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As normas a aplicar: normas de estrutura X normas de conduta

Capítulo I – Direito positivo e a movimentação das estruturas normativas

1.3. A aplicação das normas jurídicas

1.3.3. As normas a aplicar: normas de estrutura X normas de conduta

juízos condicionais, atribuindo a determinados fatos uma dada consequência.

É comum, porém, a classificação das normas jurídicas em duas espécies: normas “de estrutura” e normas “de comportamento”. Tal distinção se baseia na seguinte premissa: o direito, diferentemente de outros subsistemas sociais, regula sua própria criação. Compõem-se, portanto, de normas que regulam a conduta dos cidadãos e normas que prescrevem o modo de produção de outras normas.44

Neste contexto, normas de estrutura seriam as regras que dispõem sobre a criação, alteração e supressão de outras normas. Normas de conduta, em contrapartida, seriam as regras inferiores às normas de estrutura, que regulam diretamente a conduta humana por meio dos modais

44 [...] Em todo o ordenamento, ao lado das normas de conduta, existe um outro tipo de

normas, que costumamos chamar de normas de estrutura ou de competência. São aquelas normas que não prescrevem a conduta que se deve ter ou não ter, mas as condições e os procedimentos através dos quais emanam normas de conduta validas. Uma norma que prescreve caminhar pela direita é uma norma de conduta; uma norma que prescreve que duas pessoas estão autorizadas a regular seus interesses em certo âmbito mediante normas vinculantes e coativas é uma norma de estrutura, na medida em que não determina uma conduta, mas fixa as condições e os procedimentos para produzir normas válidas de conduta.” (BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 33-34)

proibido, permitido e obrigatório.45 As normas que outorgam competência legislativa seriam, pois, normas de estrutura.

Contudo, concordamos com Tácio Lacerda Gama quando afirma que “o ato de criar norma é uma conduta como outra qualquer”.46 Sob essa perspectiva, seria irrelevante a distinção entre normas de conduta e de estrutura, uma vez todas as normas jurídicas, inclusive aquelas denominas de estrutura, regulam condutas.

Ora, quando a Constituição da República, por exemplo, reparte a competência para instituição dos tributos, prescrevendo quem poderá cria-los e o modo como isso deverá ser feito (procedimento a ser seguido e a matéria sobre a qual a norma criada poderá versar), está regulando a conduta do legislador infraconstitucional por meio do modal deôntico permitido.47

A norma de competência (estrutura) construída com base em tais disposições será, portanto, idêntica às chamadas normas de conduta, já que atribui a um determinado sujeito uma permissão.

45 “Os teóricos gerais do direito costumam discernir as regras jurídicas em dois grandes grupos: normas de comportamento e normas de estrutura. As primeiras estão diretamente voltadas a conduta das pessoas, nas relações de intersubjetividade; as de estrutura ou de organização dirigem-se igualmente para as condutas interpessoais, tendo por objeto, porém, os comportamentos relacionados à produção de novas unidades deôntico- jurídicas.” (Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p. 145-6)

46 Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade, p. 107.

47 As normas de competência tributária, de modo geral, são vistas como normas que não

obrigam, apenas permitem aos entes federativos a criação de tributos. Há, porém, uma exceção: para muitos autores, a instituição do ICMS seria obrigatória. Roque Antonio Carrazza expõe a ideia do seguinte modo:

“A competência tributária – esta é a regra geral – é, no Brasil, de exercício facultativo. A pessoa política que a possui é livre para criar, ou não, o tributo que lhe foi constitucionalmente deferido. Tudo vai depender da sua vontade autônoma. Segundo pensamos, a única exceção a este traço característico da competência tributária refere- se, justamente, ao ICMS, que os Estados e o Distrito Federal estão obrigados a instituir e a arrecadar, em decorrência do que dispõe o inciso XII, “g”, do § 2º do art. 155 da CF, que prescreve: ‘XII – Cabe à lei complementar: (...) g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos ou revogados’.” (ICMS. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 624)

É certo, por outro lado, que as chamadas “normas de conduta” também se assemelham as chamadas “normas de estrutura”, na medida em que não se limitam a regular as condutas intersubjetivas. Tais normas vêm acompanhadas, também, dos condicionantes para sua aplicação.

Voltemos ao exemplo citado: a norma superior que condiciona a instituição de tributos regula a conduta do legislador ao fixar limites pessoais, procedimentais e materiais que deverão ser observados no momento da edição da norma inferior.

Uma vez editada lei instituindo determinado tributo, teremos os condicionantes materiais para a cobrança do tributo: o que dá ensejo ao seu pagamento (“fato gerador”), quem poderá cobrá-lo (sujeito ativo), quem deverá efetuar o pagamento (sujeito passivo) e qual o montante a ser levado aos cofres públicos (base de cálculo e alíquota).

Estes condicionantes materiais, são acompanhados de determinações quanto a quem pode realizar a aplicação desta norma, bem como o procedimento para tanto.

Ora, se o resultado da aplicação é a produção de uma nova norma jurídica, fica claro que a dita norma responsável pela instituição do tributo, mesmo sendo uma norma “de conduta”, trará também limites para a produção de novas normas jurídicas.

Sob esta perspectiva, podemos afirmar que as normas jurídicas, sejam de estrutura ou de conduta, terão idêntica formulação: regularão uma conduta dentro do sistema jurídico e trarão condicionantes para a produção de novas normas. Todas, portanto, seriam normas de competência.

Ressaltamos, por fim, que todas estas normas (qualificadas como de competência), seriam compostas, na linha defendida por Tácio

Lacerda Gama,48 por dois juízos condicionais distintos: o primeiro (norma primária de competência) regula a forma como uma norma deve ser criada; o segundo (norma secundária de competência) determina quais as consequências a serem aplicadas em caso de descumprimento daquelas disposições.

A “norma dispositiva de competência” é um juízo hipotético condicional que prescreve, no seu antecedente, quem pode criar uma norma, mediante que procedimento, e em que condições de espaço e tempo. O seu consequente, por sua vez, prevê uma relação jurídica na qual a pessoa que criou a norma (sujeito ativo) tem o direito subjetivo de exigir o cumprimento, pelas pessoas físicas e jurídicas (sujeitos passivos) da norma criada nos termos do antecedente.49

Em síntese, referida norma prescreve as condições em que deve ser produzida uma determinada regra e a necessidade de que seja observada pelos seus destinatários justamente por ter sido produzida nos termos prescritos pelo ordenamento.

A “norma sancionatória de competência”, por sua vez, prevê, no seu antecedente, o descumprimento da norma dispositiva (ou seja, invalidade da norma criada) e, no consequente, determina a aplicação de uma regra que prescreve a não aplicação da norma criada ilicitamente (norma anulatória).50

48 “Essas disposições que determinam os requisitos de validade de uma proposição recebem o nome de ‘normas de competência’. Em contraposição a estas, estão as que estabelecem os efeitos da invalidade e que chamaremos de normas sancionatórias de competência.” (Tácio Lacerda Gama, Competência tributária: fundamentos para uma

teoria da nulidade, p. 347)

49 Tácio Lacerda Gama, Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da

nulidade, p. 93.

50 “A norma sancionatória tem como hipótese o descumprimento da relação jurídica de competência tributária (-c). É a violação daquilo que dispõem os condicionantes formais e materiais da norma de competência que justifica a aplicação da norma sacionatória de competência. Em meio aos signos de sua composição, é possível ler que: violada a relação de competência – R(S.M) –, deve-se imputar uma relação entre o destinatário da

A norma de competência, neste contexto, teria a seguinte configuração:51

Este modelo, porém, foi por nós complementado,52 de modo a incluir a competência da Administração para, ela própria, reconhecer a ilicitude de uma norma criada, declarando-a inválida e impedindo a sua aplicação ao caso concreto.

Com efeito, veremos mais a frente que a Administração Pública, especialmente no âmbito tributário, tem competência para rever as

norma e o Estado jurisdição. O objeto dessa relação será a norma que prescreve a não aplicação da norma criada ilicitamente. Essa norma é, também, chamada de norma anulatória.” (Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade, p. 107). 51 “Tanto la derogación como la anulación (nulidad) son el contenido de una faculdad,

consistente en la fijación de la fecha final ff del ámbito temporal de validez (vigencia) de una norma, hecha por um órgano jurídico. No hay actos de derogación o de anulación implícitos. Toda función jurídica debe concebirse como una función positiva, es decir, puesta o establecida por um acto orgânico. Convencionalmente podemos distinguirlas diciendo que La derogación em la fijación incondicionada de la fecha final de vigencia de una norma, generalmente hecha por el mismo órgano que la estableció; en cambio, la anulación es la fijación de la fecha final de vigencia de una norma hecha condicionalmente y generalmente por un órgano distinto del que la creó.” (SCHMILL, Ulises. “Observaciones a ‘inconstitucionalidad y derogación’.” Discusiones

(Publicaciones periódicas). Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2: 79-119, 2001, p. 103-104)

52 Cf. FIGUEIREDO, Marina Vieira de. Lançamento tributário: revisão e seus efeitos. 1ª

normas por ela criadas quando em conflito com a orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, para determinar que não sejam mais aplicadas.

De igual forma, em caso de conflito na aplicação da orientação firmada por estes Tribunais, não somente o Poder Judiciário, mas também a própria Administração Pública poderá resolvê-los, de modo a eliminar do sistema a norma ilicitamente construída com base no precedente, como também a norma individual e concreta que resultar da sua aplicação.

Diante disso, podemos complementar a estrutura da norma de competência com uma norma primária sancionadora, na qual se prevê a a competência da Administração para anular a norma criada ilicitamente. Teríamos, assim, a seguinte configuração:

Sob esta perspectiva, as normas construídas com base num determinado precedente poderiam ser qualificadas como normas primárias dispositivas de competência.

Em caso de conflitos na sua aplicação, ou seja, na hipótese de serem construídas normas primárias de competência distintas com base num

mesmo precedente, caberia a Administração Pública ou ao Poder Judiciário dirimir tais conflitos do seguinte modo:

(i) fixando qual das normas construídas é, no seu entender, a correta; e

(ii) anulando as normas individuais e concretas produzidas com base em interpretação diversa, por estarem em confronto com a norma dispositiva de competência considerada legítima. Estas ideias serão melhor desenvolvidas nos capítulos subsequentes.

Capítulo II – A construção de normas conflitantes é um