2 AS FERRAMENTAS DIGITAIS ENTRAM NA COBERTURA
2.1 As novas habilidades demandadas aos jornalistas
O avanço tecnológico tem obrigado trabalhadores de diversas áreas, entre eles os
jornalistas, a se adaptar constantemente às novas ferramentas sob o risco de se tornar um
profissional ultrapassado e até mesmo perder o emprego. Os que não se enquadram aos novos
mecanismos técnicos-profissionais e não desenvolvem habilidades para lidar com as novas
plataformas são considerados dinossauros nas redações. No relato de Travancas (1992),
vemos que esse problema acontece desde o início da década de 1990 com a substituição das
máquinas de escrever por computadores nas redações:
Para muitos jornalistas, principalmente aqueles de mais de quarenta anos, que trabalharam com as antigas máquinas de escrever manuais, a presença dos computadores significa uma mudança drástica. Alguns afirmam que os jornais “mudaram de cara” e as redações perderam muitas de suas principais características. Velhos repórteres conseguem encarar naturalmente a novidade dos computadores e trabalhar com eles sem tanta dificuldade, mas nem todos têm esse poder de adaptação. Se a inovação técnica trouxe grandes vantagens para o jornal e para o próprio profissional, é a geração que entrou nas redações já informatizadas quem melhor lida com os equipamentos, enfatizando suas vantagens, como ganho de tempo e rapidez no acesso às informações arquivadas. (TRAVANCAS, 1992, p. 24)
A introdução dos computadores, de acordo com Kischinhevsky (2010), alterou
significativamente a produção não apenas porque os jornalistas tiveram que se adaptar à nova
tecnologia, mas também porque ela alterou inclusive o ritmo diário de apuração e redação ao
exigir que o repórter produzisse mais pautas. Vemos que a demanda maior pelo tempo do
jornalista tem início nesta fase:
A máquina de escrever era substituída por microcomputadores, ferramenta útil para a obtenção de maior produtividade dos jornalistas. A informatização reduziu tremendamente o tempo necessário à elaboração e ao processamento de um texto jornalístico, levando a cobranças crescentes – aumento do número de pautas diárias designadas a cada repórter, enxugamento de equipes, acúmulo de funções. Quem não se adaptou simplesmente perdeu o emprego. (KISCHINHEVSKY ,2010, p.7).
Os primeiros modelos de digitalização nas redações aconteceram na década de 1970,
quando o computador era usado para processar o texto, tendo função secundária nas
atividades de apuração. Já hoje, as redes são ferramentas auxiliares na elaboração de
conteúdos para os meios clássicos, como os jornais, as rádios e as TVs. No caso do jornalismo
digital, todo o processo jornalístico de produção – da pesquisa à circulação de conteúdos –
acontece no ciberespaço.
O presente do jornalismo já se dá com a migração plena para o ciberespaço, que, como
evidencia Machado (2003, p.13-14), “virou espaço para localização de fontes, criação de
modelos de negócio, ferramenta de apuração e suporte para a disseminação dos conteúdos
entre os membros das redes articuladas em torno de cada publicação”.
Uma ruptura que, sem deixar de incorporar os conhecimentos acumulados ao longo de quatro séculos, parte do pressuposto que, por mais experiente que seja, um jornalista dos meios convencionais parece um foca no mundo das redes. (MACHADO, 2003, p.13).
Compreender as ações e associações humanas na internet é uma das tarefas do
jornalista nos dias de hoje, que pode reconhecer os rastros deixados pela sociedade na rede e
utilizá-los em matérias de comportamento. Numa cobertura de eleição, por exemplo, esse tipo
de reportagem é fundamental, pois é capaz de revelar as preferências de parte do eleitorado.
Mas, para captar esse conteúdo disponível, os jornalistas, além de saber a parte operacional do
sistema, precisam compreender os códigos utilizados pelos usuários.
As “conversações em rede”, como define Recuero (2012), são facilmente “buscáveis”,
principalmente as do Twitter, que podem ser guiadas pelas hashtags. “Através do uso da
hashtag, que provê o contexto, é possível acompanhar centenas de pessoas falando umas com
as outras, em uma conversação que parece caótica e complexa” (Recuero, 2012, p.126). Os
jornalistas, então, precisam entender as abreviações e gírias usadas naquele microcosmo. Só
assim é possível utilizar a ferramenta como forma de auxiliar na construção do noticiário, pois
como afirma Vizeu (2000, p.57): “[...] o sujeito se defronta com outros códigos – ou outros
discursos – de que empresta também para a constituição de suas unidades discursivas. Do
trabalho de operar com vários discursos resultam construções, que, no jargão jornalístico,
podem ser chamadas de notícias”.
É claro que os jornalistas mais jovens, por terem tido contato desde crianças ou pelo
menos desde a adolescência com as plataformas digitais, acabam dominando mais facilmente
tais ferramentas até porque estão acostumados à estrutura do texto da web e à linguagem
utilizada na rede. Mas devemos lembrar que tal conhecimento é adquirido muito mais através
do uso sistemático desses mecanismos, até mesmo para o lazer, do que por um ensino formal
de informática nas escolas contemporâneas
.Na construção de suas narrativas, os jornalistas também precisam dominar a dicotomia
digital X analógico. Como vimos no capítulo 1, a revolução eletrônica rompe com a
continuidade da tradição impressa e cria novos parâmetros de técnicas de leitura e de escrita.
Diante do suporte eletrônico, os jornalistas têm tido que criar e pensar em maneiras de
construir narrativas transmidiáticas. Já no processo de criação, ele pensa na pluralidade de
formas de apresentação do texto até para atender aos interesses da empresa. Pois, como
acredita Borges (2009, p.44), “o grande desafio para os jornais será a capacidade de adaptação
de seu conteúdo para distribuí-lo por todos os meios de comunicação disponíveis”.
Mas também é preciso avaliar qual conteúdo deve ser veiculado em qual mídia.
Meyrowitz (1987, p. 97-98) ressalta que as mensagens em mídias impressas e eletrônicas são
sobre coisas diferentes. A televisão pode apresentar um objeto ou pessoa de um modo que a
descrição verbal não consegue. Um vídeo de um fugitivo, por exemplo, ajuda mais do que a
descrição dele. Mas as mensagens audiovisuais, por outro lado, são limitadas para exprimir
ideias abstratas.
Sabemos que é necessário treino para que se consiga codificar mensagens nas mídias
digitais, como em qualquer outro meio. Navegar na internet, apurar uma informação, digitar
uma matéria, postar um conteúdo em uma rede social, em um site ou em uma plataforma de
publicação para veículos impressos são atividades que, para serem executadas, precisam da
integração dos sistemas perceptivo e motor. Por isso, cada vez mais os próprios comandos das
redações de jornais impressos, por exemplo, estão investindo em cursos para capacitar seus
funcionários a desenvolver atividades múltiplas. Além de saber apurar e redigir um bom texto,
um repórter do impresso nos dias de hoje tem que saber fotografar, filmar e editar vídeos que
serão veiculados nas versões online do produto, etc.
Como nos mostram Oliveira; Timponi e Maia (2011), as transformações nos sistemas
de mídias e entretenimento contemporâneos implicam desafios para os processos cognitivos
dos usuários, entre eles os jornalistas. Segundo as autoras, tais desafios são:
1) Maior participação em atividades de construção colaborativa de conteúdo e em ambientes de interação social; 2) Aumento na quantidade de informações distribuídas em diversas plataformas, exigindo que o usuário atue como verdadeiro investigador: é necessária uma percepção seletiva acurada para explorar, pinçar e conectar os conteúdos de interesse no meio do excesso e da fragmentação; 3) Necessidade de selecionar tarefas e ordená-las devido à sobrecarga de estímulos e demandas; 4) Por fim, o estímulo para que se aprenda diversas linguagens, softwares e códigos midiáticos essenciais na cultura digital. (OLIVEIRA, TIMPONI, MAIA, 2011, p.1-2).
Essas novas demandas, como não poderia deixar de ser, acabam provocando um
impacto na organização do trabalho e nos processos produtivos dos jornalistas. E podem até
mesmo influir nos critérios de noticiabilidade.
Barreto, Rodrigues e Kischinhevsky (2009) mostram que os dois veículos estudados
nesta pesquisa – “O Globo” e a “Folha de S.Paulo” – anunciaram medidas recentes sobre a
questão da prática profissional multimídia. Conforme os autores, “O Globo”, no seu processo
seletivo de estagiários, tem como um dos critérios a capacidade do concorrente de contar a
mesma história em diferentes suportes. Além disso, ao longo de 2008, “O Globo” começou a
integrar as redações do jornal com a do portal “Globo Online”, eliminando a distinção entre as
duas marcas e intensificando as exigências para que os profissionais do jornal impresso sejam
também responsáveis pela veiculação de notícias em diversos formatos além da plataforma
web, como resumos para envio via SMS. A integração física das redações do impresso e do
online aconteceu, como já dissemos, no fim de 2009, sendo a cobertura das eleições de 2010 o
primeiro grande evento político neste novo cenário de produção.
[...] jornalistas de O Globo e Extra (principal negócio do Infoglobo no segmento popular)
foram orientados pelas chefias de redação a, sempre que possível, complementar a apuração de reportagens com a captação de sonoras e a gravação de entrevistas resumidas em vídeo,
visando alimentar suas versões online. Para tanto, repórteres de texto vão às ruas com
telefones celulares de terceira geração, filmadoras, câmeras fotográficas e notebooks para
agilizar a transmissão de conteúdo. Nenhum acréscimo salarial foi oferecido aos jornalistas, que, na visão da empresa, estão apenas se adequando à “nova realidade do mercado”. A mudança na lógica produtiva veio amparada por campanha publicitária que expõe a importação de um modelo de convergência norte-americano – a principal peça veiculada pela TV Globo, intitulada “Muito além do papel de um jornal”, encerra-se com expressões em
inglês para remeter à noção de informação em tempo real, 24 horas por dia: “On line. On
time. Full time”. (BARRETO, RODRIGUES, KISCHINHEVSKY, 2009, p.53).