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A EXPANSÃO DO TERCIÁRIO NA MARGINAL DO RIO PINHEIROS

6.2 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DO VALE DO PINHEIROS

6.2.2 A INFLUÊNCIA DOS PLANOS URBANÍSTICOS E VIÁRIOS NO DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO

No período entre 1940 e 1960, a construção das auto-estradas (Anchieta, Anhangüera e Dutra) acabou induzindo a expansão urbana ao longo delas, unindo o município de São Paulo aos municípios vizinhos, consolidando assim o processo de metropolização (Lagenbuch, op. cit.). O grande crescimento do número de veículos, devido à instalação da indústria automotiva na metrópole, ocasionou uma grande preocupação com o aumento do tráfego automotivo, que resultou na contratação pela prefeitura do engenheiro e consultor de tráfego americano Robert Moses95.

Moses, que já havia desenvolvido vários programas de melhoria de tráfego e de construção de vias expressas em várias cidades americanas, elaborou o Programa de Melhoramentos Públicos para São Paulo em 1950 (Moses, 1950). Nesse programa, ele propunha um sistema de vias expressas radiais, ligando o centro aos subúrbios e um anel viário acompanhando os vales do Tietê e Pinheiros (figura 6.4).

O modelo de Moses assemelhava-se muito àquele proposto pelo Plano de Avenidas de Prestes Maia (Maia, 1930) e dos engenheiros municipais na década de 30 (figura 6.5). Os dois baseavam-se no modelo radioconcêntrico, de avenidas radiais ligando o centro aos subúrbios e de anéis viários desviando o tráfego intrabairros da região central. Na verdade, o programa de Moses complementava o Plano de Avenida e o adequava à nova realidade metropolitana.

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Robert Moses foi engenheiro, coordenador do departamento de obras, presidente da comissão de remoção de cortiços e do conselho de parques de Nova Iorque, consultor de engenharia de tráfego de várias cidades, tais como Pittsburgh, Oregon, Baltimore, Chicago, New Orleans, Caracas. Sua influência pode ser vista em vários projetos viaristas e de parques urbanos na década de 50 em todas essas cidades.

Figura 6.4: Programa de Melhoramentos para a Cidade de São Paulo. Fonte: Moses, 1950. Acervo da biblioteca da FAUUSP.

Figura 6.5: Planta esquemática do Plano de Avenidas. Fonte: Toledo, 1996.

Até a idéia de criação das vias-parque, isto é, vias expressas de duas mãos, arborizadas dos lados e no centro, nas quais o tráfego é expresso e de passagem, também está presente no dois trabalhos. A importância desse conceito no caso de São Paulo pode ser medida na comparação dos esquemas propostos com a implantação que ocorreu na realidade de vias rápidas de fundo de vale na região, tais como as avenidas das Nações Unidas, dos Bandeirantes, Roque Petroni Jr. e Água Espraiada (figura 6.6).

Figura 6.6: Corte esquemático das vias-parque. Fonte: Moses, 1950. Acervo da biblioteca da FAUUSP.

Outro fato relevante é a destinação de uso da futura marginal do Pinheiros. Em seu plano, Maia (op. cit., pág. 165) já previa "uma cintura ao longo do Pinheiros, para fins industriaes e de descentralização". Por sua vez, Moses, vislumbrando o fim da concessão à Light, propunha a urbanização das terras recuperadas das várzeas e enfatizava também o uso industrial:

"O Canal do Pinheiros poderá ser aprofundado e alargado, e as terras ribeirinhas pantanosas aproveitadas por um processo similar (ao que ocorreu no Tietê)... Sempre que se empreenda a urbanização de terras, deve estar baseada em um plano prévio, bem concebido que acentue o uso industrial, porém sem esquecer outras benfeitorias." (Moses, op. cit., pág. 40)

A atualização proposta por Moses, no entanto, levava em consideração as novas auto- estradas (projetadas e recém construídas), pois o anel viário tinha também como função a ligação rápida delas, além de prever o futuro desenvolvimento urbano da região:

"Em relação ao desenvolvimento do Canal Pinheiros, deveria projetar-se uma artéria expressa ao longo deste, que corresse da rodovia Anhangüera a Santo Amaro. No projeto dessa artéria, a qual, como a rodovia expressa do Tietê, poderá ser realizada sem grandes despesas, há que tomar-se em consideração o futuro serviço de trânsito rápido. Essa artéria seria coordenada com o programa total do Vale do Pinheiros; e, ao modo do que se faria a realização do programa do sistema de ruas de vale. O custo de sua construção seria coberto com parte dos lucros advindos do desenvolvimento urbano local." (Moses, op. cit., pág. 42)

O Programa de Melhoramentos proposto por Moses acabou sendo colocado em execução através do conceito dos anéis viários metropolitanos que foram integrados ao planejamento metropolitano, viário e de transportes dos órgãos públicos responsáveis nas décadas seguintes, que resultou na criação da marginal do rio Pinheiros.

Em 1968 o GEIPOT, Grupo Executivo de Integração de Políticas de Transporte, do Ministério do Transporte, propunha a criação do pequeno e grande anéis viários na cidade de São Paulo, usando as Marginais do Tietê e Pinheiros como principais vias expressas de ligação (GEIPOT, 1968).

Com relação ao pequeno anel, esse estudo de viabilidade propunha a passagem por uma avenida a ser criada sobre o córrego da Água Espraiada, no bairro do Brooklin (ibid.). O mesmo estudo desaconselhava a passagem desse pelas avenidas Bandeirantes e Vicente Rao, em função da existência de avenida fora dos padrões no primeiro caso e do preço de desapropriação dos terrenos no segundo.

Esse modelo urbano foi reafirmado novamente no PMDI – Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (São Paulo, 1970), que, além de propor a construção de um sistema de radiais e anéis perimetrais metropolitanos, propunha a descentralização do emprego terciário, face ao congestionamento do Centro Metropolitano, estimulando a concentração dessas atividades ao longo desses novos corredores estratégicos, dotados de alta acessibilidade pelos meios de transportes individual e coletivo.

Na verdade, o conceito viário adotado pelo PMDI não mudava em nada as propostas já consolidadas pelo GEIPOT e no modelo radioconcêntrico existente, já que o próprio plano reconhecia que o modelo urbano adotado se baseava na "...evolução e transformação naturais da estrutura existente, apenas interpretada e reforçada em certos elementos" (ibid., pág.159). Nem mesmo as propostas para o uso do solo divergiam da tendência natural de diminuição das densidades urbanas e atividades econômicas do centro em direção à periferia.

Mas, as propostas apresentavam alguma idéias diferentes, na medida em que estimulavam a concentração das atividades terciárias nas vias estruturais, antevendo o futuro desenvolvimento da região da marginal (figura 6.7). Essa proposta apresentava certa inovação com relação à estrutura consolidada visto que, com exceção apenas da avenida Paulista, a maior parte das atividades econômicas localizava-se numa mancha uniforme na zona central da cidade (São Paulo, 1968).

Conceito oposto adotou a Prefeitura do Município de São Paulo à época, que no seu Plano Urbanístico Básico (São Paulo, 1968) propunha o rompimento do modelo urbano radioconcêntrico através da construção de 815 km de vias expressas dispostas em grelha retangular (figura 6.8). Apesar da diferença do modelo adotado, esse plano também reforçava o papel dos corredores de uso múltiplo como principais geradores do emprego terciário.

Figura 6.7: Conceito da estrutura metropolitana proposto pelo PMDI-70, Fonte: São Paulo, 1970.

Figura 6.8: Conceito da estrutura metropolitana proposto pelo PUB-68, Fonte: São Paulo, 1970.

A adoção da grelha era justificada como uma forma de romper com a forte concentração de atividades econômicas na área central da cidade, visto que as vias radiais do modelo radioconcêntrico privilegiam o ponto central por ser o ponto de convergência de um número grande de vias, enquanto na grelha todo o nó apresenta o mesmo peso, visto que é composto pelo cruzamento de somente duas vias.

Contudo, problemas de viabilidade econômica na construção de tal estrutura, a pouca consideração que se fazia à topografia e a estrutura urbana já consolidada fizeram com que esse plano nunca saísse do papel, apesar de ter sido a base conceitual do estabelecimento do zoneamento em 197296.

Por outro lado, as propostas viárias do GEIPOT e do PMDI resultaram em ações concretas de órgãos públicos ligados ao sistema viário, levando a construção do Minianel Viário97 e do Anel Viário Metropolitano98 (figura 6.9) e na consolidação dessa macroestrutura viária nos planos municipais e metropolitanos seguintes (São Paulo, 1985; 1991; Emplasa, 1994).

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Rolnik et al. (1990) fazem pesadas críticas ao uso do instrumento urbanístico do zoneamento no Município de São Paulo. Além da questão de privilegiar a segregação e exclusão sociais através da valorização imobiliária das áreas de maior potencial de adensamento, ele é totalmente incoerente, pois se baseou num modelo urbano que acabou não sendo colocado em prática.

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Composto pelas avenidas: Pres. Castelo Branco (Marginal do Tietê), das Nações Unidas (Marginal do Pinheiros), dos Bandeirantes, Affonso Taunay, Complexo Viário Maria Maluf, Tancredo Neves, das Juntas Provisórias, Prof. Luis Inácio de Anhaia Melo e Salim Farah Maluf.

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Composto pelas avenidas: Pres. Castelo Branco (Marginal do Tietê), das Nações Unidas (Marginal do Pinheiros), Roque Petroni Jr., Vicente Rao, Ver. João de Lucca, Cupecê, Adólia Chohfi, Ragueb Chohfi e Aricanduva em São Paulo; Antônio Piranga em Diadema; Prestes Maia, Pres. Roosevelt, do Estado e Pres. Costa e Silva em Santo André.

Figura 6.9: Sistema viário estrutural da Grande São Paulo. Base: DERSA, Mapa

Rodoviário, 1997.

A consolidação dessa estrutura acabou por influenciar muito no crescimento da região em estudo. No final da década de 60, os órgãos de planejamento já demonstravam preocupação com o impacto dos futuros anéis viários no desenvolvimento de região do vale do Pinheiros, fato que pode ser observado nos diagnósticos sobre o sistema viário do Plano Preliminar de Santo Amaro:

"Analisando-se o sistema viário metropolitano proposto e já parcialmente em execução percebe-se de imediato que a área em estudo é bastante afetada, pois deixará de ser, por assim dizer, um fim de linha, passando a ser cortada tanto pelos dois Anéis Rodoviários, Pequeno e Grande, como ainda o Anel Ferroviário." (Neves e Paoliello SC, 1968, pág. 56) (grifo do autor)

Tendo em vista esse fator, as propostas desse plano para a região previam ainda a canalização de córregos, recuperação de brejos e a construção de uma grande avenida de ligação paralela à marginal, que incluiria no seu trajeto a futura avenida Engo. Luís Carlos Berrini, além da construção da avenida sobre o córrego da Água Espraiada.

Contudo, o uso industrial continuava a ser enfatizado, pois em função dessa nova acessibilidade e da concentração industrial em consolidação, o plano reafirmava essa vocação da região, propondo grande concentração dessas atividades na marginal direita do rio, estendendo-se desde a Avenida de Traição (atual Bandeirantes) até a represa do rio Grande (atual Billings).