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As mudanças no modo de ver TV

No documento barbaragarridodepaivaschlaucher (páginas 69-74)

3.2 TELEVISÃO, TELEJORNALISMO E CONVERGÊNCIA:

3.2.1 As mudanças no modo de ver TV

Conforme ressaltado anteriormente, com acesso mais rápido e fácil a uma quantidade abundante de informação, o comportamento do público passa por mudanças profundas. Nesse contexto de contínua transformação da sociedade, que dialoga com a televisão e seus referenciais, surge a necessidade de adaptações nas formas de produção e apresentação de conteúdos na TV, além da criação de novas maneiras de interpelar e se aproximar do público. O aumento da velocidade do fluxo de informações, aliado à possibilidade do próprio usuário desenvolver seu próprio conteúdo e acessar o conteúdo de outros usuários trouxeram um certo receio [...]. No rádio e na televisão, as adaptações aos novos tempos foram perpetradas para manter cativa a audiência que cada vez mais se tornava esparsa e fragmentada (SILVA; ROCHA, 2010, p. 197-198).

De acordo com Temer (2010), estar em frente à TV, atualmente, já não significa assistir à televisão. A telinha pode ser usada para ver filmes, séries antigas digitalizadas, jogar

29 Dados apresentados em matéria veiculada no dia 31/08/2012 no Jornal da Globo. Os números foram

divulgados pela Fundação Getúlio Vargas. Disponível em http://g1.globo.com/jornal-da- globo/noticia/2012/08/fgv-diz-que-512-dos-brasileiros-estao-conectados-ao-mundo-digital.html. Acesso em 01/08/2013.

vídeo game, etc. Do mesmo modo, não precisamos de um aparelho de TV para ver televisão, pois ela “está na Internet e no celular e, estando neles, está em todos os lugares. Essas mudanças, é claro, estão gerando mudanças na relação da televisão com o seu público, e tornam o futuro incerto para a televisão e seus produtos” (TEMER, 2010, p. 101-102).

Nesse cenário de dúvidas, incertezas e apostas, é comum nos depararmos com declarações do tipo “a televisão está acabada”, “a Internet é o futuro” e inicia-se uma nova “era pós-televisão”, onde o veículo de comunicação de maior alcance no globo “não faz mais diferença”, “não domina mais”, “perdeu sua identidade”. Essa perspectiva catastrofista é contestada por Tobey Miller (2009, p. 18), para quem a oposição entre TV e internet seria um equívoco na medida em que esta seria apenas mais uma forma de ver televisão. Para o autor seria o modo de assistir os conteúdos televisivos que estaria em mudança.

Imaginar a Internet em oposição à televisão é bobagem; ao contrário, ela é apenas mais uma forma de enviar e receber a televisão. E a TV está se tornando mais popular, não menos. Suspeito que estamos testemunhando uma transformação da TV, ao invés do seu falecimento. O que começou, na maioria dos países, como um meio de comunicação de transmissão nacional dominado pelo Estado, está sendo transformado em um meio de comunicação internacional a cabo, via satélite e Internet, dominado pelo comércio (MILLER, 2009, p. 22)

Manuel Castells (2009) também apresenta uma abordagem que se aproxima da visão de Miller (2009). Para ele, a TV segue viva e bem, permanecendo o meio de comunicação de massa mais importante do início do século XXI. Mas, também, chama a atenção: “embora a televisão ainda seja o meio de comunicação de massa dominante, o veículo foi profundamente transformado pela tecnologia, pelo mercado e pela cultura” (CASTELLS, 2009, p. 60, tradução nossa)30

.

Alguns dados corroboram o cenário suscitado pelos dois autores: ainda que os brasileiros consumam 20 horas semanais de programação televisiva, o contato com o conteúdo veiculado se dá não só por este meio de comunicação, mas também a partir de outros suportes. Os dados são do estudo “Barômetro de Engajamento de Mídia”31, realizado

globalmente pela Motorola Mobility em 2013. A pesquisa revela o fenômeno da “convergência multitelas”, ou seja, a utilização de smartphones, tablets, notebooks, computadores, entre outros aparelhos, para acesso ao material televisivo e outros conteúdos complementares.

30 “although television is still the dominant medium of mass communication, it has been profoundly transformed

by technology, business and culture […]” (CASTELLS, 2009, p. 60).

31Disponível em http://www.telaviva.com.br/15/04/2013/brasileiro-consome-20-horas-semanais-de-

Sendo assim, ver TV tornou-se para muitos uma experiência multitarefa: em uma sociedade onde a presença cada vez mais intensa de novas tecnologias digitais, somada ao processo de convergência midiática, promove interfaces com elevado potencial de interatividade, interação, socialização e interconexão, assistir à televisão passa a ser um hábito associado a outras atividades simultâneas, como o uso do computador (MATTOS, 2010b; TEMER et al., 2010).

Sensíveis às transformações nos hábitos de consumo de mídia dos telespectadores/usuários, Cristiane Finger e Fábio Canatta de Souza (2012) discutem uma nova forma de ver TV. Para isso, os autores lançam mão de dois conceitos fundamentais para a compreensão das mudanças nos modos de consumo e produção de conteúdos televisivos. Em conjunto com o processo de portabilidade/mobilidade, quando assistir à televisão ultrapassa os limites do espaço doméstico e se estende para as ruas, seja no ônibus ou na fila do banco, está o fenômeno da segunda tela.

No primeiro caso, a implantação da TV Digital no Brasil permite que a programação da TV aberta seja acompanhada em qualquer lugar e a qualquer momento, sem custos adicionais, em princípio (FINGER, 2013). Já a segunda tela, de acordo com Finger e Souza (2012), pode ser qualquer dispositivo com acesso à internet, usado de forma simultânea à programação da TV. Para os autores, a navegação paralela permite o consumo de conteúdos que complementam a experiência televisiva e a interação com outras pessoas. Nesse contexto, “a possibilidade de interação entre telespectadores pela internet através da segunda tela em torno de um conteúdo comum exibido pela televisão torna a experiência de assistir TV mais complexa e atraente” (FINGER; SOUZA, 2012, p. 7).

O conceito de segunda tela está intimamente relacionado ao de “TV Social”. Para além da experiência de engajamento da audiência em relação aos conteúdos veiculados, há o incentivo à habilidade de compartilhar e conversar com nossa comunidade enquanto vemos TV (FINLEY, 2013 apud MACHADO FILHO, 2013).

O certo é que a segunda tela [...] É um dispositivo que amplia a experiência do usuário e, no caso da TV aberta, evidencia uma característica da televisão que parecia estar se perdendo. A TV sempre foi um veículo social, com um papel claro dentro de uma sociedade, seja para informação, entretenimento ou exercício da democracia. A programação da TV sempre gerou conversas, ações e engajamentos sociais e, desde seu início, foi um veículo para ser assistido com a família, amigos ou espaços públicos. Com o barateamento dos aparelhos de TV, a televisão por cabos, a internet e, agora, os dispositivos móveis, tinha-se a impressão de que a televisão seria obrigada a deixar de ser um veículo generalista e caminhar para a personalização do seu conteúdo. Mas, utilizados de forma estratégica, os dispositivos de segunda tela estão se mostrando muito eficazes em recuperar essa característica social da televisão e o ato de se consumir uma programação (MACHADO FILHO, 2013, p. 85).

É exatamente isso que observamos em relação à televisão na era digital. Sua função de laço social, conforme teoriza Dominique Wolton (1996), ganharia mais força no contexto das comunidades de experiência, conceito proposto por Edson Dalmonte (2008), a ser retomado a seguir. A predominância da TV aberta está relacionada ao seu poder de gerar conversação, “falamos entre nós e depois fora de casa”, de modo que o mais importante não é aquilo que se vê, mas o falar sobre isso. É dessa forma que a televisão se constitui enquanto um laço social em uma sociedade individualista de massa. A TV promove o religamento dos níveis da experiência individual e da coletiva. Em outras palavras, trata-se de uma atividade coletiva experimentada individualmente (WOLTON, 1996, p. 16).

A coesão social possibilitada por meio da fruição simultânea de seus conteúdos – que, por sua vez, oferecem uma imagem e representação acerca da sociedade em que os telespectadores estão inseridos, desencadeando processos de identificação e pertencimento – é potencializada com a chegada das mídias sociais, e não ameaçada.

Tendo em vista a internet e os meios de comunicação digitais enquanto lugares promotores de novas dinâmicas sociais que têm reflexos no relacionamento do público com as mídias tradicionais, concordamos com Dalmonte (2008) quando esse ressalta as comunidades online como um local onde surgem novas rotinas coletivas de percepção, de tratamento da informação e de ação (GENSOLLEN, 2005 apud DALMONTE, 2008).

No momento em que o hábito de ver TV está cada vez mais atrelado ao uso da segunda tela, fato é que as comunidades online proporcionam uma extensão significativa do processo de recepção do conteúdo televisivo, possibilitando a troca de informações e a construção de sentidos, para além de sua conformação como um espaço de crítica, apropriação, produção e circulação de conteúdos, não mais restrito a esfera de contato imediata dos sujeitos.

No levantamento feito pela Motorola Mobility, constatou-se que 62% do total de entrevistados em 17 países assiste a conteúdos em tablets, smartphones ou desktops, sendo filmes (43%), notícias (36%) e telenovelas (34%) os mais acessados. Além disso, o estudo aponta que as redes sociais mudaram a experiência de ver televisão, revelando um potencial para o uso da mídia social enquanto uma forma de aprofundar ainda mais a interação entre os públicos, já que 78% da amostra estaria interessada em associar seu perfil de rede social a um serviço de TV para compartilhar o que está assistindo e aumentar a discussão sobre a programação em tempo real.

Este processo é reforçado quando as próprias emissoras, em especial os telejornais, nosso foco de reflexão, abrem espaço em suas páginas na internet para comentários, fóruns de discussão e também para a participação do público na seleção, apuração, produção e divulgação de seus produtos. Assim, estabelece-se uma relação de maior proximidade entre produtores e telespectadores/usuários, sendo que as comunidades de experiência assumem papel de destaque graças às trocas que geram vínculos, identificação, novas discussões e, consequentemente, maior visibilidade para o produto.

Nesse cenário, a audiência tem a chance de participar do processo comunicativo de forma supostamente mais ativa: o “indivíduo é valorizado pela experiência obtida”, seja quando manda sugestões, vídeos e comentários ou, quando em uma comunidade virtual, propaga sua leitura de determinada informação, prolongando o perímetro do produto e ampliando a comunidade de experiência (DALMONTE, 2008).

É no interior de comunidades de experiência que tais mudanças podem ser observadas. A produção de conteúdos, a partir de determinado produto cultural, resulta da interação entre indivíduos, o que colabora para que o perímetro de tal produto seja ampliado, em virtude das trocas de informações geradas. Já não compete apenas à instância de produção determinar, ou tentar orientar, um tipo de abordagem a um produto. Passa a ser determinante a impressão do leitor/consumidor, o que abre novas possibilidades para que a instância de reconhecimento se posicione. [...] Essa nova relação do leitor com o produto informacional só é possível graças à dinâmica das novas mídias, cuja base, a partir do processo de digitalização, está numa interface inteiramente inovadora. Para Manovich (2005), essa é a principal característica das novas mídias, pois os dados digitais podem ser manipulados mais facilmente, tendo no processo de automação seu elemento basilar. Pensar a comunicação [...] requer um empenho para se observar um reordenamento dos papéis das instâncias de produção e recepção/consumo. No tocante à esfera destinatária, esse processo de automação confere maior implicação do consumidor, que já não é um mero receptor, visto que colabora com o processo de feitura da narrativa (DALMONTE, 2008, p. 159-160).

Ainda que as tentativas de promover uma relação de maior proximidade com o público – com destaque para os jovens – se dêem nos moldes estabelecidos pelos próprios telejornais – isto é, sejam limitadas pela linguagem, pelo formato e pela natureza do veículo – as possibilidades de interação e inclusão oferecidas hoje apontam para um cenário em transformação no qual o direito de participar exigido por uma nova geração de telespectadores começa a ser ouvido, ou narrado pelas emissoras como se isso ocorresse, ao menos.

Vivenciamos uma fase de transição, em que a juventude seria um prenúncio da audiência que está por vir e, no caso do presente estudo, os futuros profissionais da informação. Nesse sentido, somente um olhar crítico sobre o modo como o conteúdo telejornalístico é experimentado por esses sujeitos será capaz de apontar os problemas e as mudanças nos conteúdos veiculados e as tendências no que se refere à linguagem, aos

formatos e às narrativas. A seguir, refletiremos acerca das mudanças, ainda que sutis, observadas nos jornais audiovisuais brasileiros.

3.2.2 Em busca de um lugar ao sol: as estratégias adotadas pelos telejornais na era

No documento barbaragarridodepaivaschlaucher (páginas 69-74)