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Escreva em seu caderno as seguintes frases do texto Saudosa Maloca, corrigindo sua ortografia: “é que onde agora está/ esse edifício arto/ era uma casa véia/um palacete assobradado”

FENÔMENO 5: METAPLASMOS.

9. Escreva em seu caderno as seguintes frases do texto Saudosa Maloca, corrigindo sua ortografia: “é que onde agora está/ esse edifício arto/ era uma casa véia/um palacete assobradado”

É que onde agora está/esse edifício alto/era uma casa velha/um palacete assobradado

“cada tauba que caía/ doía no coração” cada tábua que caía/doía no coração

“o dono mandô derrubá”o dono mandou derrubar

10. Em português, as palavras são pronunciadas do jeito que se escreve? Não necessariamente. Professor(a): Destacar que a fala precede a escrita. Que a escrita é uma forma de tentar registrar a fala e que esse registro nunca é perfeito. Comentar que a ortografia é fixa, enquanto a fala é variável. Pode-se comentar, a título de exemplo, que muitas pessoas (inclusive as mais cultas) pronunciam “pexe”, “quau”, “telefoná”, mas escrevem peixe, qual, telefonar.

(PPT, 5ª série/6º ano, p. 147, PNLD-2005) Como se verifica nos exercícios acima, um dos objetivos da proposta é levar os alunos a se preocupar apenas com aspectos formais da língua, ligados à identificação das “características da linguagem”, que chamam atenção pela forma como foram escritas, “diferente da convencional”. O equívoco desta proposta, como foi também mostrado no exemplo anterior, é o de colocar no mesmo nível, de forma generalizada, variantes que são estereotipadas (traços descontínuos), tais como “nóis”, “arto”, “véia”, “homi”, e variantes cujos traços são graduais, tais como “tá”, “contá”, “mandô”, como se elas pertencessem à mesma categoria.

Assim, fenômenos como a ditongação do pronome “nós>nóis”, a redução do –r marcador de infinitivo verbal no verbo “contar” resultando em “contá”, a aférese do verbo “está” por “tá” e a monotongação do verbo “mandou” resultando em “mandô” são variações linguísticas bastante recorrentes na fala menos monitorada dos brasileiros. Entretanto, tais formas, quando aliadas a outras variações, tais como a vocalização de /lh/ em “velha”, realizando “véia”; a redução da nasalidade em final de vocábulo como em

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“homem”, resultando em “home” e de “com” por “co” e, neste caso, formando, ainda, uma ditongação com o artigo posterior, resultando em “co’as”; e, finalmente, a alternância de /l/ por /r/ em “alto” por “arto” imprimem contornos bastante marcados e, por isso, estigmatizados na boca do poeta que, por meio da música e utilizando as variedades de uso da língua, canta as dificuldades por que passaram os imigrantes que trabalhavam na construção civil em São Paulo.

Ao solicitar do aluno a observação, no bojo do texto, de todas as palavras que representam um desvio em relação à norma culta, está-se tentando levá-lo a fazer generalizações, sem possibilitar-lhe uma reflexão sobre quais formas são aceitas na fala e quais aquelas consideradas estigmatizadas e que devem ser evitadas. A atividade também deixa de discutir pontos importantes, quais sejam: que efeitos de sentido provocam as palavras grafadas de forma diferente da convencional nesse texto? Que objetivo(s) o autor do texto pretendia atingir ao grafar as palavras da forma como foram grafadas? Há verossimilhança entre a língua ali expressa e a realidade vivida pelas personagens nesse texto?

No MP dessa Coleção (PPT), os autores explicitam que o trabalho com os aspectos convencionais e normativos da escrita como, por exemplo, a ortografia, são trabalhados “sendo o texto ponto de partida (para leitura, observação e análise) e ponto de chegada (na produção e aplicação dos itens estudados)” (PPT, 2005, p. 20). Além disso, dizem os autores no MP, “o aluno é levado a observar, descrever e comparar os aspectos selecionados e a estabelecer relações entre as palavras do texto, para, num processo ativo de manipulação da língua, identificar regras relativas ao seu funcionamento e construir conceitos e classificações”.

Com isso, diante dessa profusão de fenômenos todos misturados nessa proposta de atividade, e considerando a confusão que os autores dos LDP fazem entre escrita com variações socioletais e língua falada, cabe perguntar: como é que se pretende atingir o objetivo acima explicitado no MP em relação à escrita tomando as variações linguísticas e os registros como pretextos para a correção? Será que apresentando um amontoado de fenômenos, todos sem explicação, para que os alunos procedam, ao final, a uma reescrita, de modo a adequar as palavras ao padrão formal de linguagem seria o método

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mais viável para se levar os alunos ao letramento? Qual é a função de se trabalhar com esses fenômenos, se o resultado que se pretende alcançar é a correção na fala do personagem? A resposta é: o material usa o texto como pretexto para a normatização linguística.

De acordo com Marcuschi (2005), usar o texto como pretexto para a normatização linguística é compreensível porque as formas linguísticas acima mostradas são mais usadas na oralidade. O fato é que elas não são parte da norma escrita. Em função disso, uma consequência imediata dessa confusão é a assunção de que fala e escrita são dois sistemas linguísticos diferentes e não dois modos de funcionamento da língua como querem fazer crer os autores desse LD, quando afirmam no MP que “a escrita é uma forma de tentar registrar a fala e que esse registro nunca é perfeito”. E que “a ortografia é fixa, enquanto a fala é variável” (PLI, MP, p. 25).

Temos verificado, com base nos dados desta pesquisa, que os objetivos e as expectativas apresentados no MP vão ao encontro dos princípios e critérios planificados pelo PNLD, mas, na prática, as atividades priorizam uma abordagem tradicional de ensino de língua, sobretudo em relação à variação e diversidade linguísticas, nos níveis e nos fenômenos selecionados para este estudo, cujas propostas desembocam, na maioria das vezes, em posturas conservadoras e em ações “higienizadoras” que pouco ou nenhum efeito desenvolvem no comportamento linguístico dos falantes/escreventes.

Para fechar esta seção, apresentamos a seguir outra atividade que replica todos os aspectos comentados acima:

Ex. 24:

Seção: A construção do texto

Leia este poema, de Chacal:

Papo de Índio Veio uns ômi di saia preta

cheiu de caixinha e pó branco qui eles disserum qui chamava açucri. Aí eles falarum e nós fechamo a cara

depois eles arrepitirum e nós fechamu o corpo Aí eles insistirum e nós comemu eles.

(In: Heloisa Buarque de Hollanda e Carlos A. M. Pereira, orgs. Poesia Jovem – Anos 70. São Paulo: Nova Cultural, 1982, p. 79

2. O texto, apesar de escrito, apresenta algumas marcas da linguagem oral.

a) Identifique palavras ou expressões que tenham sido escritas exatamente como se fala, sem respeitar as normas de ortografia oficial.Entre outras, “veiu”, “ômi”, “di”, “disserum”.

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3) Além das marcas de oralidade, o texto apresenta outras palavras e expressões que fogem à variedade padrão. a) Reescreva todo o texto na variedade padrão da língua. Se quiser, mantenha expressões como fechar a cara e

fechar o corpo. Sugestão: Vieram uns homens de saia preta, cheios de caixinhas e pó branco, que eles disseram que se chamava açúcar. Então, eles falaram e nós fechamos a cara; repetiram e nós fechamos o corpo. Finalmente, eles insistiram e nós os comemos.

b) Na nova redação dada ao texto, como ficaram as palavras “veiu”, “cheiu” e “fechamu”? Por que elas sofreram modificação?Vieram, cheios e fechamos; elas concordam com uns homens e nós, respectivamente.

d) Desses desvios em relação à variedade padrão, qual deles é socialmente considerado mais grave? Por quê?A falta de concordância entre sujeito e verbo, como ocorre em “Veiu uns ômi”; essa falta de concordância sofre uma grande rejeição social, pois indica desconhecimento de um princípio básico da variedade padrão.

(PLI, 8ª série/9º ano, p. 173, PNLD-2008)

No exemplo 24, temos o que parecia ser o indício de uma discussão interessante sobre as características do oral no escrito, no entanto, o enfoque dado foi o de “identificar palavras ou expressões que tenham sido escritas exatamente como se fala, sem respeitar as normas de ortografia oficial” para depois levar o aluno a reescrever “todo o texto na variedade padrão da língua”, com vistas ao exercício da concordância verbal, desconsiderando o poema como gênero representativo da manifestação cultural, transformada em exercício da palavra. Os fenômenos presentes no texto foram tomados como “desvios em relação à variedade padrão” e apresentaram-se todos misturados, sinalizando a falta de critérios que norteiem o ensino de língua.

Conforme já dissemos anteriormente, a linguagem da literatura, conforme postula Preti (1984), não é um fato desligado do momento cultural em que surge, sendo que este serve de inspiração aos escritores que, por meio de um laborioso trabalho de elaboração e de manipulação da linguagem, conseguem levar para suas obras marcas características da fala para criar o efeito de verossimilhança, como temos mostrado aqui ao longo deste estudo. Assim, tais marcas não representam “erros” ou “desvios”, como os autores desse LDP querem levar os alunos a crer, mas são antes formas típicas da concepção falada sendo usadas como estratégias linguísticas que têm por objetivo produzir determinados efeitos de sentido: poder, agressão, humor, ironia etc.

Assim, nesta seção, percebemos que os fenômenos fonético-fonológicos, que são objetos de investigação sociolinguística, estão presentes nas Coleções Didáticas. Porém, conforme se pode verificar pela demonstração que fizemos até agora, os resultados dessas investigações ainda não são considerados pelos autores de LDP como sendo importantes para respaldarem um ensino de língua que leve os alunos a se apropriarem da língua padrão na fala e na escrita com base nos princípios dos usos linguísticos. Nesse ponto, os LDP carecem de burilamento teórico e metodológico para que sejam, de

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fato, trabalhados em sala de aula sem o ranço de uma visão normativa, que desconsidera a variação como propriedade inerente às línguas e trata os textos literários contemporâneos, as letras de música, os poemas, as HQs, e outros gêneros, puramente como objetos de correção e normatização linguística. Também não encontramos nenhum tipo de gradação no tratamento desse fenômeno nos LDP em análise, conforme demonstra o gráfico 9, a seguir:

Gráfico 9: Distribuição das atividades relacionadas ao nível fonético- fonológico nos LDP

Fonte: Coleções Didáticas de Língua Portuguesa em análise PNLDs 2005/2008/2011

Este gráfico mostra que os fenômenos fonético-fonológicos são pouco abordados nas coleções aqui em análise. Dessas, duas coleções não apresentam nenhuma proposta de trabalho, a PPL e a IDE. As coleções LNO e PPT abordam a questão uma única vez no ano inicial desse nível de ensino, e a coleção PLI trabalha no início e no final do ensino fundamental, mostrando, também a não progressão no tratamento dessas questões.

4.4 BLOCO 1: ATIVIDADES DE CORREÇÃO - NÍVEL LEXICAL FENÔMENO 6: VARIAÇÃO LEXICAL

Muitos são os trabalhos que tratam do léxico na língua oral e na língua escrita. Os interesses se centram nas marcas das transformações sociais no léxico, na seleção lexical na construção do texto falado e escrito, na variação lexical relacionada ao prestígio

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