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Parte I Ambientalismo, ONGs e Turismo Sustentável

Capítulo 1: Ambientalismo e institucionalização através das ONGs

1.5. Como as ONGs se sustentam e como mantém sua autonomia

Na escala brasileira, as ONGs mais influentes, até hoje, obtêm dinheiro e orientação política (ou ambos) de governos e grandes doadores corporativos internacionais. Às vezes, mesmo com poucos membros e questionável legitimidade junto ao seu público, elas continuam a obter recursos. Por meio de uma constante atividade de propaganda, estabelecem as margens do debate público e suas ideias, muitas vezes, são reconhecidas e trabalhadas pelos governos, mesmo quando as ONGs não são suas parceiras. Estas ONGs são questionadas por grupos de base, associações menores, como entraves a sua existência na medida em que angariam todos os recursos disponíveis para o trabalho com as questões ambientais.

Dewar (2007) é profética ao escrever:

"Ao final de 1991, eu já me tornara altamente cética sobre os

motivos dos que estavam no círculo. Eu havia chegado à conclusão de que a poluição trans-fronteiriça estava sendo usada como um instrumento de propaganda para vender aos descrentes a necessidade de níveis regionais e globais de governança. O “pensar globalmente, agir localmente”, era

apenas outra frase de efeito propagandística. O público estava sendo persuadido a aceitar a proteção do meio ambiente com base em um modelo de mercado: regulamentos seriam substituídos por leis permitindo o comércio de débitos e créditos de poluição. Se os associados de Strong tivessem sucesso, em breve, os débitos e créditos de poluição estariam sendo comercializados globalmente, da mesma maneira que pernis de porco e derivativos financeiros. Por volta do ano 2000, restariam poucas entidades nacionais independentes capazes de defender as comunidades locais dos leviatãs internacionais. As comunidades locais competiriam entre si pelos favores dos grandes interesses. Aqueles de nós que viéssemos nas margens brutais dessas novas potências mundiais nos veríamos gratos em comercializar com qualquer um a qualquer preço" (DEWAR, 2007:336).

Como então organizações não democráticas podem contribuir para democratizar a governança global? O que exatamente as diferencia de empresas privadas preocupadas com o ambiente?

Yearley (1996) afirma que o potencial de atuação e transformação das ONGs advém dos seguintes motivos: elas são uma força social em crescimento, estimulam a preocupação e participação pública nas questões ambientais, assistem às performances dos governos e de outras instituições, aplaudindo e denunciando suas ações, e, oferecem propostas políticas ou apóiam a formulação destas junto aos governos e demais instituições.

De acordo com Gonçalves (1996), a participação de ONGs nas políticas públicas não passa de uma armadilha, tendo-se em vista que o discurso governamental relacionado à falta de verbas para a viabilização de suas atribuições e o consequente repasse das mesmas para parceiros fez com que as ONGs se assumissem como prestadoras de serviços que são, obrigatoriamente, públicos e que, com isso, comprometem a concepção de direito social, uma vez que a população passa a cobrar das ONGs pelos serviços. Isso vem acarretando uma série de complicações, pois em muitos casos, os recursos utilizados pelas ONGs para cumprir tais demandas, são originários dos fundos governamentais, dado que pode caracterizar tanto o descaso do Estado com relação ao seu papel

constitucional, como a premissa de corresponsabilização cidadã, institucional, característicos de um Estado mínimo.

Coriolano (2006) argumenta que o Estado tem dificuldades na interação com as ONGs, instituições de pesquisa e a sociedade civil, porém aos poucos vai incorporando suas demandas, o que no caso do TS é uma realidade, já que todas as políticas públicas existentes foram demandadas e capitaneadas pela sociedade como um todo, especialmente a partir da gestão do presidente Lula, desde 2002, quando membros de ONGs passam a compor a equipe dos Ministérios do Meio Ambiente e de Turismo que, mesmo com poucos recursos humanos e financeiros, pouca visibilidade e força política, passaram a dialogar, a tentar uma aproximação mais consistente e contínua com a sociedade civil organizada, fato que pode ser exemplificado nos diversos editais existentes no período, entre outros exemplos:

“O Estado evita muitas vezes fazer interlocuções com

universidades, ONGs e a própria sociedade civil, por colocar- se acima delas, desvalorizar a teoria, priorizar o pragmatismo e, certamente, por saber que não pode ceder seus pontos de vista e posturas políticas, ficando a serviço dos grupos empresariais, de que faz parte, incorporando, contudo, em seu discurso algumas propostas vindas dessas críticas, como por exemplo, a da inclusão social, do Turismo social, o discurso de comunidades, até como forma de legitimar-se” (CORIOLANO, 2006:104).

Esta postura governamental não se guia somente por uma opção ideológica, mas, também se explica pela exigência, cada vez mais comum por parte dos órgãos financiadores, da participação das comunidades nos projetos. Além disso, as decisões começam a ser necessariamente tomadas em instâncias consultivas e deliberativas com participação comunitária, fato que culminou na criação de conselhos diversos nos quais são debatidos questões de Turismo, de meio ambiente entre outras. Estas exigências, segundo Coriolano (2006) mudaram definitivamente o teor das políticas e das ações, as quais passarão a ter como foco a capacitação comunitária, ao invés da criação de estruturas físicas.

O que se vê na realidade, é que, de fato, houve alteração na legislação, a partir da Constituição Federal de 1988, que se desdobrou em outras tantas leis

nas quais aparece a questão da participação comunitária como obrigatória nas Unidades de Conservação. No entanto, conforme se verá adiante, as nuances do que se entende por participação, aliado à fase ainda experimental de participação tanto para as comunidades quanto para o governo, fazem com que as tentativas sejam incipientes, iniciais e, muitas vezes, mal conduzidas e avaliadas pelos próprios participantes. Isso sem falar do fato de, muitas vezes, tais experiências participativas pelo menos parece fictícias, realizadas às pressas, somente para cumprir a lei.

Parece mais fácil continuar investindo em estruturas físicas e, muitos projetos evidenciam essa prioridade até em seus editais, nos quais fica clara a priorização da criação e manutenção das estruturas físicas, do que em práticas participativas.

Como exemplo de prioridades43, recomenda-se a visita ao site do Projeto de

Ecoturismo na Mata Atlântica44, iniciativa do Governo do Estado de São Paulo, por

meio da Secretaria do Meio Ambiente (SMA) e de parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), no qual a palavra participação sequer aparece e, embora as ações desdobrem em impactos positivos e negativos para a comunidade, obras de infraestrutura são priorizadas no projeto como um todo.

Assim, divergindo de Coriolano (2006), com estes exemplos paulistas verificamos que ainda falta muito para se chegar a uma mudança definitiva no teor e nos focos das políticas e das ações, ao menos na prática. O discurso, com certeza foi modificado, quiçá definitivamente, mas a prática, ainda está longe de ser participativa de fato. Concordando com a autora, houve sim uma mudança nos discursos, observa-se uma absorção de propostas, de argumentos provenientes de especialistas, ONGs, Universidades, com vistas a legitimação das ações perante o público, seja para conseguir recursos financeiros, seja para conquistar eleitores.

Com relação à questão dos recursos captados, Gonçalves (1996) também ressalta o fato de que, com o manuseio de verbas públicas, as ONGs foram

43Há outro exemplo interessante no capítulo 5 desta tese, no item 5.2, sobre o Parque Estadual Turístico do

Alto Ribeira (PETAR).

cobradas por transparência na gestão destes, fato que implica na transformação das organizações em complexas empresas operacionais que, com muitos recursos e projetos a gerir, perdem dinamicidade e passam a desempenhar esse papel sendo reconhecidas por muitos cidadãos como a face operacional do setor público.

Outra consequência apontada por Gonçalves (1996) é a perda da autonomia e independência das ONGs, o que compromete sua capacidade reivindicatória e sua face de mobilização política:

"A multiplicação de alternativas isoladas de atendimento setorial atua no vazio das políticas públicas e termina por justificar a falência proposital dos equipamentos públicos, abrindo caminho para a terceirização. Além disso, a ação pontual e setorializada dessas iniciativas isoladas serve à desvinculação entre as necessidades dos contingentes desassistidos pelo Estado, e serve para escamotear as responsabilidades de uma política social universal, gratuita e estatal - caminho para a cidadania" (GONÇALVES, 1996:57).

“Falem bem ou mal, mas falem!”, expressão popular à qual recorremos para encerrar o capítulo que apresenta a origem e emergência das ONGs enquanto atores globais no tratamento de questões ambientais e, aquilo que pode ser considerado o seu fim: as teorias conspiratórias. Como qualquer ator em evidência e em ascensão, com papéis cada vez mais importantes aliados a pouco tempo de experiência acumulada e muitas contradições a resolver, as ONGs precisam sim ser questionadas. Há uma infinidade de questões teóricas, analíticas, de ordem prática, de gestão, que precisam ser tratadas com seriedade por todos. As teorias conspiratórias pouco ajudam neste sentido, ou, ao menos, nesse momento histórico, de crise ambiental, de ausência do Estado, de cidadãos preocupados.

Entre as questões fundamentais, elencamos a legitimidade, a influência, a autoridade, a representatividade das ONGs para debatermos no próximo capítulo.

Capítulo 2: Autoridade, legitimidade, influência e