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3 A INVALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CONTRATUAIS POR

4.2 AS HIPÓTESES DE SIMULAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CONTRATUAIS

4.2.1 A simulação da sociedade empresária

A possibilidade de se considerar simulado o ato constitutivo de sociedade empresária não é acolhida de forma unânime e pacífica por toda a doutrina, cujos entendimentos opostos passam a ser analisados. Ademais, é necessário rememorar a natureza jurídica dos atos constitutivos, a qual, para esta pesquisa, é de negócio jurídico contratual plurilateral, de modo que o regime das invalidades será aplicável a elas.

Tulio Ascarelli reconhece a possibilidade da simulação da sociedade. Em seu estudo sobre os contratos plurilaterais e a aplicabilidade de regras contratuais aos atos constitutivos de

sociedades, analisa a teoria dos vícios e detecta que há relevante distinção entre o vício estar configurado no contrato em si ou em uma das adesões. Em ambos os casos, o autor cita expressamente a possibilidade de haver simulação395.

Nesta mesma linha de entendimento, Itamar Gaino admite a simulação da sociedade, afirmando que esta ocorre sempre que a sociedade empresária nada tenha de real, existindo apenas na sua aparência396. Em primeiro plano, é possível detectar que inexiste affectio societatis, ou seja, não há qualquer interesse de associação daqueles sócios para a consecução da empresa indicada no registro.

Aquilo que fora exposto no ato constitutivo registrado não condiz com a vontade real das partes. Desse modo, aqueles que têm a vontade dissimulada podem vir a ser os sócios formais ou não, escondidos por trás de interpostas pessoas – “laranjas”, a sede é local em que não se pretender exercer qualquer atividade econômica e tampouco se pretender executar este objeto social397, ou ainda não se pretende ter qualquer sociedade em si, mas apenas alguns

efeitos desta, como a limitação da responsabilidade.

Importa, portanto, observar que, para a corrente doutrinária que admite a simulação da sociedade, o efeito decorrente da sua constatação é a nulidade do próprio ato constitutivo, pois a real intenção das partes é fingir aquela sociedade para encobrir qualquer outra situação e não a execução daquela empresa em específico.

Na jurisprudência brasileira, também é reconhecida possibilidade de haver simulação da sociedade. O julgado que é mencionado como marco sobre o debate desta questão foi do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 16.984, advindo de processo do Rio Grande do Sul, de relatoria do Ministro Luiz Galloti, cujo acordão foi proferido na década de 1950398.

Luiz Carlos de Andrade Júnior segue em sentido oposto e nega a possibilidade de ser reconhecida a simulação da sociedade no ordenamento jurídico pátrio. Fundamenta o seu posicionamento afirmando que haveria um conflito entre a vontade de simular e aquela outra de constituir a sociedade, de modo que se esta última prepondera, não haveria simulação, posto que “o surgimento da pessoa jurídica é inevitável”. Ratifica esta ideia ao aduzir que teriam sido obedecidos os trâmites para publicidade da constituição da sociedade empresária, o que

395 ASCARELLI, 1945, p. 287. 396 GAINO, 2012. p. 133. 397 Ibidem, p. 133.

398 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº 16.984/PR. Relator: Ministro Luiz Galloti.

Publicado em: 10/07/1950. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP= AC&docID=118667> Acesso em: 7 nov. 2016.

envolveria ainda a intervenção da autoridade pública, que não faria parte do acordo simulatório399.

O referido autor entende que não seria possível, portanto, anular o registro de sociedade empresária já constituída. Contudo, poderiam ser considerados simulados os atos jurídicos praticados por esta sociedade que, apesar de existir, “não tenha instalações físicas, máquinas e materiais de escritório”. Conclui o autor que a pessoa jurídica existe e deve subsistir o ato constitutivo, mas estas condições ora listadas a impossibilitariam de praticar determinados atos de comércio, que, portanto, seriam nulos por estar configurada a simulação400.

Refuta-se tal compreensão nesta pesquisa. Em primeiro lugar, valendo-se deste argumento, todos os atos que forem registrados em cartório não poderiam ser considerados simulados, posto que também houve a intervenção de um agente do Estado. Em segundo lugar, a Junta Comercial não tem competência para aprofundar na análise subjetiva do ato constitutivo, mas meramente os seus aspectos formais e materiais. Não há espaço, portanto, para se questionar a sua participação ou conhecimento sobre o acordo simulatório, posto que a intenção das partes é que ninguém tome ciência deste.

Neste mesmo sentido, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda já assinalava que esta presença da autoridade não inviabiliza a prática de uma simulação. Na obra do referido autor, ressalta-se que “se a manifestação de vontade é perante autoridade, nem por isso se faz incólume à alegação de simulação relativa, sem se dever distinguir, aqui, entre participação da autoridade como pressuposto de forma e direção à autoridade”401.

Calixto Salomão Filho402 e José Inácio Ferraz de Almeida Prado Filho403 analisam as sociedades fictícias, que seriam aquelas em que um dos sócios apenas figura no quadro societário para viabilizar a constituição de pessoa jurídica e, assim, possibilitar a limitação da responsabilidade do outro sócio. Ambos os autores concluem que, nestes casos, não seria possível admitir a simulação da sociedade e sugerem, respectivamente, a adoção da disregard doctrine ou a análise sob o viés do negócio indireto.

Estas compreensões tampouco são acolhidas nesta pesquisa. Conforme se verá adiante, a adoção da desconsideração da personalidade jurídica deve estar adstrita às hipóteses legais,

399 ANDRADE JÚNIOR, 2016, p. 199. 400 Ibidem, p. 214.

401 MIRANDA, 2000, v. 4, p. 447.

402 SALOMÃO FILHO, Calixto. Sociedade Simulada. Revista de direito mercantil: industrial, econômico e

financeiro, São Paulo: Malheiros, ano 36, n. 105, p. 70-73, jan./mar. 1997.

403 PRADO FILHO, José Inácio Ferraz de Almeida. Notas sobre as sociedades fictícias, ou de favor. Revista de

direito mercantil: industrial, econômico e financeiro, São Paulo: Malheiros, ano 43, n. 134, p. 85-95, abr./jun.

que não importam na nulidade do ato, o que ocorre quando configurada a intenção de simular uma situação em desconformidade com a vontade real das partes. Por outro lado, tampouco se pode admitir que a teoria do negócio indireto viabilize a limitação da responsabilidade do empresário individual, quando o ordenamento jurídico não abarque esta possibilidade da forma engendrada pelas partes.

Modesto Carvalhosa também compreende que não seria admissível no ordenamento jurídico brasileiro a sociedade aparente, em seu estudo específico sobre as anônimas. O autor elucida que “se algumas pessoas prestam-se a subscrever o capital com patrimônio alheio, tal relação entre o real titular das respectivas ações e os que as ostentam, fiduciariamente, é irrelevante, perante a própria sociedade e perante terceiros”404.

O debate sobre a simulação da sociedade não se resume à quitação da ação com patrimônio de outrem, mas sim da intenção de fingir uma determinada situação com a constituição de uma pessoa jurídica, pois a forma como descrita no ato constitutivo não é aquela pretendida pelas partes e cujos efeitos serão atingidos, de modo que será nulo o ato.

Nesta pesquisa, compreende-se ser possível a simulação da sociedade. Portanto, o ato constitutivo simulado é nulo, bem como todos aqueles atos praticados pela pessoa jurídica aparente. Neste cenário, ficam ressalvados os direitos dos terceiros de boa-fé, contra os quais as partes da simulação não poderão opô-la405.

Deste modo, será cancelado o registro perante os órgãos públicos, caso seja nulidade absoluta, ou retificado para subsistir na forma do ato constitutivo dissimulado, se relativa for a simulação e o ato jurídico oculto fosse outro negócio jurídico plurilateral de constituição de sociedade empresária, se válido for.

Contudo, em se constatando que o negócio jurídico dissimulado é de outra natureza, o registro será também cancelado. O ato dissimulado, após confirmada a sua validade, passará a produzir os seus efeitos próprios, com todos os seus elementos agora aparentes, a exemplo de uma compra-e-venda.

Por se tratar de simulação da sociedade, defende-se que esta será sempre total, e nunca parcial, pois infecta todo o negócio jurídico simulado. Do contrário, seria possível manter a sociedade empresária simulada.

Por fim, com relação aos direitos de terceiros de boa-fé, é necessário que de fato sejam preservados, posto que não tinham conhecimento do vício que torna nula a sociedade simulada. Em consonância com a teoria da aparência, a preservação dos direitos de terceiros não acarreta

404 CARVALHOSA, 2011, v. 2, p. 118. 405 GAINO, 2012, p. 133.

a subsistência de uma sociedade empresária que nunca se quis constituir e apenas o fora para criar uma ilusão, seja para esconder algum outro negócio jurídico ou nenhum.