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2 AS FERRAMENTAS DIGITAIS ENTRAM NA COBERTURA

2.2 As ferramentas digitais na visão dos jornalistas

2.2.2 O domínio do conteúdo e da linguagem da ferramenta

Os 16 entrevistados disseram seguir no Twitter, além dos perfis dos principais

candidatos à presidência (alguns não seguiam o Plínio), deputados, senadores, ministros,

assessores e demais fontes ligadas à política, além de jornalistas da área, colunistas e perfis de

jornais e revistas concorrentes. “Por exemplo, a Dilma, a gente não acompanha só o perfil

dela, era o dela, o do partido, da campanha, dos coligados...”, explica Q., demonstrando a

grande quantidade de fontes que era necessário acompanhar.

Dez jornalistas ouvidos disseram acompanhar sistematicamente os TTs e movimentos

de internautas da rede. Mas, segundo A., a fala do eleitor nas matérias acontecia mais em

situações em que o próprio site do “Globo” estimulava determinada discussão através de

ferramentas como o “Opine”, na qual o veículo propõe um tema e abre espaço para os leitores

opinarem. Essa matéria feita para o site, eventualmente, também era publicada no jornal

impresso.

Usávamos mais a fala do eleitor retirada de comentários postados em ferramentas do nosso próprio site, como o Opine. Nós estimulávamos aquela discussão, e consolidávamos em uma matéria o que surgiu dali. Retirar algo que o internauta falou no Twitter era mais raro e acontecia mais em situações específicas, como o acompanhamento dos twitaços promovidos pela Marina. (A.).

A fala de A. deixa transparecer uma espécie de marketing do jornal. Apesar de o

conteúdo ser jornalístico, há uma fidelização dos consumidores, que se sentem “prestigiados”.

“O Globo”, em 2009, promoveu uma campanha, chamada “Nós e você, já são dois gritando”,

convidando seus leitores a participar de um megafórum, no qual o veículo propunha um

debate sobre os problemas que incomodam muita gente em grandes cidades como o Rio.

Quem não estivesse satisfeito com os temas propostos também podia sugerir aquele que lhe

interessasse. O leitor podia usar também o Twitter para se manifestar, bastando ao final do

post acrescentar a hashtag #doisgritando. Essa ação sugere que os veículos de comunicação

querem cada vez mais a participação de seus leitores, no chamado jornalismo colaborativo,

mas desde que essa colaboração passe pelo crivo da empresa, que assume o papel de

mediador.

Assim como A., B. também revelou que o conteúdo postado por internautas/eleitores

comuns no microblog era pouco utilizado:

Em muitos casos, era até engraçado acompanhar a discussão entre os correligionários da Dilma e do Serra no Twitter, como no episódio da bolinha de papel atirada no Serra. Mas nós usávamos menos esse movimento das redes, a não ser que se instaurasse uma crise.

Na análise do conteúdo do “Globo” que veremos no próximo capítulo, no entanto,

poderemos notar que o jornal impresso se utilizou bastante das falas dos internautas,

principalmente em notinhas das colunas. Na “Folha”, isso foi mais raro.

Segundo os jornalistas, o monitoramento dos TTs era feito mais para acompanhar as

ondas e estratégias do que para buscar uma aspa de um internauta, o que eventualmente

acontecia:

Acompanhava mais como um termômetro. Nunca fiz uma matéria sobre um assunto que estava bombando no Twitter. Mas você sente onde os caras querem ir. O que bomba na internet tem uma razão de ser, tem um movimento. Acho que várias ondas são organizadas, orquestradas. Tem uma estratégia política por trás disso. E aí você vai conversar com o universo político para tentar entender. Nesta eleição (2012), o Serra disse que “o Dirceu é o guru do Haddad” três vezes. É para tentar marcar. Muitas vezes, os candidatos usam o Twitter para ressaltar e repetir frases como essa. (H.)

Às vezes o tweet do cidadão que a gente estava de olho - do aliado ou do vice - era tão polêmico que a reação das pessoas virava notícia mais para dar um termômetro da abobrinha que o cidadão falou. Eu fiz uma matéria em 2010 com a Mara Gabrilli que é uma deputada federal muito ligada ao Serra, ela havia sido secretária da pessoa com deficiência no governo dele de São Paulo. E aí no meio da campanha ela fez um tweet assim: "você entregaria o seu filho para a Dilma cuidar como babá?", para dizer que a Dilma não era uma pessoa confiável, era uma mulher muito dura. As pessoas ficaram tão malucas (com essa declaração) que virou matéria. Então basicamente a reação dos eleitores é mais um indicativo para você ver se tem

notícia ou não ali. Nesse caso, não foi o Trending Topics que me levou. Eu achei esquisito e,

quando fui ver, tinha uma avalanche de comentários super agressivos. Os eleitores reagiram muito mal ao que ela falou. (K.)

Algo que está estourando você faz uma matéria para mostrar o quanto isso é curioso ou que não é bem assim ou que foi provocado por isso ou por aquilo. Você tenta explicar porque chegou aquele ponto, investigar. (Q.)

Embora o acompanhamento dos jornalistas sobre o movimento das redes fosse

tímido em comparação ao acompanhamento das postagens dos candidatos, não se pode

ignorar que o Twitter ajudou a propagar polêmicas e ondas, como nos lembra D.:

Antigamente, criava-se um zumzumzum que ficava o dia inteiro. O jornalista ouvia um lado, ouvia o outro e publicava a matéria. Hoje, quando o zumzumzum começa, as campanhas já detectam e começam a usar estratégias para contra-argumentar e a frear as ondas. E tem início uma onda contrária. Antigamente a onda vinha, não era vista e ia pro jornal. Hoje, a onda é criada, é vista e combatida antes de ir para o jornal.

Esse uso do boato como estratégia eleitoral é típico das democracias liberais, como

afirma Thompson (2002). Os boatos, segundo o autor, são sempre notícias não autenticadas

que podem ter consequências de longo alcance e dar origem a um escândalo. “Se os boatos

são apanhados pela mídia e apresentados, tanto na forma de notícias confirmadas, como de

insinuações, torna-se então muito mais difícil prevenir que um escândalo irrompa”.

(THOMPSON, 2002, p.55).

Por conta desses movimentos criados muitas vezes pelas próprias campanhas, J.

criticou o uso indiscriminado de citações dos TTs pelos jornais:

Trending Topics era a grande febre dos jornais. Acho uma muleta citar TTs como se fosse uma notícia que tivesse tomando conta da sociedade. Em muitas circunstâncias era um movimento atiçado por um grupo, não dava para levar muito em consideração.

P., que revelou trabalhar bastante com os TTs para alimentar sua coluna, também

ressalta que é preciso olhar e usar os dados com parcimônia porque “a rede promove

distorções”:

Aquilo (os TTs) não é uma verdade absoluta. Até se você pegar uma retrospectiva das pesquisas eleitorais, elas erram. Na web, então, é mais fácil ainda de se manipular os dados. Até em pesquisas de intenção de voto feitas pela internet, as pessoas podem se esconder no anonimato e responder mais de uma vez. É preciso ter cuidado ao usar esses números e deixar

claro para o leitor que eles refletem um contexto web. O político popular na rede pode ter uma atuação limitada no congresso.

É importante para o jornalista acompanhar o que se passa nas redes porque elas são

“metáforas para os grupos humanos, onde se procura entender suas inter-relações”

(RECUERO, 2012, p.127-128). Mas, é preciso lembrar que a amostra retirada do microblog

não é representativa de toda a população brasileira. Entre os entrevistados do Vox Populi no

estudo de Aldé (2011, p.4), por exemplo, poucos seguem o Twitter: “para a maioria parece

perda de tempo. Perguntados sobre os candidatos no Twitter, a maioria estranha ou acha a

pergunta até engraçada, como se a ideia fosse um pouco ridícula, absurda”.

Para F. e outros entrevistados, o Twitter serviu mais como ponto de partida para uma

apuração maior: “Eu via mais as tuitadas dos políticos porque eles davam informação. De

repente o Serra estava aqui no Rio e tuitava ‘estou indo no Bar Luiz’. Aí, a gente deslocava

uma equipe para lá. Era também pauta”. H. relata um exemplo da campanha de 2012, mas que

ilustra bem esse uso do Twitter como agenda para os jornalistas: “Este ano, fiquei sabendo de

uma reunião durante a pré-campanha do Serra. Um aliado postou que estava no hotel Y com a

coordenação X esperando o Serra chegar. Peguei o carro e fui. Cheguei lá e não tinha

ninguém da imprensa”.

Os candidatos, por sua vez, sabendo que eram seguidos, utilizavam o Twitter como

forma de pautar a mídia. De acordo com Aggio (2011), dos 71 posts que Dilma Rousseff fez

no microblog entre 2 de agosto e 2 de outubro, nove eram divulgação de agenda. No mesmo

período, Serra postou 505 vezes, sendo 20 posts relativos à divulgação de agenda. Marina

Silva foi a que mais se utilizou do recurso: dos 748 posts, 145 eram relativos à agenda de

campanha. É claro que outras postagens, como ataques a adversários, comentários sobre

eventos, também pautavam os veículos de imprensa.

Até mesmo as amenidades que os candidatos publicavam sobre assuntos que não

necessariamente tinham a ver com política acabavam parando nas páginas do jornal e eram

muito usadas como notinhas de colunas, como veremos mais precisamente no próximo

capítulo durante a análise do material publicado pelo “Globo” e pela “Folha”.

É claro que tem o lado curioso, como essa coisa de o Serra tuitar de madrugada, e às vezes estar vendo um filme e comentar sobre isso. Ele era um personagem central, e a gente acabava usando. (E.).

Muito mais do que alimentar notinhas, o que de fato acontece é que essas curiosidades pessoais pautam a redação. Você em cima de uma frase, de 140 caracteres, pode fazer uma matéria de uma página, você pode tirar até uma manchete se você souber trabalhar bem aquilo que o cara está dizendo. (G.)

O jornal pensava na leveza do conteúdo, o candidato em passar uma imagem menos carrancuda. Política tem disso, o povo vê como coisa chata. A Dilma falava do neto dela.

Essas coisas podem não ser intencionais, mas publicamente tem um efeito de o eleitor se sentir mais próximo do candidato. (D.).

Essa proximidade buscada com o público vai ao encontro da importância da figura do

político no atual contexto de eleições em detrimento da relevância dos partidos, como vimo s

anteriormente em conceitos trabalhados por Leal (2002).

Segundo os entrevistados, alguns furos de reportagem eram dados através do Twitter,

por isso a importância de o monitoramento do microblog ser constante. De acordo com B.:

O primeiro lugar em que apareceu a decisão de que o TRE podia cassar a candidatura do Garotinho foi no Twitter. Foi um deputado, que eu não lembro mais, mas da base do PSDB que lançou no Twitter. Daí eu liguei para a equipe do Garotinho, e eles confirmaram. Esse foi um caso em que usei o Twitter como ponto de partida para uma apuração maior.

Já D. e P. lembraram que o presidente do PTB, Roberto Jefferson, anunciou o nome

do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) como vice de José Serra via Twitter. O anúncio gerou

uma crise na aliança com o DEM, e o PSDB acabou optando por Indio da Costa (DEM-RJ):

Houve vários anúncios via Twitter que a gente era surpreendido. Isso criou uma necessidade de acompanhar esses caras. Eles começaram a mostrar que esse seria um canal de comunicação. O Roberto Jefferson antecipou e furou todo mundo, mas depois o PSDB voltou atrás. (D.)

P. ressalta, no entanto, que a primeira grande declaração de um político brasileiro no

Twitter que ele se lembre aconteceu em agosto de 2009, quando o senador Aloizio

Mercadante disse, em sua página no Twitter, que renunciaria à liderança do PT em "caráter

irrevogável", mas por conta de um pedido do então presidente Lula acabou voltando atrás e

“revogando o irrevogável”. “A partir daí, vários políticos começaram a dar informações no

Twitter porque eles viram que nós estávamos acompanhando o que se passava na rede”. (P.)

O Twitter também auxiliou E. em um dia em que ele buscava de antemão uma capa

da revista “Veja” que ainda não tinha sido publicada. Esse caso deixa nítido o conceito de

“cultura da convergência” de Jenkins (2009), na qual velhas e novas mídias se cruzam.

Teve um dia que eu estava esperando avidamente a capa de uma Veja que a gente já sabia que iria trazer uma denúncia contra o Pedro Abramovay [então secretário Nacional de Políticas Sobre Drogas]. Quando deu meia-noite, eu fiz uma busca e encontrei um post de um jornalista que tinha tido acesso à capa e havia postado o PDF no Twitter. Aí a gente conseguiu se preparar para a cobertura do fim de semana. A Veja fez um pouco isso, de vazar as capas pelas redes sociais. Na época da campanha, isso fazia a maior diferença em termos do nosso planejamento, já que a gente tentava aprofundar determinadas denúncias. Então, a gente se organizava a partir disso. (E.).

E. lembra ainda que uma foto publicada por Marcelo Déda, então candidato à

reeleição ao governo de Sergipe, foi providencial durante o fechamento de uma edição:

Na campanha, ele tuitou uma foto da Dilma num evento que ninguém estava cobrindo. A gente precisava de uma foto com urgência, e ele postou uma dela com o Lula, os dois de vermelho. Nós demos a foto com o crédito dele. Ele não divulgou diretamente para a gente, mas, como ele colocou no Twitter, a informação é de todo mundo.

Os depoimentos acima deixam clara a convergência entre plataformas no atual

processo de construção da notícia, que agora é executado também com a colaboração de

fontes que muitas vezes nem chegam a saber que o material publicado por elas nas redes

sociais foi parar numa edição do jornal. Em outros casos, como citamos, o leitor quer

participar do conteúdo jornalístico e colabora conscientemente enviando sua opinião, seu

relato, foto ou vídeo.