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3 A INVALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CONTRATUAIS POR

4.1 A SOCIEDADE EMPRESÁRIA ENQUANTO PESSOA JURÍDICA

4.1.2 Pessoas jurídicas no ordenamento jurídico brasileiro

A retrospectiva histórica tem sua importância ao possibilitar que sejam refutadas dúvidas quanto às pessoas jurídicas e a sua personalidade jurídica própria, tendo em vista que esforços atuais nesta investigação podem coincidir com conclusões já elaboradas pela doutrina. Não há dúvidas de que, como forma de simplificação das relações jurídicas, o ordenamento considera as pessoas jurídicas como sujeitos de direitos, assim como as pessoas naturais que as compõem.

Há um rol taxativo expresso que relaciona quais as pessoas jurídicas podem ser constituídas, reconhecendo-lhes personalidade jurídica. Entretanto, esta inovação veio com o Código Civil de 1916.

370 MACHADO, 1956, p. 172.

371 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 6.

As sociedades comerciais previstas no Código Comercial de 1850 não tinham a sua personalidade jurídica devidamente atribuída, pois esta lei não conferia tratamento específico às pessoas jurídicas. Não se reconhecia que a sociedade era o próprio empresário. O Código Comercial estabelecia apenas a obrigatoriedade de haver ao menos um comerciante como sócio, o qual conferiria esta sua qualidade de pessoa a toda a sociedade372.

O Código Civil de 1916 é que passa a demonstrar e reconhecer de forma expressa que a existência das pessoas que compõem o quadro societário é distinta daquela da pessoa jurídica, através do seu artigo 20, in verbis: “As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”. Dispositivo semelhante a este, entretanto, não foi trazido para o Código Civil de 2002, mas é possível que se extraia a mesma conclusão de outros artigos.

A Codificação Civil de 1916 passa a dividir as pessoas jurídicas em: de direito público, interno e externo, e de direito privado, classificação esta que ainda vigora com o Código Civil de 2002.

São pessoas jurídicas de direito público, conforme o artigo 41, da Lei Civil vigente, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, autarquias e associações públicas, bem como as demais entidades de caráter público criadas por lei. Em razão dos objetivos delimitados na pesquisa, o presente trabalho não comporta uma análise mais detida quanto a tais figuras.

As pessoas jurídicas de direito privado são, pelo quanto exposto no artigo 44, do Código Civil de 2002, as associações, as sociedades, civis ou empresárias, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos e, por fim, inovação esta trazida com a edição da Lei nº 12.441/11373, as empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI). Dentre estas, as pessoas jurídicas empresárias são as sociedades empresárias e a EIRELI.

A constituição regular das pessoas jurídicas empresárias deve atender aos requisitos estabelecidos no artigo 45, do Código Civil de 2002, cujo tratamento é comum a todas as pessoas jurídicas de direito privado supramencionadas. O registro do ato constitutivo perante o órgão competente é o marco que a lei aduz para que seja reconhecida a personalidade jurídica das mesmas, de modo que seriam concebidas como sujeitos de direito a partir de então. Para o Direito Empresarial, este órgão é a Junta Comercial, pelo quanto previsto no artigo 985, do Código Civil de 2002.

372 FROTINI, Paulo Salvador. Pessoas Jurídicas no Código Civil de 2002. Elenco, remissão histórica, disposições

gerais. Revista de direito mercantil: industrial, econômico e financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 44, n. 137, p. 93-118, jan./mar. 2005, p. 97-100.

373 BRASIL. Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código

Civil), para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12441.htm>. Acesso em: 23 dez. 2016.

Este marco inicial da personalidade jurídica das pessoas jurídicas foi objeto de estudo de José Lamartine Correia de Oliveira. Ao passo em que o autor considera e consegue demonstrar que as sociedades irregulares têm personalidade jurídica, ainda que não tenha efetivado o seu registro ou não o tenham feito devidamente, posto que poderá figurar no polo ativo ou passivo de demandas judiciais e é titular de direitos, pretensões e obrigações374, da mesma forma a pessoa jurídica já existe e tem personalidade jurídica desde os atos intermediários, ou seja, quando está em fase de constituição, pois em ambos os casos já haveria capacidade de direito, ainda que a lei preveja certas limitações a esta375.

Também a personalidade jurídica conferida às sociedades é aspecto pacificado na doutrina, nacional e internacional, tendo em vista que há casos em que se entende não haver personalidade jurídica. Há países, como a Alemanha, que não atribuem personalidade jurídica a determinados tipos societários, tais como a sociedade em nome coletivo e em comandita simples, considerando-as como um condomínio entre os sócios376. É possível notar que os tipos

societários nesta situação possuem sócios com responsabilidade ilimitada. Situação análoga é percebida nos ordenamentos francês e inglês.

O ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, reconhece a personalidade jurídica das sociedades em nome coletivo e em comandita simples. A questão controvertida pela doutrina nacional refere-se às sociedades em comum e em conta da participação, localizadas no Subtítulo I, “Da Sociedade Não Personificada”, do Livro do Direito de Empresa do Código Civil de 2002377.

É possível compreender que não haveria personalidade jurídica para estas sociedades, por mais que existentes enquanto sociedades, tendo em vista que não atendem ao requisito do artigo 44, do Código Civil, além de as demandas serem movidas contra os próprios sócios378.

Em sentido oposto, José Lamartine Correia de Oliveira defende que as sociedades irregulares têm personalidade jurídica, como já exposto, pois o Código de Processo Civil de 1973 permitia que estes entes fossem parte em processos judiciais, regra esta que foi mantida na Lei Processual Civil de 2015, bem como por terem poderem figurar em diversas relações jurídicas379.

374 OLIVEIRA, José Lamartine Correia de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 240-

241.

375 Ibidem, p. 249.

376 MARTINS, F., 2009, p. 191.

377 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código

Civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016b, p. 171.

378 MARTINS, F., 2009, p. 192. 379 OLIVEIRA, J., op. cit., p. 236.

As sociedades cujos sócios têm responsabilidade limitada pelas obrigações sociais não são foco de divergências doutrinárias. São pessoas jurídicas com personalidade jurídica própria. O mesmo pode, então, ser afirmado com relação à EIRELI, com base nos fundamentos supramencionados.

Para esta pesquisa, não há relevância em si na compreensão do momento em que surja a personalidade jurídica da sociedade empresária ou tampouco quanto ao reconhecimento desta para determinados tipos. O que importa compreender, a partir da compreensão de que há espaço para a autonomia das partes na constituição de sociedades empresárias e os limites para que não se configure a simulação é que, caso esteja ocorra, sequer houve personalidade jurídica ou ainda a existência de uma pessoa jurídica. Isto porque o ato é nulo, conforme já aduzia José Lamartine Correia de Oliveira380.

Ou seja, não se pretende adentrar na discussão se o ato que originou a sociedade, seja por escrito ou verbal, registrado ou não, irá conferir-lhe personalidade jurídica ou capacidade de direito, mas sim se a vontade para tanto estava viciada pela simulação e, portanto, afronta o sistema legal pátrio. Constatada a simulação, o referido ato é nulo e deve-se investigar se há algum negócio jurídico dissimulado, conferindo os devidos efeitos ao que se pretendeu encobrir.