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Parte I Ambientalismo, ONGs e Turismo Sustentável

Capítulo 3: Ambientalismo e Turismo Sustentável

3.2 As ONGs ambientalistas e o Turismo Sustentável

O Turismo Sustentável, desde a década de 1980 é uma atividade reconhecida como instrumento de conservação da natureza nos vários documentos globais, estando atrelada aos paradigmas ambientais de promoção da diversidade, de integração entre povos e sustentabilidade. Isso se dá através de ações e estratégias que buscam valorar a natureza, reconhecer limites de seu crescimento, buscar participação, governança, democratização e emancipação social. Além disso, o TS é reconhecido como ferramenta de Educação Ambiental visando mudança de valores, comportamentos e atitudes dos envolvidos, como ecoturistas, agentes, operadores, guias entre outros.

Pode-se dizer que no TS, de maneira geral, as empresas privadas mostram- se pouco comprometidas, praticando um Turismo convencional esverdeado e cheio de contradições e incoerências, mesmo sem tocar no aspecto ético. Da mesma forma, os órgãos governamentais que contribuem com políticas e diretrizes, não acompanham o ritmo acelerado do crescimento da atividade, além de apresentarem descontinuidade nos projetos na troca de governos.

O tema da sustentabilidade do Turismo vem à tona com popularização do segmento de Turismo de natureza, a partir da década de 1980.

Em 1994, representantes de entidades governamentais e não governamentais, a convite dos Ministérios do Meio Ambiente e da Amazônia Legal e da Indústria, Comércio e Turismo, definiram o Ecoturismo como:

"Um segmento da atividade turística que utiliza de forma

sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem estar das populações envolvidas”

Em 1996, quando a Organização Mundial do Turismo (OMT), o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC) e o Conselho da Terra divulgaram a

Agenda 21 para a Indústria de Viagens e Turismo, passaram a enfatizar e

recomendar a necessidade de se formatar parcerias entre os três setores envolvidos com a questão turística.

Nestes documentos oficiais nacionais e internacionais sobre TS, as ONGs ambientalistas têm papel preponderante, seja em conjunto com o Estado e a iniciativa privada ou em separado, visando à conservação da bio e sociodiversidade, com participação e envolvimento em várias estratégias. Entre estas, destacam-se: envolvimento na proteção da natureza e da cultura de comunidades locais; controle da qualidade das atividades ecoturísticas; captação de recursos e financiamento; Educação Ambiental e sensibilização dos envolvidos; intercâmbio de informações entre atores locais, regionais e globais; elaboração de diretrizes e de diagnósticos; capacitação e apoio à participação comunitária; na pesquisa e difusão de conceitos, métodos e técnicas; cogestão e apoio às áreas protegidas e até com a operação do TS60.

A presença das ONGs no desenvolvimento responsável do TS foi corroborada no Acordo de Mohonk sobre Turismo Sustentável (2000), no qual se afirma que todas as ações dependem necessariamente da participação da sociedade civil, especialmente a representada pelas ONGs.

A Declaração de Quebéc, Canadá, gerada a partir da Cúpula Mundial de Ecoturismo promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2002, traz recomendações específicas para as ONGs que atuam com o tema, legitimando-as como atores significativos. Tal documento apresenta uma seção inteira sobre as ONGs, repetindo inúmeras vezes a necessidade de parcerias e da colaboração destas entidades.

Este documento, oficializado em Johanesburgo, na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+10), e que se constituiu em um elemento norteador das políticas internacionais para os próximos dez anos, foi elaborado por especialistas em TS de todos os segmentos, incluindo as ONGs.

Há no Brasil desde meados dos anos de 1990, certo investimento dos órgãos públicos para desenvolver o TS responsável, ao incluírem-no como meta nas agendas políticas. Estas metas, diretrizes e ações aparecem detalhadas em vários documentos, entre os quais se destacam: Diretrizes para uma Política

Nacional de Ecoturismo (1994), Diretrizes para a Política Estadual de Ecoturismo- SP (1997), Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal

(PROECOTUR) (1999), Pólos de Ecoturismo do Brasil (1998).

Em setembro de 2008, como uma estratégia para viabilizar algumas UCs, o Governo Federal lançou um Programa de Incentivo ao Turismo, com investimentos em seis parques nacionais, considerados por ele prioritários: Aparados da Serra, SC/RS, da Chapada dos Veadeiros, GO, dos Lençóis Maranhenses, MA, da Serra dos Órgãos, RJ, do Jaú, AM e da Serra da Capivara, PI. Os parques de Fernando de Noronha, PE, Abrolhos, BA e o de Foz do Iguaçu, PR, também estavam por receber, durante o período de conclusão da redação desta tese, atenção para o fechamento de contratos de concessão de serviços.

Este Programa objetiva modificar uma realidade muito complicada que é a de se ter Parques belíssimos, mas fechados ou sem estrutura adequada para visitação. Assim, perdem-se oportunidades de gerar divisas, além das de educar ambientalmente os visitantes. O investimento está previsto para continuar por cinco anos, quando se espera que pelo menos dois terços dos parques nacionais tenham infraestrutura interna e de acesso para o Turismo.

As iniciativas ocorridas nos primeiros dez anos de 2000 eram ainda pouco frequentes em 2009 além de descontínuas. Muitas vezes se resumem a colocar no papel diretrizes e projetos visando à sustentabilidade do segmento, com a implementação das iniciativas, geralmente pelas ONGs ambientalistas já que paralelamente há um mercado ecoturístico se expandindo, sem uma discussão mais abrangente envolvendo seus diversos atores sociais (SERRANO, 2005), tal como observado por um sujeito desta pesquisa:

“Eu acho que realmente política pública pé no chão não

existe. Acho que tá começando agora e a gente tem uma esperança... Acho que nós vamos reverter o jogo, sou

altamente otimista apesar de tudo...” (MEIRELLES FILHO em

entrevista à autora em 12/12/2008).

Essa pouca influência de políticas públicas e iniciativas privadas para a área conduz à participação de ONGs no setor, que passam a ter importância crucial no seu desenvolvimento, integrando os princípios e recomendações a práticas realmente sustentáveis de Turismo (LAVINI, 2002).

O TS depende de paisagens naturais com beleza cênica capaz de sensibilizar os visitantes, a ponto de conseguir ressignificar o lugar, tendo potencial de extrapolação rumo a novas práticas territorializantes e cidadãs. Esse é, para algumas ONGs, o principal motivo de trabalharem o TS, como demonstra o depoimento a seguir:

“WWF identifica que era uma região importante para a conservação, e o que poderia ser feito, e havia um ponto em comum que eram regiões de beleza cênica consideráveis”

(SALVATI em entrevista à autora em 13/10/2008).

A atuação das ONGs e o reconhecimento dos seus esforços podem ser constatados pelos diversos prêmios que recebem: Prêmio Ford Motor Company de Conservação Ambiental, o Prêmio Senac de Turismo Ambiental, o Prêmio Ambiental von Martius, o Conservation International Ecotourism Excellence Award, entre outros.

No tocante às ONGs transnacionais atuantes no Brasil investindo recursos financeiros, humanos, tecnológicos e inserindo as florestas brasileiras no chamado sistema financeiro verde, temos como pioneira em projetos e programas de TS, o WWF-Br, que em 1971, iniciou suas ações em projetos em Turismo, seguido por outras ONGs, somando grandes quantias em dinheiro doados ao Governo, institutos de pesquisa e ONGs locais, como representantes de interesses coletivos, responsáveis pela gestão dos recursos naturais.

Independentemente do que se diga, a globalização da política ambiental e do Turismo, no Brasil, tem contribuição indiscutível, com a formação de coalizões em torno de questões específicas, a mudança da percepção sobre a floresta, a influência de padrões internacionais de proteção ambiental sobre estrangeiros

que, entre outros, são citados por Viola (1999) como vetores decisivos na nova agenda global ambiental.

Conflitos nas comunidades inseridas nos locais onde o TS ocorre, ou próximas a UCs, podem explicitar diferentes expectativas e valores não identificados da sociedade, assumidos por alguma ONG que porventura a represente. Segundo Touraine (1989), para se caracterizar como movimento social, estes interesses teriam que ser claramente identificados, assim como os atores, seus adversários e o campo de disputa no qual se desenrolaria o conflito proposto. Estas divergências não podem ser absorvidas como demandas de ONGs, sem uma ampla discussão social. As ONGs constituem agentes de mudança capazes de eleger lutas e mobilizar pessoas, recursos e instituições em defesa de determinada causa.

Resta saber: quais são esses atores? Já estariam estabelecidos ou estariam se constituindo na medida em que o conflito avança? Para Alonso e Costa (2000), “é crucial compreender que os principais agentes do debate e dos

conflitos ambientais não estão dados. Tanto agentes quanto alianças se constituem e se refazem ao longo do processo político” (ALONSO; COSTA, 2000:

130).

Para Ferreira (2004):

“Há uma arena especificamente ambiental, orientada pelo

processo decisório, que estabelece normas e regras de utilização de recursos, e esta arena é constituída pela interação de diversas arenas também conflituosamente estabelecidas (BENTLEY, 1949)” (FERREIRA, 2004:48).

A arena ambiental é corresponsável pelo estabelecimento do debate. É ela que definirá as condições e os papéis iniciais de cada um dos envolvidos. Estes, após o início dos debates, estabelecidas as interações, como peças de um jogo, assumirão identidades diversas, em função das demandas, das possibilidades e do aprendizado em construção. Assim, lembrando Laclau (1986), os agentes ou atores sociais, assumirão ora um ora outro papel, podendo, inclusive mediar, conforme a arena. Sendo a preocupação ambiental a razão de ser da arena, em

torno dela serão estabelecidos e restabelecidos os papéis de cada um, a depender dos rumos da ação em curso.

A preocupação com o ambiente deve ser fundamentalmente, a razão de ser do TS e nesse sentido, todos os atores envolvidos com a atividade devem firmar parcerias para a obtenção de bons resultados. As ONGs seriam as catalisadoras de ações em prol da conservação ambiental, oferecendo melhores condições por, geralmente, trabalharem em parceria com as comunidades locais podendo contribuir para o desenvolvimento dos municípios em seus aspectos sociais, culturais e econômicos; além de atuar em parceria com empresas, universidades e governo.

Outro aspecto importante é o de as ONGs do setor geralmente atuarem de forma representativa, democrática e participativa, preceitos que devem nortear as ações em conjunto com as comunidades locais na gestão do Turismo, aceitando- as como participantes e interlocutoras desta gestão, desde o início dos trabalhos, e não somente legitimando-os após sua implementação (RABINOVICI; FERREIRA, 2008). Para Rodrigues (2008):

“O âmbito institucional, de onde surgem propostas participativas para o ordenamento territorial em áreas protegidas, influencia direta ou indiretamente as ações a serem realizadas ‘na ponta’ - seja em planos de manejo específicos para uma determinada área, seja na criação de políticas públicas mais amplas destinadas ao ordenamento de um bioma específico. A política interna da instituição responsável pela administração da área (...) de maneira direta ou indireta, interfere no grau de participação social a ser alcançado nos processos de gestão ambiental das unidades” (RODRIGUES, 2008:8-9).

Desse início de trabalhos em parceria ONG e comunidade é que será possível algum sucesso ou resistência. Durante esta pesquisa, que cobriu o período temporal de 2006-2009, não se identificou um marco inicial para a relação ONGs e comunidades para tratar de Turismo que muitas vezes se deu por conta da pesca ou outros e, depois passa a ser tema e foco dos trabalhos. Também não

comunidades; elas são posteriores, advindas do discurso salvador da sustentabilidade. Segundo Vicente Neves61 (em entrevista à autora em 2008), a

prática hoteleira em Silves era muito fragilizada, com um tipo de Turismo muito ruim e por isso as comunidades não queriam saber da atividade à época. Muitos sequer sabem o que é Turismo ou tem uma imagem fantasiosa deste:

“Um dos indicadores do Plano de Manejo, ou dessas pessoas que trabalham lá há muitos anos, é que essa comunidade em particular queria fazer Ecoturismo... Com certeza eles não sabiam o que era (...) então a primeira coisa que nós fizemos foi tentar discutir isso aí (...)” (MEIRELLES

FILHO em entrevista à autora em 12/12/2008).

Porém, o depoente afirma que não há, no geral, resistência ao Turismo na Amazônia, pois:

“Não, aqui em Belém não tem por uma simples razão: não existe pressão de demanda... não existe Ecoturismo na Amazônia no que se orientar... em Manaus existe pouca coisa, que é Ecoturismo... não um turismo disfarçado de qualquer outra coisa... e então, não tem! As pessoas nem sabem o que é um Ecoturismo de verdade. Silves é uma referência, Mamirauá ou outros lugares... nem sei como está a eco-floresta... parece que desandou... Mas... não existindo pressão de demanda, eu acho que não tem esses problemas” (MEIRELLES FILHO em entrevista à autora em

12/12/2008).

O Projeto Bagagem (PB), por exemplo, afirma que negocia sua intervenção no local escolhido, em função dele já ter algum tipo de organização comunitária em funcionamento, e ter, de certa forma, o fluxo de visitantes iniciado, conforme entrevista de Cecília Junqueira S. Zanotti62 (em entrevista à autora em 2008):

“Nós sempre trabalhamos com ONGs que não desenvolvem Turismo, entra, essa é a parceria, o que o Bagagem tem para oferecer é isso, é iniciar o trabalho de Turismo de Base

61Vicente Neves é Secretário Executivo da ASPAC, Silves, AM, formado como professor, ministra aulas de

históri a e de filosofia para escola estadual.

62Cecília Junqueira S. Zanotti é Diretora do Projeto Bagagem (PB). Para maiores detalhes, seu currículo no

Local, em geral são ONGs que recebem visitas porque muitas pessoas, financiadores, sempre querem visitar as experiências, então são ONGs que já tinham essa vontade porque têm demanda de visitação dos próprios parceiros só que eles não tinham isso como uma das estratégias da ONG” (ZANOTTI em entrevista à autora em 13/05/2008).

No tocante aos impactos concretos do TS praticado no Brasil, a contribuição dos debates propostos está na intervenção e problematização das ações que incidem nos territórios onde é praticado. Há o ideal de se transformar as populações locais em sujeitos atuantes e inseridas na construção de pactos sociais e políticos. Nestes, a conservação dos recursos naturais pelas comunidades, investimentos em qualificação profissional para a gestão dos mesmos, inserção no mundo global, acesso a bens econômicos e culturais e o fortalecimento de identidades entre outras, seriam questões cruciais a serem atingidas, saindo do plano discursivo e complexo por definição.

3.3 As possíveis contribuições das ONGs ambientalistas para o