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3 A INVALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CONTRATUAIS POR

3.2 A SIMULAÇÃO COMO HIPÓTESE DE NULIDADE ABSOLUTA DOS NEGÓCIOS

3.2.3 As modalidades de simulação no Código Civil de 2002

A simulação pode ser classificada a partir de diferentes parâmetros, a exemplo da existência ou não de um negócio jurídico dissimulado, das partes envolvidas, do objeto, da contaminação de todo o negócio jurídico ou apenas de parte deste.

Inicialmente, apresenta-se classificação da simulação, em que esta poderá ser absoluta ou relativa. O artigo 167, do Código Civil de 2002, é taxativo ao afirmar que o negócio jurídico simulado é nulo. Contudo, faz a ressalva de que “subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma”259. Esta hipótese apenas será aplicável se existir de fato um outro

negócio jurídico encoberto pelo simulado, que é o caso da simulação relativa.

A simulação absoluta é aquela em que “as partes querem que o contrato não produza seus efeitos típicos”260. Ou seja, não haverá a intenção de se esconder um segundo contrato, mas há intenção de fingir que aquele negócio jurídico é o que aparenta ser, mas, com relação ao qual, as partes não têm qualquer pretensão de que produza efeitos jurídicos.

Na simulação absoluta, verifica-se a existência de uma declaração de vontade que, em verdade, se destina a não produzir qualquer efeito261. Há apenas a aparência. Neste caso, existem apenas dois elementos, o acordo simulatório e o negócio jurídico simulado262.

258 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº 946.707/RS. Relator: Ministro Herman Benjamin.

Publicado no DJU em: 31/08/2009. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_ Documento.asp?sSeq= 906826&sReg=200700926564&sData=20090831&formato=PDF>. Acesso em: 23 dez. 2016.

259 BRASIL, 2002.

260 GOMES, O., 2016, p. 332. 261 PEREIRA, 2006, v. 1, p.637. 262 GAINO, 2012, p. 47.

No caso da simulação relativa, Caio Mário da Silva Pereira leciona que esta também pode ser denominada de dissimulação263. É relativa aquela simulação que pretende esconder um outro negócio jurídico por trás daquele que está aparente. O negócio jurídico que aparece para a comunidade é o simulado, enquanto que será dissimulado o negócio jurídico que fora escondido. Este processo é denominado por Marcos Bernardes de Mello de “extraversão”264.

Francisco Amaral então assevera que com a simulação relativa as partes pretendem encobertar aquele negócio que realmente querem firmar, mas por motivos diversos não querem que ele esteja visível para a sociedade. Assim, o referido autor exemplifica com o “caso de um contrato de compra e venda esconder uma doação”, e prossegue afirmando que “existem dois negócios: um aparente, o negócio simulado, ostensivo, que não é o verdadeiro; e outro, oculto, disfarçado, que é o realmente pretendido pelas partes, o negócio dissimulado” 265.

Marcos Bernardes de Mello apresenta que, na simulação relativa, há um negócio jurídico mentiroso e que aparece para terceiros, o qual encoberta o dissimulado266.

A simulação relativa contemplará, então, três elementos distintos: o acordo simulatório, o negócio jurídico simulado e o negócio jurídico dissimulado267. Itamar Gaino ensina que, nesta

hipótese, o acordo simulatório envolverá um processo mais complexo, posto que ele servirá como um conector entre o negócio simulado e o dissimulado. É o próprio acordo simulatório, seja ele verbal ou escrito, que revelará esta vontade das partes em esconderem o negócio jurídico efetivo (real) através do negócio jurídico aparente268.

Conforme tal compreensão, a nulidade afetará apenas a parte que esteja afetada pela simulação, posto que os demais elementos subsistirão no negócio jurídico dissimulado. Reconhecida a nulidade do negócio jurídico simulado, passa-se à análise daquele que até o momento era oculto, para que seja possível verificar a sua validade e, se válido for, passe a produzir os seus efeitos jurídicos próprios.

Não cabe tal segmentação no que tange à simulação absoluta, justamente por esta afetar o ato jurídico por completo269.

Francisco Amaral então exemplifica esta situação, nos seguintes termos270:

Se for relativa, anula-se o negócio simulado, aparente, subsistindo o dissimulado, oculto, se for lícito, e desde que preencha os requisitos de validade, de substância, isto

263 PEREIRA, 2006, v. 1, p.637. 264 MELLO, 2015, p. 117.

265 AMARAL, 2014, p. 568, grifo do autor. 266 MELLO, op. cit., p. 117.

267 GAINO, 2012, p. 47. 268 Ibidem, p. 48. 269 Ibidem, p. 73.

é, não é proibido, como seria o contrato cujo objeto fosse a herança de pessoa viva (CC, art. 426), e de forma, por exemplo, no caso de doação de imóvel, se feito por escritura pública (CC, arts. 108 e 167). Se a simulação for maliciosa, qualquer interessado ou o Ministério Público poderá demandar a nulidade dos atos simulados (CC, art. 168). Mas terceiros de boa-fé que adquirirem direitos com base no negócio simulado não são prejudicados (CC, art. 167, §2º). Em face deles, o negócio simulado é tido como existente e válido, de acordo com a teoria da aparência.

É esta concepção que tem extrema importância para o estudo ora elaborado e que será adiante ratificado. Não se deve permitir confusões entre o que está escondido e a natureza da simulação em si. Caso o negócio dissimulado envolva uma fraude contra credores, por exemplo, esta constatação não inviabiliza que antes seja aferida a nulidade do negócio simulado, para que então se passa ao processo de reconhecimento e determinação dos efeitos quanto ao dissimulado. Seja no caso da simulação absoluta ou relativa, o negócio jurídico simulado é nulo e, portanto, não produz os efeitos que lhe seriam próprios entre as partes contratantes.

Ultrapassa a distinção entre simulação absoluta e relativa, que está no caput do dispositivo legal em análise, verifica-se que há a classificação da simulação de acordo com as hipóteses elencadas no artigo 167, §1º, do Código Civil de 2002. Haverá, assim, a simulação subjetiva ou objetiva, a simulação quanto à natureza ou conteúdo do contrato, parcial ou total e, por fim, com relação à data do negócio jurídico.

Inicialmente, ressalta-se que o entendimento de Orlando Gomes271 e de Francisco Amaral272 é no sentido de que tais categorias estão inseridas dentro da simulação relativa. Contudo, conforme lição de Itamar Gaino, reconhece-se que tal segmentação não é estanque de tal modo273.

Simulação subjetiva ocorre sempre que se “aparenta conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou transmitem”274. É a simulação por

interposta pessoa, também chamados de “testa de ferro”, “homem de palha”, “laranja”. A pessoa aparente não é aquela que compõe e é parte do negócio jurídico real (oculto), caso ele exista.

É o caso em que, por exemplo, pessoa A quer doar o seu automóvel à pessoa B, mas não poderia fazê-lo por relação de parentesco X. Desse modo, através do acordo simulatório, estas partes acordam que A doará o seu automóvel a C, concluindo assim o negócio jurídico simulado, mas quem efetivamente ficará com o automóvel é B, através do negócio jurídico dissimulado. 271 GOMES, O., 2016. p. 332. 272 AMARAL, 2014, p. 568. 273 GAINO, 2012. p. 74. 274 PEREIRA, 2006, v. 1, p.637.

A indicação fictícia de interposta pessoa não se confunde com a real interposição de terceiro em um negócio jurídico, o que é lícito e tem respaldo no ordenamento jurídico pátrio. Isto ocorre, por exemplo, “se, porventura, o negócio for apenas entre Antônio e João, embora no sentido de o bem ser transferido posteriormente a José, a hipótese será de interposição real, configurando verdadeiro mandato sem representação”275.

Na presente pesquisa, será apresentada nos dois próximos capítulos do desenvolvimento a hipótese de interposição fictícia de pessoa na constituição de sociedades, quando o sócio de direito é o que comumente se denomina por “laranja”. O sócio aparente, portanto, não tem a intenção de sê-lo, conforme se estudará adiante.

A simulação objetiva estará relacionada à natureza, ao objeto ou a outro elemento do contrato276, a exemplo de condição, que são aquelas situações previstas no artigo 167, §1º, II, do Código Civil de 2002.

Itamar Gaino segmenta estes dois tipos de simulação. No que tange à simulação quanto à natureza ou conteúdo de negócio jurídico, o autor leciona que ela poderá ser absoluta ou relativa parcial. De outro modo, a simulação quanto a condição ou cláusula específica será sempre relativa parcial277.

Há ainda a simulação com relação à data do negócio, de acordo com a regra expressa no artigo 167, §1º, III, do Código Civil de 2002. De acordo com a lição de Itamar Gaino, este tipo se enquadrará como simulação absoluta ou relativa parcial278.

O referido autor apresenta ainda a classificação da simulação como total ou parcial. A total ocorrerá sempre que a simulação englobe o ato jurídico como um todo. De outro modo, a parcial se dá quando há intenção de mentir acerca de um elemento ou cláusula do negócio jurídico279. É o que se revelará adiante com a simulação na sociedade, distinta da simulação da sociedade.

Por fim, considerando que já foram apresentados os conceitos de simulação nocente e inocente no tópico anterior, bem como que esta classificação apenas tinha importância na vigência do Código Civil de 1916, apenas vale reiterar que a diferenciação entre simulação nocente ou inocente não é mais relevante para o sistema jurídico brasileiro.

Desse modo, em ambas as situações o negócio jurídico simulado será nulo. Quanto ao dissimulado, conforme exposto, deverá ser procedida a análise da sua validade e, caso haja

275 AMARAL, 2014, p. 568, grifo do autor. 276 GOMES, O., 2016, p. 332.

277 GAINO, 2012, p. 78-79. 278 Ibidem, p. 81.

ilicitude também na real intenção das partes, será impossível que ocorra a extraversão, pois o dissimulado é ilícito e não poderá subsistir280.