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OS IMPACTOS DA REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA SOBRE O TERRITÓRIO

2.3 OS IMPACTOS DA REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA RECENTE SOBRE O TERRITÓRIO

2.3.3 AS MUDANÇAS NA BASE ECONÔMICA E NO MERCADO DE TRABALHO URBANOS

As principais características do novo regime de acumulação flexível: a transferência das atividades manufatureiras entre regiões, os processos de fusões e diversificação produtiva das corporações e a crescente importância do capital financeiro estão alterando consideravelmente a base econômica das cidades anteriormente industriais, com grandes transformações na sua estrutura empregatícia.

Se por um lado a fuga das indústrias leva a uma perda da base industrial, por outro o crescimento corporativo-financeiro ocasiona um aumento do setor de serviços especializados, pois o novo paradigma tecno-econômico reforça o papel das cidades como pontos estratégicos para esses serviços que são necessários ao gerenciamento das operações econômicas globais que nelas se desenvolvem, conforme pode ser visto a seguir:

"O elevado crescimento de fluxos financeiros internacionais aumentou o nível de complexidade das transações. Essa nova circunstância exige uma infra-estrutura extremamente avançada de serviços especializados e de concentrações de alto nível no que se refere aos recursos em telecomunicações. As cidades constituem locais fundamentais para ambos." (Sassen, 1998, pág. 24)

Como resultado ocorre uma reestruturação empregatícia, com a diminuição do emprego industrial e o aumento do emprego no setor de serviços:

“A dinâmica da transformação pós-industrial gerou uma mudança de empregos de colarinho azul (industrial), que são 'manuais', de uso intensivo de 'maquinário pesado', para os de colarinho branco (burocrático), que são de uso intensivo do 'papel' ou 'da alta tecnologia'.” 38 (Savitch,1988, pág. 36)

38

Tradução do autor de: "The dynamics of post-industrial transformation have generated a shift from blue- collar jobs, which are "manual" and "heavy machine" intensive, to white-collar tasks, which are "paper" or "high technology" intensive".

Contudo, a reestruturação empregatícia não se resume apenas a esses dois grupos. Friedmann e Wolff (1982) definiram seis grupos que estariam sendo afetados pela reestruturação econômica.

O primeiro grupo seria o de serviços altamente qualificados, relacionados com o comando, administração, gerenciamento e apoio dos serviços corporativos, incluindo os setores administrativo, bancário, financeiro, jurídico, contábil, telecomunicativo, computacional, consultoria técnica, educação superior, pesquisa e desenvolvimento (P&D).

Este setor constitui o que Friedmann e Wolff denominam de “a elite transnacional” (ibid., pág. 320) e sua porcentagem está crescendo dentro da estrutura empregatícia formal.

O segundo grupo seria o grupo de empregos indiretos gerados a partir das funções corporativas de comando econômico da cidade global. Seria o grupo de prestadores de serviço para as atividades corporativas e para a elite transnacional. Incluem o setor imobiliário, hoteleiro, entretenimento, comercial varejista, alimentação, construção civil, segurança, serviços pessoais, domésticos, de apoio etc.

Apesar da diversificação desse grupo, a tendência é de crescimento na medida em que o primeiro continuar crescendo.

O terceiro grupo está relacionado com o segundo, na verdade sendo uma parcela desse. São as atividades ligadas ao turismo internacional, que com o crescimento da internacionalização de economia tende a crescer também em virtude da maior necessidade de viagens internacionais de negócios.

O quarto grupo está relacionado aos serviços públicos e de gerenciamento urbano e territorial governamentais. São as atividades relacionadas com o processo de reprodução das cidades mundiais e produção de itens de consumo coletivo tais como saúde, transporte, educação, habitação, saneamento, energia, controle do uso do solo etc. A participação desse grupo é grande, porém, em virtude das políticas neoliberais recentes, há uma tendência de diminuição da sua participação.

O quinto grupo é o do emprego industrial. Em função da reestruturação econômica, da automação, da robotização e da transferência da produção manufatureira para o “novo espaço industrial”, esse grupo vem perdendo participação na estrutura empregatícia de muitas cidades anteriormente industriais e que se estruturaram dentro do paradigma fordista-keynesiano.

Por fim, vem o sexto grupo, cuja participação já é grande e tende a aumentar. São as atividades econômicas que se encontram fora do mercado formal, constituídas de serviços não regulamentados ou informais. Variam desde atividades casuais e de rua como camelôs e engraxates a atividades mais organizadas como pequenas oficinas e pequenas unidades produtivas domésticas.

A perda de emprego industrial, a desregulamentação do mercado de trabalho, a subcontratação e a dispersão da produção industrial do novo paradigma político- econômico tende a aumentar a participação desse grupo, mesmo que fora das estatísticas oficiais.

Essa reestruturação tende a ocorrer nas cidades globais, porém sua intensidade pode variar de cidade para a cidade. Analisando a dinâmica da estrutura empregatícia das três maiores cidades globais (Londres, Nova Iorque e Tóquio), pode-se concluir que elas vem sofrendo essa reestruturação econômica de forma semelhante.

Comparando os dados da participação de cada setor da economia vê-se que todas apresentaram perda de empregos industriais e crescimento do setor de serviços que, segundo Sassen (1991), foi acima da média de seus respectivos países (tabela 2.2).

Entre as profissões que mais cresceram estão os serviços profissionais e burocráticos e do setor FSSI (Finanças, Seguros e Setor Imobiliário). Houve também uma grande alteração da massa salarial nessas cidades, sendo que os salários dos executivos aumentaram mais quando comparados aos salários do pessoal de suporte burocrático, que ficaram proporcionalmente menores que anteriormente.

Os empregos de meio período e aqueles ocupados por mulheres também apresentaram um grande crescimento, pois tendem a ser menos bem remunerados em relação e proporcionalidade aos de tempo integral ou àqueles ocupados por homens. Em Nova Iorque, por exemplo, as mulheres passaram de 39% para 45% da força de trabalho entre 1970 e 1986 (Savitch, 1988).

Distribuição do emprego nos setores secundário e terciário em % do total

Nova Iorque 1977 1981 1985 Var. 85/77

Secundário 21,9 18,7 15,4 -6,5 Terciário 63,7 68,6 73,8 10,1 Atacado/varejo 19,4 20,2 20,2 0,8 FSSI 15,9 16,6 17,3 1,4 Serviços 28,4 31,8 36,3 7,9 Londres 1977 1981 1985 Var. 85/77 Secundário 22,0 19,2 16,0 -6,0 Terciário 73,0 75,2 78,5 5,5 Atacado/varejo 13,5 19,2 20,5 7,0 FSSI 9,9 15,9 18,2 8,3 Serviços 49,6 40,1 39,8 -9,8 Tóquio 1975 1980 1985 Var. 85/75 Secundário 25,1 23,5 22,0 -3,1 Terciário 54,5 57,2 59,8 5,3 Atacado/varejo 27,5 28,5 28,4 0,9 FSSI 6,4 6,0 6,1 -0,3 Serviços 20,6 22,7 25,3 4,7

Tabela 2.2: Evolução da distribuição de empregos por setor em cidades selecionadas entre as décadas de 1970 e 1980. Fonte: Sassen, 1991.

Por fim, a perda dos empregos industriais tem ocasionado a fuga da população branca dos antigos bairros industriais e sua substituição pelas minorias raciais e imigrantes. Los Angeles, por exemplo, deixou de ser uma cidade estritamente de população branca para se tornar uma metrópole multirracial, com 30% da população total de estrangeiros e redução da participação da população branca de 80% para menos de 50% do total entre as décadas de 1960 a 1990 (Soja, 1995).

Em Paris, os trabalhadores argelinos, tunisianos e marroquinos passaram de 6 para 12% do total no mesmo período, enquanto em Londres a força de trabalho de asiáticos e afro-caribenhos dobrou entre 1971 e 1981 (Savitch, op. cit.).

Esse novo contingente populacional migrante tem ocupado grande parte do setor informal, por muitas vezes sendo explorado e se submetendo a condições precárias de trabalho.

De qualquer forma, a base empregatícia dessas cidades tem se modificado em função dessa nova dinâmica racial. Em Nova Iorque, por exemplo, a população branca representava 55% da força de trabalho em 1977. Em 1986 sua participação caiu para 50%, enquanto a dos hispânicos aumentou, de 18,2 para 20,5% e a dos afro- americanos e outros, de 26,5 para 28,8% (Sassen, 1991).

Todos esse fatores têm levado a um aumento na diferença na distribuição de renda nessas cidades e a uma modificação na pirâmide social, que passa a se caracterizar como um "pino de boliche", segundo Soja (op. cit., pág.133).

O pequeno ápice corresponde ao primeiro grupo de Friedmann e Wolff (op. cit.), a “elite transnacional”, com educação superior, alta renda, acesso às informações, mobilidade física altamente integrada ao mercado internacional, imitando os seus gostos e hábitos. São os yuppies, dinks 39 e todos os nomes que a definem.

39

Yuppies e dinks foram termos que surgiram em meados da década de 80 e 90. Eles significam respectivamente jovens profissionais urbanos (young urban professionals) e casal com renda dobrada e sem crianças (double income no kids).

A seguir vem uma classe média espremida, resultado da perda dos empregos industriais, voltada à prestação de serviço à primeira, com mobilidade, acesso às informações e renda variada de acordo com o serviço prestado, podendo variar de empregados domésticos a educação superior.

Por último, uma base larga da classe pobre, baixa renda, sem acesso à informação, geralmente alocados no setor informal, com baixa mobilidade espacial, social e ocupacional, acrescidos dos sem tetos, meninos de rua e outras subclasses urbanas.

A concentração dessa população pobre, marginalizada, de minorias raciais tem transformado bairros anteriormente ocupados por brancos em guetos raciais. Esse aspecto associado à concentração de empregos em áreas mais afluentes tem reforçado a estrutura segregadora de algumas cidades, cujo melhor exemplo é Nova Iorque.

A concentração da elite em Manhattan (70% do total da sua população empregada trabalha em ocupações técnico-administrativas) e o abandono de antigos bairros operários pela população branca (o Bronx perdeu 50% da população branca e o Kings mais de 25% entre as décadas de 1960 e 1970) tem levado a uma segregação espacial e a uma fragmentação social dessa cidade (Savitch, op. cit.).

No seu estudo sobre Los Angeles, Soja (1995) argumenta que esse fenômeno de fragmentação e segregação sociais tem levado muitas cidades dos países centrais a se assemelharem às cidades dos países periféricos.

Como resultado disso e da impossibilidade de as estruturas locais lidarem com esses problemas, as cidades têm experienciado uma paranóia com a segurança e a vigilância, que pode ser vista nos seus muros altos, cercas eletrificadas, shopping centers vigiados, prédios inteligentes impenetráveis associados com outros fenômenos tais como aumento da posse de armas e das gangues de rua. Isso tem levado as cidades a se assemelharem a um presídio, onde qualquer lugar que se vá existam muros de proteção e câmeras vigiando, o que Soja (op. cit.) muito bem definiu como cidade carcerária nos moldes do "panóptico" de Bentham40.

40

Jeremy Bentham (1748-1832), jurista e pensador inglês, propôs um edifício-máquina que produzia a disciplina, o panóptico. Esse edifício constituía-se de uma torre circular oca, com um pátio central, rodeado de celas. Essas celas possuíam uma grande janela permitindo que os habitantes de todas as celas fossem vigiados de qualquer lugar do prédio. Bentham propunha o uso de seu edifício para prisões, escolas, hospícios e até ambientes de trabalho

CAPÍTULO 3