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OS JOVENS E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO SÉCULO XXI

No documento barbaragarridodepaivaschlaucher (páginas 83-88)

A vida social pode ser dividida em “múltiplas zonas de experiência”, sendo que cada uma delas apresenta maneiras específicas de linguagens, regras e relacionamentos, conforme aponta Alberto Melucci (1997). Entretanto, o autor ressalta que, atualmente, experimentamos tempos cada vez mais difíceis de medir em função de uma vasta quantidade de imagens em nosso dia-a-dia que nos permite viver tempos variados. Seja nos diferentes ambientes sociais que frequentamos ou nas telas de TV e do computador, as separações entre tempos interiores e exteriores36 estão cada vez mais perceptíveis.

Desse modo, como coloca Melucci, a descontinuidade tornou-se uma experiência comum, sendo que essa relação com o tempo seria vivenciada pelos jovens de maneira mais intensa. Devido a suas condições culturais e biológicas, a juventude seria o momento mais exposto a esses dilemas e conflitos temporais, experimentados como uma “dimensão significativa e contraditória da identidade” (MELUCCI, 1997, p. 8).

36 Segundo Alberto Melucci (1997), tempos interiores seriam aqueles em que cada indivíduo vive sua experiência interna, afeições, emoções. Já tempos exteriores seriam marcados por ritmos diferentes, estando regulados pelas múltiplas esferas de pertencimento de cada indivíduo.

Isso se dá, entre outros fatores, em função de os jovens, consumidores de informação e entretenimento em potencial, estarem mais vulneráveis às mensagens que recebem, inclusive aquelas veiculadas pela mídia, já que sua personalidade ainda está em formação. O fato de essa parcela da população protagonizar as relações com as novas tecnologias e formas de sociabilidade (COUTINHO; MATA, 2010b) incrementa ainda mais esse cenário, fazendo com que esses sujeitos se relacionem de modo diferenciado também com os meios de comunicação tradicionais.

Para o adolescente moderno [...], a relativa incerteza da idade é multiplicada por outros tipos de incerteza que derivam simplesmente dessa ampliação de perspectivas: a disponibilidade de possibilidades sociais, a variedade de cenários nos quais as escolhas podem ser situadas (MELUCCI, 1997, p. 9).

Na era digital, a amplificação das possibilidades sociais e a variedade de cenários evidenciadas por Alberto Melucci estariam elevadas à máxima potência. Segundo o autor, os jovens pertencem a diferentes redes e grupos. Entretanto, trata-se de uma participação mantida por laços frágeis, de modo que o tempo dedicado a cada um deles é reduzido: entrar e sair tornou-se fácil, ainda mais no contexto da internet. Nesse cenário, cresce também o montante de informação que esses sujeitos emitem e recebem diariamente:

Os meios de comunicação, o ambiente educacional ou de trabalho, relações interpessoais, lazer e tempo de consumo geram mensagens para os indivíduos que por sua vez são chamados a recebê-las e a respondê-las com outras mensagens. O passo da mudança, a pluralidade das participações, a abundância de possibilidades e mensagens oferecidas aos adolescentes contribuem todos para debilitar os pontos de referência sobre os quais a identidade era tradicionalmente construída. A possibilidade de definir uma biografia contínua torna-se cada vez mais incerta (MELUCCI, 1997, p. 10).

Entretanto, ressaltamos que a atual geração de jovens já nasceu em meio às inovações tecnológicas, de modo que a linguagem e o ritmo impostos pelos meios digitais são praticamente inerentes ao seu cotidiano – guardadas as devidas proporções no que se refere às possibilidades de acesso. Como bem coloca Jesús Galindo Cáceres (2013), “Somente as gerações da mudança digital podem sentir hoje o que é o trânsito de um cosmos a outro [o do hipermundo]”37

(p. 108, tradução nossa).

Os jovens do século XXI poderiam ser classificados como “nativos digitais”, já que nasceram e se desenvolveram socialmente em um ambiente digital tido como natural.

37

“Sólo las generaciones del cambio digital pueden sentir hoy lo que es el tránsito de un cosmos a outro” (CÁCERES, 2013, p. 108).

Logo, a brecha que separa “migrantes e nativos” tende a desaparecer com o tempo, fazendo com que rupturas e conflitos geracionais deem lugar a uma sociedade digital por completo (CÁCERES, 2013, p. 108). Portanto, o protagonismo juvenil, se observado sob a perspectiva da tecnologia digital, poderia ser considerado temporário, estabelecendo a conjuntura atual como um momento único.

Nesse sentido, hoje, os jovens são os principais atores no contexto das novas Tecnologias de Informação e Comunicação. Soma-se a isso o fato da juventude corresponder a um perfil do consumidor, uma nova fatia de mercado, cujos integrantes passam a ser vistos como cidadãos em função do seu elevado potencial de consumo, conforme ressaltado anteriormente.

Nesse cenário, os novos aparatos tecnológicos e mídias sociais, em sua maioria, são pensados e produzidos para atrair o gosto e as demandas dessa parcela da população, proclamada como uma “elite atualizada e vitoriosa” (KEHL, 2004), que vivencia múltiplos tempos, redes e grupos. Em outras palavras, é a partir da forma de se relacionar com os conteúdos e do ritmo de vida desses consumidores que essa enxurrada de produtos é concebida – ainda que nem todos os jovens possam de fato consumi-los, mas apenas partilhar as imagens e conceitos propagados pela indústria cultural. Seria dessa forma que a juventude assume um papel de protagonista no que diz respeito ao domínio das novas Tecnologias de Informação e Comunicação.

Com o advento das novas tecnologias digitais, a juventude brasileira, ou a geração do século 21, nascida a partir de 1990, passou a ter acesso a uma nova forma de interpretar a realidade, como também mudou a forma de consumir a mídia. As Tecnologias de Informação e Comunicação além de seduzirem os jovens, transformaram-se em um verdadeiro laboratório de criação para os jovens que já nasceram plugados e estão a desafiar os modelos tradicionais (MATTOS, 2010b, p.147)

Acostumados a gerar, distribuir, compartilhar e modificar conteúdos audiovisuais por meio da internet, os jovens passam a migrar dos meios tradicionais para outras mídias. Mesmo com a forte presença da telinha no seu cotidiano, o hábito de ver TV se associa a outras atividades simultâneas, como aquelas relacionadas ao uso de uma segunda tela (FINGER; SOUZA, 2012; MATTOS, 2010b; TEMER et al., 2010). Com novas possibilidades de participação e interação ao seu alcance, essa parcela da população, mais do que qualquer outra, adquire novas formas de se relacionar com a informação, inclusive aquelas veiculadas por meio da televisão – com destaque para o conteúdo jornalístico,

considerado uma forma de conhecimento legitimada pelo público (EKSTRÖM, 2002), até mesmo o jovem.

Em outras palavras, em um cenário onde receptores têm a possibilidade de atuar como produtores e interagir com os conteúdos que recebem, a juventude adquire novos hábitos de consumo, o que se reflete em seu relacionamento com a informação veiculada. Ainda que sua postura já fosse ativa diante do fluxo de informação, hoje, sua relação com os conteúdos envolve desde compartilhamentos online até a produção de vídeos e paródias.

Entretanto, isso não significa que a TV e os conteúdos telejornalísticos deixaram de exercer influência sobre esses sujeitos. Mesmo não sendo a única e nem a principal mediação entre a informação e os integrantes dessa parcela da população, a televisão, segundo Sérgio Mattos (2010b), ainda seria um veículo de socialização entre os jovens, capaz de exibir mitos de beleza e juventude, além de atuar como uma das mais expressivas fontes de orientação do comportamento juvenil.

Porém, esses sujeitos encarariam com mais naturalidade a possibilidade de interagir com a informação audiovisual, criticar, sugerir, compartilhar e produzir conteúdos, fazendo com que seu relacionamento com os meios massivos, com destaque para a TV, seja bastante diferente daqueles estabelecidos até o final dos anos 80 e início dos anos 90. O público jovem seria mais ativo no que se refere ao consumo de informação e não se exporia ao fluxo televisual da mesma maneira que antigamente. Mais do que o controle remoto, ele quer participar ativamente da produção de conteúdos.

Sendo assim, alguns autores apontam que a juventude, muitas vezes, acabaria buscando formas alternativas de acesso ao conteúdo veiculado pela TV, e mesmo na forma de exercer o seu direito à comunicação. De acordo com Coutinho e Mata (2010a, p. 260-261), por exemplo,

Ao acessar os conteúdos jornalísticos disponíveis na página do JN [Jornal Nacional] na internet, por exemplo, os jovens parecem reconhecer a relevância social do telejornalismo, seja como forma de confirmação de uma informação anterior ou ainda como para construção de uma espécie de repertório social. [...] Mas, ao contrário de expor-se ao fluxo televisual, e ao consumo das informações organizadas no tempo da mídia, de acordo com o encadeamento noticioso considerado mais adequado (sob o viés dos adultos-centro), os jovens buscam para si uma posição que não esteja à margem desse processo comunicativo. Ao invés disso, na medida em que é a juventude quem estabelece o que lhe interessa acessar, assim como a ordem e forma de acesso aos conteúdos, busca-se um protagonismo na relação desta com a mídia.

Portanto, essas mudanças apenas evidenciam que a internet vem transformando a televisão – como discutimos no capítulo anterior – e o comportamento do público diante dela,

principalmente da audiência jovem. Conforme destaca Castells (2009, p. 64, tradução nossa), “[...] a televisão continua a ser o principal meio de comunicação, mas sua transmissão e formato estão sendo transformados na medida em que sua recepção se torna mais individualizada38. Nesse cenário, segundo Cáceres (2013), os jovens seriam o objeto de

atenção das intenções dos meios que operam a partir do modelo de comunicação “difusão- dominação”.

Os jovens são os principais habitantes dos serviços de rede social. Ao mesmo tempo, são nativos digitais e os atores sociais, portanto, com maior probabilidade de serem articulados por uma das duas tendências no mundo cibernético: “comunicação dominação” ou “comunicação colaboração”. Eles estão na linha de frente da ação situacional deste confronto. Em uma alta porcentagem, respondem ao condicionamento da sociedade de informações dominante atual, mas, ao mesmo tempo, eles também são a primeira linha de construção rumo a uma comunidade de comunicação possível, emergente e com uma infraestrutura no ciberespaço que a promove e a pode sustentar. [...] O processo civilizatório está em tensão, um vetor indica uma direção e outro vetor indica outra (CÁCERES, 2013, p. 110, tradução nossa).39

Justamente esse olhar sobre a juventude enquanto protagonista na era digital se estabelece como nosso foco de interesse. Como esses sujeitos experimentam a informação jornalística em formato audiovisual em um momento em que vivências e consumo se dão em contextos fragmentados, transitórios e enraizados no tempo presente – cenário proporcionado, em parte, pelas trocas contínuas de mensagens, pela mobilidade midiática e pela convergência dos meios – constitui a nossa principal questão. Antes, porém, discutiremos o lugar dos jovens na mídia televisiva, com destaque para os telejornais.

38 “So, television continues to be a major mass medium, but its delivery and format are being transformed as its

reception becomes individualized” (CASTELLS, 2009, p. 64).

39 “Los jóvenes son los habitantes mayoritarios de los servicios de redes sociales, al mismo tiempo son los

nativos digitales, y por tanto los actores sociales más susceptibles de ser articulados por alguna de las dos tendencias presentes en el cibermundo, la comunicación dominación o la comunicación colaboración. Ellos están en la primera línea de la acción situacional de este enfrentamiento, en un alto porcentaje responden al condicionamiento de la sociedad de información dominante actual, pero al mismo tiempo son también la primera línea de construcción hacia una comunidad de comunicación posible, emergente, y con una infraestructura en el ciberespacio que la promueve y la puede sustentar. [...] El proceso civilizatorio está en tensión, un vector indica una dirección, outro vector indica outra dirección” (CÁCERES, 2013, p. 110).

No documento barbaragarridodepaivaschlaucher (páginas 83-88)