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O Jornal Nacional como paradigma e o lugar social do telejornalismo

No documento barbaragarridodepaivaschlaucher (páginas 59-64)

3.1 ENTRETER, EDUCAR E INFORMAR: O DESENVOLVIMENTO

3.1.2 O Jornal Nacional como paradigma e o lugar social do telejornalismo

Foi justamente em um período de restrições que o desenvolvimento da televisão aconteceu. Conforme ressaltado anteriormente, o governo militar deu início ao processo de ampliação e modernização do sistema de telecomunicações brasileiro, implantando a infraestrutura necessária para o surgimento e a expansão das redes de televisão, que adquiriram abrangência nacional e influência no mercado publicitário (MATTOS, 2010a).

Os avanços tecnológicos possibilitaram a criação do Jornal Nacional (JN), que foi transmitido ao vivo pela primeira vez no dia 1º de setembro de 1969 para as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre. Guilherme Rezende (2010) ressalta em seus estudos o discurso emblemático da emissora sobre seus objetivos ao lançar um telejornal de alcance nacional: “vamos lançar um telejornal para que 56 milhões de brasileiros tenham mais coisas em comum. Além de um simples idioma” (VEJA, 1969 apud REZENDE, 2010, p. 60).

Os primeiros apresentadores do JN foram Hilton Gomes e Cid Moreira. Na edição de estreia do telejornal, que foi ao ar às 19h45, Hilton Gomes anunciou: “O Jornal Nacional, da Rede Globo, um serviço de notícias integrando o Brasil novo, inaugura-se neste momento: imagem e som de todo o país". E Cid Moreira encerrou a transmissão: "É o Brasil ao vivo aí na sua casa. Boa noite" (GLOBO, 2013)17

.

Um dos destaques e diferenciais do noticiário era o rigor em seu planejamento, inaugurando um novo modelo de telejornalismo, voltado para o profissionalismo e para a busca de um alto padrão de qualidade. Além disso, o telejornal inovou em sua narrativa, ao exibir matérias testemunhais, ou seja, ao veicular falas de entrevistados junto ao texto dos repórteres (GLOBO, 2013)18. Em seu site na internet, a Rede Globo afirma, ainda, que as

matérias apresentadas no “Jornal Nacional” deveriam despertar o interesse de toda a população brasileira.

Como o Jornal Nacional foi o primeiro telejornal em rede, a ser exibido em todo o país, a equipe de jornalismo da TV Globo teve que desenvolver o conceito de noticiário nacional, que não existia até então na televisão brasileira. As matérias

17 Informações obtidas no site www.globo.com/jornalnacional, no link História. Acesso em 27/11/2013. 18

Tal “inovação” se tornou possível graças à aquisição e ao uso do videoteipe. Mais uma vez, os avanços tecnológicos propiciam as condições para a busca de novas formas de se narrar os fatos.

apresentadas deveriam ser de interesse geral e não regionais ou particularistas. Os assuntos selecionados tinham que atrair a atenção de todos os telespectadores, tanto os de Manaus quanto os de Porto Alegre. Era necessário ainda não superdimensionar uma praça em detrimento de outra, tendo noção de como as notícias poderiam repercutir nos diferentes estados. Num país de dimensões continentais e com tantas diferenças regionais como o Brasil, esta não era uma tarefa fácil e a equipe de jornalismo teve que ir aprendendo aos poucos (GLOBO, 2013, grifo do autor). Ainda que o regime ditatorial impusesse limitações, os avanços não se cessaram: em 1971, o teleprompter19 passou a ser utilizado pelo jornalismo da Globo e, dois anos depois,

houve a primeira transmissão em cores do JN. Em 1976, a emissora já considerava concluído o processo de construção de uma linguagem televisiva, graças à tecnologia que permitia ao jornalista ser testemunha e mostrar os acontecimentos, em vez de apenas “dizer” o que havia presenciado. Segundo a Globo, foi a partir daquele ano que o repórter passou a acumular as funções de produtor e apresentador de suas próprias matérias, tornando-se uma das peças mais importantes do telejornalismo da emissora (GLOBO, 2013). Além disso, a agilidade garantida pelo estilo “manchetado”20 do texto deu ritmo às noticias veiculadas pelo JN, curtas e fáceis

de serem absorvidas pelo telespectador.

Tudo isso contribuiu para a consolidação do Jornal Nacional como “uma referência seguida pelas demais emissoras de televisão, que passaram a também investir em reportagem externa e no estabelecimento de programas jornalísticos diários” (COUTINHO, 2012, p. 63).

Foi entre 1975 e 1985 que a televisão brasileira viveu sua terceira fase, caracterizada pelo desenvolvimento tecnológico, pela padronização da programação televisiva em todo o país e pela sofisticação do conceito de rede de televisão21. Vale ressaltar que em

1978, com a revogação do Ato Institucional nº5 pelo presidente Ernesto Geisel, teve fim a censura prévia aos noticiários. No final dessa terceira fase, existiam outras três redes

19 Teleprompter é um equipamento acoplado às câmeras filmadoras que exibe o texto a ser lido pelo

apresentador.

20 Segundo William Bonner, atual apresentador e editor-chefe do Jornal Nacional, em entrevista à pesquisadora

Iluska Coutinho (2012), o telejornal só usaria, desde o início de sua gestão, manchetes na escalada de abertura do programa e nas chamadas de passagens de bloco. Entretanto, até os dias atuais, o JN é alvo de críticas de diversos pesquisadores por veicular unidades de informação extremamente curtas e individualizadas, de modo a não permitir uma compreensão total das situações e dificuldades vividas pela sociedade.

21 Sérgio Mattos (2010a) classifica o desenvolvimento da televisão no Brasil em sete fases. Além das três

primeiras, trabalhadas nesse capítulo, ressaltamos a Fase da transição e da expansão internacional (1985-1990), quando se intensificam as exportações de programas; a Fase da globalização e da TV Paga (1990-2000), quando tem início o processo de fragmentação da audiência; a Fase da convergência e da qualidade digital (2000-2010), com os avanços tecnológicos apontando para uma maior interatividade dos veículos, principalmente a televisão com a internet, e quando a TV Digital começa a ser implantada no país; e a Fase da portabilidade, mobilidade, interatividade digital (2010-), com a reestruturação do mercado de comunicação devido à chegada das novas mídias.

comerciais operando em âmbito nacional: Bandeirantes, Manchete e SBT22 (MATTOS,

2010a). “Nenhuma iniciativa, entretanto, ameaçava a supremacia da Globo” (REZENDE, 2010, p. 63). Segundo Guilherme Rezende, a popularidade do “Jornal Nacional” incentivou a expansão do telejornalismo no Brasil.

Nesse sentido, a programação telejornalística se consagra como uma das mais importantes da TV brasileira, principalmente pelo seu importante papel como fonte de informação e conhecimento para milhões de pessoas. Em um país onde a cultura oral é expressiva – a despeito da importância da tradição literária para algumas parcelas da população, ainda que restritas –, e 8,7% da população é analfabeta, enquanto outros 27,8 milhões são analfabetos funcionais23, os noticiários de TV se estabelecem como um lugar de

referência na sociedade brasileira, conforme proposto por Alfredo Vizeu e João Carlos Correia (2008).

Assim como os autores, consideramos o telejornalismo uma forma potencial de conhecimento crítico, cuja principal preocupação seria interpretar o mundo social. Por meio da atividade telejornalística, o cotidiano seria organizado com base nas regras e normas do campo e nas características próprias do meio. Desse modo, os telejornais funcionariam como um lugar de mediação entre os acontecimentos e as notícias, tornando a realidade social mais acessível (VIZEU, 2009).

A posição de destaque ocupada pelos telejornais na sociedade brasileira pode ser confirmada nos dados da pesquisa realizada pela Secom em 2010. Segundo a investigação, o noticiário de TV é o programa mais importante da televisão brasileira para 64,6% da população24

. Logo, podemos estender a função de “laço social”, atribuída à TV, à prática telejornalística.

Hoje, os telejornais ainda são os produtos de informação de maior impacto na contemporaneidade, através do qual a TV cria e procura dar visibilidade a uma experiência coletiva e cotidiana de nação. [...] A TV e os noticiários, nos seus quase sessenta anos de existência, se consolidaram no Brasil como um território simbólico, onde os diferentes grupos sociais experimentam sentimentos de cidadania e pertencimento às sociedades complexas (BECKER, 2009, p. 85).

22 A Rede Record, na época, tinha alcance regional, estando localizada no estado de São Paulo. 23

Atualmente, o índice de analfabetismo é de 8,7% para pessoas com 15 anos ou mais, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2012, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os resultados da pesquisa apontam ainda o indicador aproximado do analfabetismo funcional. A taxa é representada pela proporção de pessoas de 15 anos ou mais de idade com menos de quatro anos de estudo completos. Em 2012, foram contabilizados 27,8 milhões de analfabetos funcionais, o equivalente a 18,3% da população. Dados obtidos na Síntese de Indicadores 2012 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNDA), do IBGE. Relatório disponível em http://loja.ibge.gov.br/produtos-em-destaque/pesquisa- nacional-por-amostra-de-domicilios-pnad-2012-sintese-dos-indicadores-com-cd.html. Acesso em 21/11/2013.

Desse modo, os noticiários de TV se constituem em uma esfera pública de representação potencial de diferentes identidades, atuando no (auto)reconhecimento de seus telespectadores. Em outras palavras, os telejornais assumiriam no Brasil o papel de “esfera pública mediatizada”, tal como conceituado por Wolton (1995). Por meio do telejornalismo se estabeleceria uma “democracia eletrônica”, ou seja, um espaço que oferece, ainda que teoricamente, uma visão mais plural de diferentes posições ideológicas; um palco onde opiniões diversas se confrontam e disputas por hegemonia e visibilidade política, econômica, social e cultural se fazem presentes (COUTINHO, 2002).

Ora, vivemos em sociedades cada vez mais interconectadas, de modo que a existência de mídias que busquem esclarecer e explicar o mundo se faz extremamente necessária. Assim, os (tele)jornalistas, ao encontrar, digerir e disseminar informações contribuiriam para “a percepção do mundo da vida” e ajudariam o público a tomar decisões e formar opiniões (MOORE, 2007; VIZEU, 2009).

Ainda que não seja a única instituição de produção de conhecimento na contemporaneidade, os telejornais apresentam uma elevada capacidade de penetração, podendo levar suas interpretações da realidade a milhões de telespectadores a um só tempo. Vale ressaltar também que a influência exercida pelas formas jornalísticas de representar a realidade por meio da TV vai além do público, sendo capaz de atingir até mesmo outras instituições sociais, como a política, a escola, a Igreja e a família – que antes atuavam com primazia na construção social do mundo em que vivemos (EKSTÖM, 2002).

A partir dessas constatações, corroboramos o entendimento do telejornalismo como um lugar de referência para o seu público. Atuando como um espaço que oferece informação não só sobre o ambiente que nos cerca, mas também sobre o mundo que foge de nosso contato pessoal, os noticiários de TV representam um “lugar” para a população brasileira, assim como a família, os amigos, a escola, a religião e o consumo (VIZEU; CORREIA, 2008).

Nesse sentido, ao construir narrativas abrangentes e de amplo alcance sobre o espaço social e o cotidiano, os telejornais oferecem uma espécie de background compartilhado por milhões de telespectadores, ajudando-os a se perceberem enquanto sujeitos e a reconhecerem o seu lugar social e o lugar do Outro por meio de processos de identificação. É dessa forma que os jornais audiovisuais se consolidam como “conselheiros” que guiam os brasileiros em seu dia-a-dia e os ajudam na solução de conflitos.

Sendo assim, muitas vezes, é por meio da prática telejornalística que se torna possível a difusão de informações e saberes que jamais seriam experimentados pelos telespectadores de outra maneira (EKSTRÖM, 2002). É nesse sentido que Alfredo Vizeu (2009) caracteriza o telejornalismo como um lugar de referência – uma instituição cujo conhecimento socialmente produzido é capaz de reduzir a complexidade nas sociedades contemporâneas, organizando o mundo e o tornando mais compreensível.

Vizeu (2009) cita funções inerentes à prática (tele)jornalística que contribuiriam para tal processo: a exotérica, a pedagógica e a de familiarização. A primeira corresponde à preocupação dos jornalistas em tornar temas, expressões e termos, muitas vezes específicos de uma determinada área, acessíveis ao público. A função pedagógica diz respeito à busca por uma abordagem mais didática dos fatos, como se o repórter atuasse de modo a orientar o telespectador na solução de problemas do dia-a-dia. Por fim, a função de familiarização teria como objetivo tornar temas que não são do cotidiano da audiência mais próximos dos telespectadores.

Nesse estudo, consideramos importante ressaltar o lugar do público no telejornalismo brasileiro. Acreditamos que atrair a audiência para os noticiários de TV seria de grande importância para as empresas de comunicação no que diz respeito não só à busca desesperada por audiência, mas também à legitimação do conteúdo veiculado. Orientar, familiarizar e emocionar o telespectador – por meio de uma narrativa dramatúrgica – são funções/aspectos característicos do produto em questão e que, mais do que isso, são utilizados de maneira estratégica a fim de atingir o público e estabelecer uma relação de identificação e confiança entre este o telejornal.

Conforme ressaltado no capítulo anterior, constatamos como a audiência é importante para a construção da notícia em televisão. Ela seria o princípio norteador da prática telejornalística, “a própria razão de ser do telejornalismo” (TEMER, 2010, 104), já que seria por meio dela que o conhecimento socialmente produzido e veiculado via telejornalismo ganharia legitimidade (COUTINHO, 2002). Logo,

de nada adianta fazer um bom telejornal se ele não for visto – não conquistar a atenção – do receptor. Para atender ao receptor/consumidor o telejornalismo segue em direção a temas/assuntos que despertam a atenção do público, muitas vezes assumindo a posição de representante não eleito da população [...] (TEMER, 2010, p. 104).25

25 O compromisso com a verdade e com a sociedade faz parte do princípio ético da atividade jornalística, o que

também se aplica à sua expressão na TV. Entretanto, ainda que sua orientação deva ser o interesse público e aquilo que afeta os sujeitos enquanto cidadãos, o campo jornalístico constitui-se enquanto uma atividade comercial que visa o lucro para sua sobrevivência. Sendo assim, a informação seria seu principal produto: na

Nesse sentido, vale ressaltar que, uma vez estabelecida essa relação de identificação e confiança entre jornais audiovisuais e público, os telejornais se tornam atores sociais de destaque, que buscam nos cidadãos representados em suas tramas noticiosas os princípios que validam os conteúdos produzidos e veiculados diariamente.

Entretanto, o telejornalismo brasileiro, desde sua consolidação até os dias atuais, vem passando por transformações. Tais mudanças seriam resultado de um processo que imbricaria sociedade, tecnologia e cultura; os hábitos e perfis dos telespectadores se modificam à medida que novas tecnologias, muitas vezes resultantes de novas dinâmicas socioculturais, possibilitam diferentes formas de comunicação e recepção de informações. Com novas demandas do público e novas possibilidades tecnológicas, o telejornalismo teria que se reinventar para atrair e manter a audiência. A seguir, refletiremos sobre a televisão e os noticiários de TV no atual contexto de convergência midiática, potencializado pelo advento de tecnologias digitais.

3.2 TELEVISÃO, TELEJORNALISMO E CONVERGÊNCIA: MUDANÇAS, MODELOS E

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