Vila União dos Operários e as ruas dos Romeiros, Libertação e Sino da União, pertencentes a Vila União dos Operários.

Fonte: https://biblioteca.unilasalle.edu.br/docs_online/tcc/mestrado/memoria_social_e_bens_culturais/2015. Acesso em: 08 jul. 2019.

Devemos destacar o fortalecimento das organizações sociais em suas lutas por melhorias de infraestrutura e qualidade de vida. O acesso à moradia transforma-se no eixo do movimento comunitário construído no bairro Mathias Velho pelos moradores migrantes que, ao longo desse processo, torna-se protagonista e sujeito de uma construção coletiva em benefício dos próprios novos moradores.

Parte da originalidade desta tese está ligada aos diferentes embates e lutas desenvolvidas no bairro, como a luta pela moradia, estrutura e direitos sociais e o desafios oriundos tanto das dificuldades como as conquistas proporcionadas pela forma organizada com diferentes apoios como oposição de diferentes sujeitos sociais, que, de uma forma ou de outra participaram dos avanços e recuos desse processo histórico.

O Boletim número 7 da Associação de Moradores da Vila Santo Operário, de novembro de 1984, na sua segunda página sob o título “A luta da associação pela frente de trabalho”, reporta que dentro da política econômica do país da época em termos de recessão econômica, dívida externa, inflação alta, baixos salários e desemprego. A situação geral da maioria dos trabalhadores era muito ruim.

No caso dos novos moradores do bairro Mathias Velho, a situação era mais grave ainda em função de que a maioria eram migrantes e buscavam, além da moradia, trabalho e renda. Em função dessa realidade conflitante e, muitas vezes, desesperadora, os trabalhadores tanto da Vila Santo Operário como da Vila União dos Operários buscavam alternativas paliativas através das chamadas “frentes de trabalho”. No caso da Vila Santo Operário como foi retratado no boletim informativo, a diretoria da Associação dos Moradores da Vila Santo Operário foi a primeira a conseguir “Frente de trabalho para os desempregados”. O início desse processo é assim relatado “A luta começou em outubro de 1983, quando mais de 300 desempregados se reuniram com os diretores da Associação e do Centro Comunitário e reivindicaram o começo das frentes de trabalho”. Foram conseguidas 40 vagas pela diretoria da Associação o que foi comemorado. Com o tempo, aumentava o número de desempregados em busca de vagas e as vagas surgiam, mas não na mesma proporção dos desempregados. Como uma ação para tentar rever a situação uniam-se também os desempregados da Vila União dos Operários, e a decisão foi fazer uma passeata até a prefeitura, mas não houve nada de positivo. Em seguida, os trabalhadores foram até o governo do estado, ficando 9 dias em frente ao Palácio Piratini.

O resultado foi a conquista de 70 ranchos por semana durante 54 semanas totalizando 3.780 ranchos. Dentro da situação de extrema dificuldade, o resultado em relação à reivindicação, à pressão e à resistência de ficar acampado em frente ao palácio do governo do estado teve como avaliação foi positivo. Uma constatação nessa conquista teve um sabor de vitória na luta dos trabalhadores: “Melhorou nossa organização e acreditamos mais no valor da associação”. Uma charge no boletim também simbolizava a quebra de braço entre os trabalhadores e o sistema capitalista, representado pelos patrões. A luta dos trabalhadores, isto é, o valor de construir o movimento comunitário que, no caso das Vilas Santo Operário e

União dos Operários, podemos identificar a força coletiva e solidária desses novos moradores do bairro Mathias Velho em suas diversas lutas, desafios e conquistas.

Figura 52 – Boletim informativo nº 7 da Associação dos Moradores da Vila Santo Operário, destacando a reivindicação e a formação das Frentes de Trabalho na Vila Santo e União dos Operários, em Canoas/RS.

A consolidação do movimento comunitário pelo acesso à moradia e as diferentes mobilizações e reinvindicações por melhores condições de habitação, ocorridas na final da década de 1970 até o final da década de 1980, tem nas suas mobilizações e organizações, a sua principal força para avançar em termos de direitos sociais para agregar a dignidade dos trabalhadores, além da moradia, como objetivo maior.