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A EXPANSÃO DO MERCADO IMOBILIÁRIO DO SETOR TERCIÁRIO NA DÉCADA DE

4.2 DESREGULAMENTAÇÃO EDILÍCIA E O CRESCIMENTO IMOBILIÁRIO NA DÉCADA DE

Conforme alguns autores (Harvey, 1989; Fainstein, 1990, 1991, 1994; Smyth, 1994), o último grande impacto que o processo de reestruturação econômica teve sobre o território foi o surgimento dos megaprojetos imobiliários, principalmente dos setores privilegiados pela reorganização do mercado de trabalho urbano, ou seja, aqueles relacionados com os serviços financeiros, administrativos, comércio varejista, turismo e entretenimento.

A década de 80 viu surgir um grande boom do setor imobiliário em cidades dos Estados Unidos e Inglaterra, com reflexos também em outros países. Grandes projetos de renovação urbana procuraram atrair novas atividades econômicas através da construção de novos centros de negócios, comerciais e de turismo, com suas modernas torres de escritórios, shopping centers sofisticados, hotéis, centros de convenções, marinas, restaurantes, complexos poliesportivos, parques temáticos etc.

Com a clara intenção de reverter o processo de decadência econômica ocasionada pelo êxodo das atividades industriais e de atrair novos investimentos, num período de grande concorrência, as cidades desenvolveram estratégias políticas, econômicas e culturais, numa tendência que foi denominada por Smyth de "marketing urbano" (Smyth,1994).

Fainstein (1991) afirma que houve uma mudança no controle ao desenvolvimento urbano de muitas cidades, que em vez de colocar empecilhos à aprovação dos empreendimentos, passaram a incentivá-los, com o grau de incentivo e a escala dos empreendimentos variando muito de caso a caso.

As estratégias variaram, baseando-se desde na promoção de eventos internacionais ou espetáculos, como nos casos das Olimpíadas de Barcelona, da Expo98 de Lisboa e da Feira de Baltimore, até na criação de novos distritos de negócios através da renovação urbana das áreas degradadas, como em Londres, Nova Iorque e Paris.

Harvey (1989), ao discutir o surgimento do pós-modernismo na cidade, afirma que esses grandes projetos de renovação urbana foram maneiras de atrair capital perfeitamente compreensíveis em função da perda das atividades produtivas, como poder ser visto a seguir:

"As cidades atualmente parecem estar prestando mais atenção em criar uma imagem positiva e de alta qualidade, e tem procurado uma arquitetura e formas de desenho urbano que respondam a essa necessidade. Que elas sejam pressionadas a fazê-lo... é compreensível, dada a história cruel de desindustrialização e reestruturação que deixaram a maioria das metrópoles dos países de capitalismo avançado com poucas opções além de competir umas com as outras, principalmente como centros financeiros, de consumo e de entretenimento." 54 (ibid., pág. 92)

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Tradução do autor de "Cities and places now, it seems, take much more care to create a positive and high quality image of place, and have sought an architecture and forms of urban design that respond to such need. That they should be so pressed .... is understandable, given the grim history of deindustrialization and restructuring that left most major cities in the advanced capitalist world with few options except to compete with each other, mainly as financial, consumption and entertainment centres".

A maneira com que os órgãos públicos passaram a ver o urbanismo e o planejamento urbano mudou, passando do controle à produção de um ambiente construído balanceado para um enfoque "mercadológico" de estímulo ao crescimento econômico e à criação de empregos (Fainstein, 1991). Preocupações com a mudança da cidade a longo prazo deram lugar à ênfase a ganhos econômicos a curto prazo. Planejadores urbanos e urbanistas tornaram-se peças-chave na atração de investimentos. Essa mudança na atitude foi bem descrita por Fainstein:

"Os métodos mudaram da análise de demanda, plano diretor e orçamento de longo prazo para análise de mercado, negociação e programação financeira de cada projeto específico... Planejadores ficaram presos à lógica do fundo do poço, negociando leis que regulavam densidades, luz e ar (e nos Estados Unidos empréstimos e incentivos fiscais) em troca do compromisso da iniciativa privada de permanecer no local, construir ou contribuir para melhorias na comunidade." 55 (ibid., pág. 25)

Governos locais e grupos empresariais mobilizaram-se para facilitar a atração de capitais, estimulando o mercado imobiliário, através da desregulamentação do uso do solo e financiamento público desses projetos (Fainstein, 1994).

Esses fatores, adicionados à facilidade de obtenção de empréstimos bancários para empreendimentos imobiliários e as baixas taxas de juros num período de boom econômico pós-desregulamentação financeira, fizeram com que várias metrópoles do mundo apresentassem um grande ciclo de crescimento imobiliário nessa década. Antigas áreas industriais, terrenos vagos ou áreas decadentes dos centros urbanos deram lugar aos megaprojetos imobiliários de uso misto.

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Tradução do autor de "Methods shift from needs assessments, master planning, and long-term capital budgeting to market analysis, negotiation, and project-specific capital programming... Planners become trapped in the logic of the bottom line, trading off regulations governing densities, light and air (and in the United States loans and tax subsidies) for private sector commitments to stay or build or contribute to community betterment."

Os maiores privilegiados nesse processo, no entanto, foram os edifícios de escritórios, principalmente naquelas cidades em que as atividades financeiras e administrativas encontravam-se em expansão. Cidades globais, como Nova Iorque, Chicago e Londres apresentaram um crescimento próximos de 20% do seu estoque de escritórios em apenas cinco anos, entre 1985 e 1990, enquanto novos centros emergentes como Los Angeles chegaram a aumentos de quase 40% (tabela 4.1).

Aumento do Estoque de Escritórios em milhões de m2

1990 85–90 Var. % Nova Iorque 22,5 3,3 17% Tóquio 17,6 - - Paris 15,9 0,6 4% Londres 14,4 2,4 20% Chicago 9,6 1,7 21% Frankfurt 7,7 0,8 12% Los Angeles 6,9 1,9 38%

Tabela 4.1: Evolução do estoque de escritórios em algumas metrópoles do mundo, 1985–1990. Fonte:

Fainstein, 1994.

Desenvolvimento imobiliário e crescimento econômico tornaram-se sinônimos e, mais do que uma simples estratégia de acumulação capitalista, o grande boom imobiliário ocorrido na década de 80 nessas cidades foi causa, efeito e símbolo do crescimento financeiro do período (ibid.).

A fim de facilitar o desenvolvimento imobiliário e reduzir a oposição das comunidades afetadas por esses projetos, os governos nacionais e locais neoliberais desregularam o controle do uso do solo através do relaxamento da legislação edilícia (Smith e Feagin, 1987; Reino Unido, 1989).

O Reino Unido, cujo uso e ocupação do solo foi extremamente regulado em benefício do interesse público desde a legislação de 1947 (Town and Country Planning Act), foi um dos maiores exemplos dessas políticas. Em 1980, o governo conservador de Margareth Thatcher criou, através da nova legislação urbana (Planning and Land Act) as Zonas de Empreendimento e as Zonas de Planejamento Simplificado56 (EZs e SPZs), simplificando as restrições de ocupação e uso do solo das zonas em questão com a finalidade de atrair determinados usos e investimentos (Reino Unido, op. cit.).

Áreas de Desenvolvimento Urbano (UDAs – Urban Development Areas) e Corporações de Desenvolvimento Urbano57 (UDCs – Urban Development Corporations) foram criadas com o intuito de facilitar o processo de renovação urbana, atrair empreendimentos e eliminar eventual oposição da população local. Seguindo essa tendência, cidades americanas também criaram as suas companhias de desenvolvimento local58 (Smith e Feagin, op. cit.).

Investimentos públicos foram realizados através das mais diversas formas tais como: financiamento direto, subsídios, incentivos fiscais, concessões financeiras ou de usufruto. A principal justificativa para tais investimentos foi que uma vez alteradas as características negativas da áreas deterioradas, elas naturalmente atrairiam investimentos da iniciativa privada, resultando em melhorias para a comunidade (Robson, 1994).

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As Zonas de Empreendimento (Enterprise Zones) são zonas designadas pelo Secretário de Estado para o Meio Ambiente, geralmente em antigas áreas urbanas centrais industriais, na qual tipos específicos de empreendimento tem alvará de construção automático, sem necessitar a sua requisição e na qual há também incentivos fiscais. Já as Zonas de Planejamento Simplificado (Simplified Planning

Zones) são iguais as anteriores, só que designadas pela autoridades locais (Reino Unido, op. cit.). 57

UDCs – são corporações criadas pelo Secretário de Estado para o Meio Ambiente para determinadas áreas urbanas (em 1989 eram seis – London Docklands, Merseyside, Black Country, Teeside, Tyne &

Wear, Cardiff Docks). Sua responsabilidade é de incorporar os terrenos e promover o desenvolvimento

urbano, elaborando um plano de ocupação para área em questão. Todo empreendimento que estiver de acordo com esse plano tem aprovação automática (Reino Unido, 1989).

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Smith e Feagin (1987) citam alguns nomes mais comuns para essas corporações: DDAs – Downtown

Development Authorities (Autoridades de Desenvolvimento do Centro da Cidade), EDCs – Economic Development Corporations (Corporações de Desenvolvimento Econômico), LDCs – Local Development Companies (Companhias de Desenvolvimento Local) etc.

A França seguiu a mesma tendência de desregulamentação com o relaxamento das leis e restrições (Reino Unido, op. cit.). O governo reviu um dos seus instrumentos mais importantes e conhecidos de taxação do uso e ocupação do solo, o Plafond Légal de Densité (PLD), que influenciou a proposição de instrumentos similares em vários países, inclusive o solo-criado no Brasil (Bolaffi, 1980).

O PLD foi estabelecido em 1975, com a finalidade de combater a especulação imobiliária, incentivar a reciclagem das construções e prover de fundos os governos locais. Esse instrumento estabelecia um coeficiente de ocupação máxima a partir do qual o empreendedor ficava sujeito à taxação.

A legislação de 1986 tornou o uso do PLD opcional para as comunas59. Entre as razões da sua revisão estava o fato de que ele trouxe um retorno financeiro bem menor do que o esperado e causou um desincentivo na construção, reduzindo as densidades populacionais das áreas centrais.

Outros países do mundo também seguiram esse conceito de desregulamentação edilícia. Essa reestruturação política-governamental ocasionou uma redefinição do papel do Estado e na recomposição de forças dos atores sociais. O abandono das políticas sociais anteriores, baseadas em programas da erradicação da pobreza, em detrimento dos programas de fomento à expansão dos negócios e atração de investimentos, em suma, drenando capitais para o mercado imobiliário, levou os governos a abandonarem o seu papel de Estado provedor do bem-estar social e se transformarem em agentes fomentadores do crescimento econômico.

No documento “Políticas para os Centros Urbanos” (Policy for the Inner Cities, Reino Unido, 1977), o governo trabalhista se preocupava com o declínio econômico dos centros urbanos e apontava como causas a falta de investimento e a incapacidade da iniciativa privada de suprir as necessidades de emprego e habitação desses locais.

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Em 1975, o PLD foi instituído no valor 1:1 para toda França e 1,5:1 para Paris. Em 1982 ele foi descentralizado, ficando a par das comunas a fixação do valor do coeficiente. Paris adotou o coeficiente 3:1. A partir de 1986, Paris abandonou esse instrumento de vez, enquanto outras comunas o usam só para determinados tipos de empreendimento.

Onze anos mais tarde, o governo conservador lançou a "Ação para as Cidades” (Action for Cities, Reino Unido, 1988), onde culpava a burocracia excessiva e a hostilidade cívica e governamental à iniciativa privada como principais causas da falta de investimento e do declínio econômico.

4.3 A EXPANSÃO DOS CENTROS DE NEGÓCIOS E DOS MEGAPROJETOS