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3 A INVALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CONTRATUAIS POR

4.3 A DISTINÇÃO DOS EFEITOS DA SIMULAÇÃO DAS OU NAS SOCIEDADES

4.3.2 Comparação entre os efeitos jurídicos práticos da desconsideração da personalidade

4.3.2.1 Premissas teóricas

A desconsideração da personalidade jurídica será aplicada sempre que se constate uma determinada situação específica, um caso concreto, que não leva à exclusão do sócio ou ao reconhecimento da nulidade da sociedade. Com a sua aplicação, é possível que determinado credor tenha seu crédito satisfeito através do patrimônio pessoal do sócio que deu causa a alguma das hipóteses legais.

Ou seja, a desconsideração da personalidade jurídica é instrumento que viabiliza o excepcional alcance a patrimônio pessoal do sócio, desde que presentes os requisitos legais necessários, e por isso não deve se confundir com os efeitos específicos de outros institutos.

Para esta pesquisa, compreende-se que o instrumento da desconsideração da personalidade jurídica será utilizado sempre que verificadas as hipóteses da regra geral que o prevê, o artigo 50, do Código Civil de 2002. Desse modo, deve haver o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial para que o sócio seja pessoalmente responsabilizado, e não apenas, por exemplo, a constatação de fraude contra credores, que tem seus efeitos jurídicos próprios para tutelar o direito do credor, conforme vem sendo defendido.

Raimundo M. B. Carvalho sintetiza que consiste “em desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, no caso concreto, [...], toda vez que a pessoa jurídica tiver sido deliberadamente utilizada com fins contrários ao direito” 444.

Diante deste conceito, cumpre rememorar o conceito de despersonalização apresentado por Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho, para que seja promovida a distinção conceitual entre esta e a desconsideração da personalidade jurídica.

Conforme já elucidado nesta pesquisa, a despersonalização sempre será definitiva e seus efeitos devem emanar para todas as relações jurídicas estabelecidas com a pessoa jurídica até então existente. É importante ainda verificar, caso a caso, eventuais direitos de terceiros de boa- fé e, conforme a viabilidade, preservá-los ou indenizá-los pelos danos sofridos, conforme já apresentado quando se tratou especificamente da simulação.

A desconsideração da personalidade jurídica, de outro modo, é pontual e ocorre de forma provisória. A autonomia subjetiva da pessoa jurídica perante as pessoas naturais que a compõem é preservada, sem que haja a extinção do ente coletivo personalizado445. Esta

autonomia e distinção de personalidades apenas seria afastada temporariamente por ocasião de um fato concreto em que sejam preenchidos os requisitos necessários.

Sabe-se que a simulação poderá ser uma das causas de despersonalização da sociedade empresária, a depender da forma como se configure. Desse modo, é possível concluir que os institutos da desconsideração da personalidade jurídica e da simulação não se confundem, ou seja, as situações que ensejem cada um destes são distintas, bem como os seus requisitos e efeitos jurídicos são diversos.

Contudo, os institutos não se excluem e há situações em que ambos estarão presentes, diante de uma sequência de atos jurídicos praticados. Isto poderá ocorrer de duas formas diversas. Uma se dará porque a desconsideração da personalidade jurídica é instrumento e a prática de um ato simulado poderá se adequar a uma das hipóteses que ensejam a sua aplicação. Outra é quando o reconhecimento da simulação revelará se é o caso ou não de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, de modo a apresentar aquele que deve ser responsabilizado.

No primeiro caso, tal fato ocorrerá sempre que este abuso da personalidade jurídica da sociedade empresária venha a se dar através de um ato simulado, sendo esta uma distinção de

444 CARVALHO, Raimundo M. B. Da responsabilidade dos sócios por dívidas da sociedade: sociedade anônima

e por cotas de responsabilidade limitada. Revista de direito mercantil: industrial, econômico e financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 28, v. 73, p. 22-38, jan./mar. 1989, p. 35, grifo nosso.

extrema importância para a pesquisa. Esta constatação é importante para que se compreenda em que patamar estão ambos os institutos e o correto recurso a cada uma delas.

Assim, caso o abuso da personalidade jurídica, por ato que se adeque à prescrição do artigo 50, do Código Civil de 2002, ocorra através de uma simulação, além da nulidade do ato em si, poderá se recorrer à responsabilização pessoal do sócio que desencadeou tal situação. Esta seria uma das hipóteses em que a simulação serve de respaldo para aplicação da teoria excepcional da desconsideração da personalidade jurídica, desde que a simulação não esteja relacionada com o ato constitutivo da sociedade em si e de que tanto o ato simulado quanto o dissimulado, no caso da relativa, sejam realizados em nome da própria sociedade empresária.

Aquele que venha a realizar atos jurídicos simulados em nome da sociedade empresária, promovendo confusão patrimonial, o que revela o abuso da personalidade jurídica, deve ser responsabilizado diretamente. Um exemplo de simulação absoluta em que haja a confusão patrimonial é quando os sócios simulem a transferência de bens, sem que tal se efetive, com o intuito de benefício próprio através do argumento da separação patrimonial.

É possível ainda que os atos simulados, ou até mesmo os dissimulados, conduzam a um desvio da finalidade da pessoa jurídica. Por exemplo, em nome da pessoa jurídica, de forma simulada e vindo a abusar da sua personalidade própria, os sócios dissimuladamente firmam determinados negócios jurídicos que não possuem qualquer relação com a finalidade da sociedade empresária.

Neste sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região tem proferido reiteradas decisões em que entende ser a simulação uma das formas de desvio de finalidade da pessoa jurídica, que ensejaria a desconsideração da personalidade jurídica446.

Contudo, é importante ressaltar que o total desvio de finalidade, diverso daquilo que está prescrito no artigo 50, do Código Civil de 2002, significa a simulação da sociedade o que significa dizer que esta é nula. Isto porque não está sendo executado o objeto social expressamente previsto no ato constitutivo, o que demanda a análise do tipo de simulação que está sendo praticado e quais efeitos decorrem disso.

De outro modo, cabe a ressalva que de não é qualquer ato simulado praticado pela sociedade que possibilitará o recurso à desconsideração da personalidade jurídica, mas apenas

446 “AGRAVO DE PETIÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIRO: INEXISTÊNCIA DE DESCONSIDERAÇÃO

DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA EXECUTADA: IMPOSSIBILIDADE DE PENHORA DE BENS DOS SÓCIOS: INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FRAUDE OU SIMULAÇÃO (DESVIO DE FINALIDADE) OU DE INDEVIDA TRANSFERÊNCIA PATRIMONIAL (CONFUSÃO PATRIMONIAL): DESCABIMENTO. Agravo de petição conhecido e desprovido.” Cf. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 10ª Região. Apelação nº 1355200900710002/DF. Relator: Desembargador Alexandre Nery de Oliveira, Data de Julgamento: 12/12/2012, Data de Publicação no DEJT: 15/02/2013.

aqueles que configurem o abuso da personalidade jurídica através do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial.

Por fim, conforme a segunda possibilidade exposta, há as situações que demandam a aplicação em conjunto dos efeitos da simulação e da desconsideração da personalidade jurídica. Exemplifica-se esta hipótese ora apresentada com a seguinte situação. Pessoa X figura como sócio aparente da sociedade A, em que é sócio real a Pessoa Y, que por razões específicas não tem a intenção de estar aparente nesta pessoa jurídica, apesar da sua real vontade e atuação serem a de ser sócio. Em um determinado episódio, X, conforme orientações de Y, pratica de ato que configura como exata hipótese de abuso da personalidade jurídica da sociedade.

Esta sequência de atos, ao serem aplicados os institutos da simulação e da desconsideração da personalidade jurídica, irão desencadear na responsabilização pessoal de Y. Assim, no caso concreto, estão configuradas hipóteses que ensejam o reconhecimento da simulação e a aplicação do artigo 50, do Código Civil de 2002, de modo que sejam produzidos os seus respectivos efeitos.

Conclui-se, portanto, que não se excluem de forma automática, e esta não é a crítica que se pretende fazer com a presente pesquisa. O que se pretende afastar é a aplicação indiscriminada da desconsideração da personalidade jurídica em casos de evidente simulação, o que acarreta na designação de efeitos jurídicos equivocados, com base nas críticas apresentadas no tópico anterior sobre tal teoria.

Neste sentido, leciona Irena Carneiro Martins447, ao expor que em muitos casos pode ter mesmo ocorrido simulação, faz a seguinte crítica, que reflete o mesmo entendimento adotado nesta pesquisa:

Ao socorro de eventuais críticas às dificuldades probatórias da simulação, por exemplo, e por conta de tal dificuldade optar, por leviandade ou simplicidade, pela aplicação da desconsideração da personalidade jurídico, Fábio Konder Comparato (1983, p. 258) expõe a admissibilidade de se comprovar a simulação ‘no curso do processo por meio de indícios e circunstâncias’ diferentemente do que seria admissível no processo penal.

Deve-se primar pelo devido processo legal, para que haja a correta constatação da situação posta e aplicação dos efeitos correlatos. O que não se pode admitir é o fato de que a mera intenção de executar patrimônio do devedor seja o motivo determinante para se desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade empresária448.

447 MARTINS, Irena Carneiro. A importância da limitação da responsabilidade de sócios e da delimitação da

responsabilidade de administradores para as relações econômicas no ordenamento brasileiro. 2008. 150 f.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. p. 94.

É o exemplo da constituição de nova pessoa jurídica com a única e exclusiva intenção de encobrir ato ilícito que seria imputada à pessoa jurídica anterior, vindo a responsabilizá-la. Assim, considerando que não foi detectado qualquer outro fato que despertasse a vontade de constituir nova pessoa jurídica nos sócios, entende-se que não houve a prática de ato jurídico conforme a autonomia privada, mas uma manifestação de vontade dissonante da real intenção das partes. Portanto, deve ser reconhecida a nulidade do novo ato jurídico.

Desse modo, reconhecida a simulação, necessário que se investigue se há negócio jurídico dissimulado e qual o motivo para estar sendo encoberto, para então serem analisados os efeitos próprios que serão desencadeados.

Todo o estudo realizado, em consonância com os princípios constitucionais apresentados e que devem ser aplicados no âmbito civil, demonstra que não se deve dar espaço à aplicação arbitrária dos institutos que, apesar de darem mais trabalho ao julgador, possuem respaldo legal. Nesta pesquisa entende-se que o fim não deve justificar o meio.

A devida compreensão dos institutos analisados nesta pesquisa é também o que permite conferir o espaço real para a autonomia privada, posto que ao se afastar estas decisões arbitrárias e precipitadas, não se estará valorizando apenas a satisfação de créditos, mas os elementos do ordenamento jurídico como um todo. É este espaço de atuação livre do empresário que deve ser protegido e que é o objeto desta pesquisa.

Conclui-se, então, que deve ser analisado, caso a caso, quais institutos e respectivos instrumentos devem ser utilizados, sempre com enfoque em qual medida será mais eficaz. Assim, caso a despersonalização seja medida drástica, posto que o ato constitutivo é lícito e o objeto social indicado neste vem sendo executado regularmente, e esteja configurado o abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, ainda que se dê por simulação de um único ato jurídico praticado, é necessário que se recorra à desconsideração da personalidade jurídica.

Defende-se que o afastamento episódico da eficácia da personalidade jurídica não deve ter as suas hipóteses alargadas, pois nem sempre será o melhor recurso diante de um ato ilícito. É o caso em que a despersonalização é a medida eficaz, pois o ato constitutivo é simulado, nem o objeto social exposto será executado, pois esta não é a vontade das pessoas que fizeram parte deste negócio jurídico. Reconhecida a simulação do negócio jurídico, verifica-se que há uma resposta específica no ordenamento jurídico, que não pode ser afastada em privilegio de uma situação excepcional que não será eficaz.