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ENXERGANDO A LÍNGUA COMO UM CONJUNTO DE VARIEDADES

2.4 As noções de estilo e o continuum de monitoramento estilístico

A caracterização dos estudos sobre a variação sociolinguística é feita, geralmente, considerando-se três níveis importantes, a saber: (i) linguístico, no qual temos os fenômenos de ordem fonético-fonológica, morfossintática e semântica; (ii) social, considerando-se as categorias, tais como classe, idade, escolaridade, e outros princípios sociais; e (iii) estilístico, ou grau de atenção conferida à linguagem.

Nesta seção, procuraremos fazer uma breve incursão nas teorias sobre variação estilística, com base em Labov (1972a), Bell (1984), Lefebvre (2001), Bortoni-Ricardo (2004) e Coupland (2007) para situar nosso ponto de vista sobre a variação de estilo, uma das categorias de análise neste estudo.

Labov foi o primeiro autor a apresentar uma abordagem operacional e quantitativa sobre a questão dos estilos, com base no critério self monitoring, ou grau de atenção à própria fala. A partir desse critério, Labov estabeleceu uma classificação de cinco estilos: informal (casual), cuidadoso (careful), leitura de textos, leitura de palavras e leitura de pares mínimos.

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Segundo Lefebvre (2001), os postulados iniciais de Labov eram de que “os membros de uma comunidade linguística atribuem valor social às variantes e as utilizam de maneira socialmente significativa” ou ainda “nenhum falante possui um único estilo. Os falantes variam seu modo de falar conforme a situação na qual se encontram” (p. 220). Entretanto, a noção de estilo formulada por Labov apresentou alguns problemas, conforme aponta Lefebvre (op. cit., p. 220-21):

1º: a redução da definição de estilo a uma só dimensão – o grau de atenção conferido à linguagem – não permite, por exemplo, tratar variáveis não classificáveis nesse eixo, tais como os assuntos tópicos que, segundo Labov, são suscetíveis de favorecer o uso do vernáculo, mas não provocam mudanças rumo ao vernáculo. Ou seja, uma variedade próxima da variedade padrão continua a ser utilizada, quando determinados assuntos são abordados e nenhuma mudança estilística é verificada;

2º: o vínculo

entre formal e monitoração pode muito bem ser espúrio. Embora algumas pessoas monitorem para produzir o que consideram fala formal ou correta, outras se mostram mais atentas quando tentam ser coloquiais (WOLFSON, apud LEFEBVRE, 2001, p. 226);

3º: Labov só considera as variáveis socialmente pertinentes e deixa sem resposta questões relacionadas ao estilo, quando não são usadas variáveis socialmente pertinentes;

4º: por fim, a crítica recai sobre a técnica utilizada por Labov para fazer as entrevistas para coleta de dados já que, segundo Gal (1979,p. 8), “a escolha das variedades linguísticas pelas pessoas não é motivada nem pela impressão que elas querem dar de si mesmas nem pelos efeitos interacionais ou retóricos que elas querem que suas palavras provoquem”.

O estilo por que alguém escolhe dizer algo de determinada maneira em determinada ocasião, para Bell (1984), é essencialmente uma resposta do falante a sua audiência. Esta seria a primeira dimensão de sua teoria,

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denominada formato da audiência, e estaria ligada à responsividade. A outra dimensão postulada por Bell é a “iniciativa”, ou seja, toma-se o formato de referência para explicar as motivações para a variação estilística. Brandão (2005) explica que a expressão formato de referência foi utilizada por Bell para indicar identificação com um grupo de referência que é importante para o falante, normalmente em resposta a uma mudança em algum aspecto da audiência.

Em diferentes ocasiões fala-se de maneiras diferentes. Estas diferentes formas de falar transportam diferentes significados sociais, representam a nossa capacidade de assumir diferentes posições sociais e afetam o modo como somos vistos pelos outros. Ainda para Bell, os principais fatores que influenciam o estilo são o interlocutor, o tópico e o cenário onde ocorre a interação, fatores esses bastante próximos daqueles apontados por Labov (1966). Entretanto, um dos pontos que diferencia as duas perspectivas, a de Labov e a de Bell, é o fato de que, enquanto para Labov a monitoração estilística é tratada como estratégia cognitiva, com base no parâmetro único de formalidade, definido aqui como grau de atenção que o falante presta a sua própria fala (variação intrafalante), quando este se adapta ou se molda ao contexto, para Bell, os falantes mudam seu estilo de acordo com a audiência (audience design), ou seja, eles são produtores de contexto, responsáveis pela definição das situações de comunicação e dos relacionamentos entre eles, o que cria uma espécie de ação conjunta com os interactantes.

O ponto central dessa noção de audience design, proposta por Bell (1984), é o de que os falantes selecionam seus estilos principalmente para e em resposta a sua audiência (público). Geralmente, um falante muda seu estilo para ficar mais parecido com o estilo da pessoa com a qual está interagindo – o que a teoria da acomodação chamou de “convergência”. Para Bell, o tópico e a audiência são fortemente influenciados pela produção linguística dos informantes e também a influenciam diretamente.

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Em relação à monitoração estilística, Bell (1984) e Bortoni-Ricardo (2005) apresentam certa aproximação em relação ao conceito de estilo. Para Bell, estilo é a dimensão da linguagem na qual falantes individuais podem fazer escolhas, na medida em que nem sempre pode-se falar da mesma forma. Na verdade, esclarece Bell, os falantes estão constantemente mudando a forma de falar quando passam de uma situação para outra.

Bortoni-Ricardo (2005), por sua vez, considera que o contínuo de monitoração estilística está relacionado com o grau de atenção e de planejamento que o falante confere ao contexto, ao tópico e à interação. Segundo essa autora,

Na produção do estilo monitorado, o falante presta mais atenção à própria fala. Este estilo geralmente caracteriza-se pela maior complexidade cognitiva do tema abordado. Se o falante tiver um maior grau de apoio contextual, bem como maior familiaridade com a tarefa comunicativa, poderá desempenhar-se no estilo monitorado com menor pressão comunicativa. A pressão comunicativa aumenta quando o apoio contextual é menor e a temática mais complexa (p. 41).

Em relação à noção de estilo, Coupland (2007) reconheceu que as redes de falantes compartilham significados socialmente estruturados. Por isso, o autor defende uma abordagem sociolinguística multidimensional de estilo, que abarca teorias mais ampliadas sobre o self, sobre as relações sociais e sobre o discurso. Brandão (2005) assim explica a teoria de Coupland: “estilo necessita ser situado dentro de modelo de objetivos comunicacionais humanos, práticas e ações, e também como um aspecto de manipulação de recursos semióticos em contextos sociais”. (p. 36). Assim como Bell, Coupland explica que no formato da audiência os participantes projetam identidades, atendendo a preferências e a predisposições ideológicas para serem bem avaliados ou aceitos socialmente pela audiência.

Dado o quadro teórico em que apresentamos, grosso modo, os princípios básicos a partir dos quais são alicerçados os estudos no campo da variação estilística, é relevante dizermos que a dimensão dessa variação que mais nos chamou a atenção, quando das análises dos dados, foi a social, que é a mais

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“correlacionável”, nos termos de Lefebvre (2001), com as situações nas quais a língua é utilizada e que nos parece estar na base das propostas de atividades desenvolvidas pelos LDP aqui em análise.

Para os interesses desta pesquisa, o conceito de estilo e o contínuo de monitoramento, portanto, são importantes noções sociolinguísticas que facilitam a explicação das diferenças linguísticas nas diversas situações de comunicações e nos variados contextos em que as práticas de oralidade e letramento acontecem nos LDP. Tais práticas resultam em produções textuais e discursivas que vão desde uma fala/escrita informal e, portanto, menos monitorada, a uma

fala/escrita formal e mais monitorada30. Assim, é possível dizer que a

monitoração estilística deve ser vista, também, como fazendo parte de um contínuo de gradações, mais do que de uma dicotomia, conforme postula Bortoni-Ricardo (2004).

2.5 Por uma visão integradora das relações entre fala e escrita e

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