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Autoridade, legitimidade, influência e representatividade das ONGs ambientalistas

Parte I Ambientalismo, ONGs e Turismo Sustentável

Capítulo 2: Autoridade, legitimidade, influência e representatividade das ONGs

2.1 Autoridade, legitimidade, influência e representatividade das ONGs ambientalistas

“Parodiando Maquiavel, poder-se-ia expressar que só resta

aos modernos profetas sem armas, ao estilo das ONGs, fundamentalmente, o expediente da influência. Assim, a especificidade da influência é equivalente ao que Weber chamou de ação politicamente orientada...” (VILLA,

1999:23)45.

As políticas públicas locais, regionais, nacionais, globais têm sido influenciadas por diversos atores sociais e políticos, entre eles as ONGs. Quais seriam os limites reais de sua ação?

A questão da representatividade das ONGs, nas questões socioambientais, especificamente no TS, será abordada em uma tentativa de esboçar reflexões que contribuam para a análise de conflitos provenientes do manejo dos recursos patrimoniais por ONGs.

Com a ampliação crescente do seu poder de influência, através de arenas participativas ampliadas, as ONGs ambientalistas podem promover aumento quantitativo e qualitativo no debate das questões ambientais. A visibilidade e o poder de influência acabam por evidenciar algumas fragilidades das mesmas no tocante à sua legitimidade de atuação bem como sua representatividade. Tais problematizações culminam no questionamento da própria existência e sobre a gestão das ONGs.

Mas o que significa influência para a análise política contemporânea? Dahl define a influência como “uma relação entre agentes em que um induz outros a

agirem de uma forma que de outra maneira não agiriam” (DAHL, 1966:90). Para

Villa (1999) este conceito, diferentemente do de poder, é aplicado às ações das ONGs à medida que as mesmas carecem de forças coercitivas (de poder) e trabalham orientadas pela busca de consensos por meio da influência. A ação

45Para Weber (1997) as ações são politicamente orientadas ao tentarem influir em direção ao associativismo

política orientada pela busca de consenso caracterizaria as situações de influência nos planos de ordem interna.

No plano global, segundo o autor, o conceito de influência permite compreender o alcance efetivo da ação transnacional no qual os atores não estariam buscando o poder político e sim sua orientação na geração de consensos em torno das suas bandeiras de luta e programas.

Abranches (2007) pergunta:

“Mas de onde sai a legitimidade dessas organizações, para

se constituírem em agentes do processo de pesos e contrapesos da democracia e de formulação de políticas públicas em um ambiente deliberativo? Do fato de que elas se constituíram para corrigir uma falha do processo democrático convencional: a ausência de quem faça a defesa dos interesses difusos e da proteção dos 'comuns'. Do patrimônio comum. O processo decisório convencional, seja no Legislativo, seja no Executivo, foi capturado, desde cedo, pelos interesses 'especiais', organizados, corporativistas, setoriais, privados, de categorias específicas, de segmentos da população, de correntes ideológicas. As organizações da sociedade civil aparecem, então, como uma espécie de genérico da política, para defender o interesse geral, o único não representado e o mais crucial. Não por acaso, proliferaram na área ambiental, por ser o meio ambiente, a biodiversidade, o mais desguarnecido dos interesses gerais” (ABRANCHES, 2007:s/p).

O poder político, tido como a capacidade de impor a própria vontade a comportamento alheio, e as estruturas que lhe garantem autoridade nos remetem à necessidade de rever os conceitos de autoridade e legitimidade em Weber. O autor construiu um conceito de legitimidade que permeia todas as discussões atuais importantíssimas para o presente estudo, especialmente no que diz respeito às novas formas de poder que despontam no mundo globalizado.

Considera-se neste estudo que está ocorrendo uma mudança fundamental nos eixos de poder, a partir da temática ambiental e também por conta da influência das ONGs. Novas formas de autoridade aparecem e se multiplicam frente à enorme pressão proveniente dos riscos ambientais. Também estamos em

um momento de re-avaliar o equilíbrio de poderes entre Estado, ONGs e grandes corporações empresariais. Neste início do século XXI, pouco se sabe sobre o que esperar dos novos atores, também denominados players46, entre eles as ONGs,

jamais expostos a tão grande poder de influência, no qual, mesmo questionados, merecem destaque na mídia e contam com simpatia de grande parte da população (VIOLA; PIO, 2003). É nesse sentido que as reflexões iniciais aqui esboçadas, sem pretensão de esgotar o assunto, tratam do tema.

Ao buscar a construção de novas práticas sociais e/ou culturais as ONGs precisam convencer seu público com ideias e valores. É necessário influenciar os outros, seus pensamentos, suas ações e é essa capacidade que Weber denomina de poder com legitimidade.

Tanto o poder, quanto a legitimidade devem ser questionados. É comum que as ONGs estejam trabalhando em prol de alguma demanda governamental ou de um assunto que só possa ser solucionado pela esfera governamental, assim como é constante as ONGs serem remuneradas pelo poder público nos projetos executados. Por estes motivos, transpondo às ONGs o raciocínio que Touraine (1989a) elabora para os partidos políticos, as mesmas ao imporem a sua capacidade de organização às comunidades locais podem enfraquece-las politicamente. Tudo isso em uma complicada teia de relações de poder as quais embora pretendam e discursem em prol de autonomia e poder comunitário, muitas vezes conduzem à impotência dos mesmos rumo a mudanças significativas de poder, em outras vezes ocorre sim um empoderamento comunitário pelo fato de que para uma comunidade negociar com a ONG pode ser mais simples do que com o Estado.

Em sua obra Economia e Sociedade, Weber (edição de 1944) utiliza o conceito de legitimidade para diferenciar os três tipos puros de dominação. A dominação seria a probabilidade de obediência a um determinado mandato. Weber define o conceito de legitimidade como sendo a probabilidade de uma

46 O uso do conceito de player tem se tornado bastante comum no Brasil, a partir da década de 1990,

especialmente entre os autores que trabalham com cooperação internacional. Player é usado como sinônimo de ator ou parte das negociações internacionais, assim, as ONGs são consideradas novos players nas

dominação ser efetiva, havendo concordância com a mesma em função da crença em sua autoridade, baseada em sua dominação estável.

Ao desenvolver a sua tipologia, Weber, em sua Obra Ciência e Política:

duas vocações (edição de 1997) identifica três possíveis fundamentos para a

legitimidade da dominação política: a) fundamento tradicional baseado na crença na tradição; b) fundamento carismático baseado na crença em qualidades especiais de uma pessoa; e c) fundamento racional baseado na crença na legalidade.

Os tempos atuais são os da autoridade baseada no fundamento racional que se reveste na legalidade formal, com a positivação do direito e as formas burocráticas dos governos, características da modernidade. A legitimidade revestida de legalidade é formalizada pelo direito positivista, e, ao se legitimar, produz sua autonomia e assim se diferencia dos outros tipos de dominação que dependem de fatores externos para existir.

Repensando as três tipologias de dominação de Weber, Villa (1999) argumenta que os atores, no caso as ONGs transnacionais que estudou, não se fundamentam na tradição, nem no carisma e nem nos mecanismos legais- racionais do Estado Moderno e sim:

“A fonte da 'autoridade' dos atores transnacionais tem que

ser procurada antes no caráter quase dramático do debate no qual se articulam: isto é, nas respostas societais globais que apresentam, em face dos desequilíbrios sistêmicos gerados pelos novos fenômenos transnacionais de segurança, tais como os desajustes globais ecológicos e a forma como aqueles desequilíbrios afetam os aspectos de bem-estar da economia, da saúde, da identidade cultural e da qualidade de vida dos cidadãos em todo o planeta”

(VILLA, 1999:24).

Os atores sociais globais, munidos de legitimidade passam a ser as consciências críticas da problemática em questão.

Para Mol (2008)47, um dos principais autores da Modernização Ecológica, a

autoridade ambiental globalizada está em mudança e se respalda em algum grau de voluntarismo que a legitima. Isso pode ser visto na finalidade social e ambiental abordada em todas as esferas, cuja validade é acatada, com ansiedade, pela opinião pública como uma demanda urgente e para a qual os esforços devem ser canalizados. Mol (2008) chama a atenção para a necessidade de ampliação dos três tipos puros de autoridade desenvolvidos por Weber, sem, no entanto retirar a essência do seu pensamento, ampliando para a incorporação e o reconhecimento de novas formas de autoridade: a epistêmica, moral, a mídia e até a ilícita.

Para Mol (2008), no entanto, a autoridade política permanece vinculada ao domínio público, sendo a autoridade privada impossível, pois a mesma existe para legitimar o mercado, sem autoridade política. No entanto, essa autoridade do mercado pode resultar em perda de soberania, globalização e pressão, com consequente desterritorialização da autoridade.

As ONGs para Mol (2008) seriam uma contra-autoridade, servindo como uma autoridade moral privada, como se fossem atores fora do sistema político e econômico. Assim, bastaria identificar entre as ONGs aquelas com essa capacidade moral e fazer com que elas influenciem as políticas públicas a partir da sua boa aceitação perante a sociedade civil a quem caberia legitimar a autoridade e o poder destas.

A estas entidades com autoridade moral caberão investimentos, lançamento de novos produtos, rotulação, certificação, disseminação de informações de forma rápida, sendo a grande questão a de que esta legitimidade não lhe garante poder, já que a autoridade para Weber seria poder e legitimidade.

De acordo com Mol (2008) estão ocorrendo mudanças na constituição da autoridade, sendo a principal delas a formação de estruturas mistas de autoridade, com a diminuição do papel do Estado, na medida em que outros se apropriam das questões, apesar da autoridade ainda ser legitimada pelo Estado, sem existirem outras autoridades compatíveis. Mesmo assim o autor aponta que a autoridade estatal chegou ao seu limite, na medida em que não tem conseguido dar

respostas eficientes aos problemas ambientais. A mudança possível seria a crítica desta autoridade já que não se sabe como reagiriam as ONGs, diante dos sérios riscos ambientais, caso empoderadas. O autor questiona como ficaria a democracia e os diversos atores se houver mudança de autoridade? Será que haveria a superação de interesses conflitantes? Será que haveria respostas e soluções aos problemas ambientais?

Touraine (1996) nos lembra que, assim como os partidos políticos, as ONGs quando aliadas ao poder estatal têm o poder de enfraquecer a capacidade de ação autonoma da comunidade. Para que isso não ocorra, é necessário que haja organização autônoma das comunidades e categorias sociais. A democracia só será representativa se os atores sociais possam dar sentido as suas ações, sem recebê-los de nenhum partido político, de nenhuma ONG.

As ONGs não têm autoridade política, somente a carismática e, talvez a tradicional, de acordo com a divisão de tipos puros de autoridade Weberiana. Será que é desejável a substituição da autoridade do Estado pela das ONGs? Será que em algum momento histórico essa autoridade poderá ser comunitária, na medida em que tecnologias e mídia têm poder (nem sempre bem utilizado, muitas vezes confundindo a população, conforme seus interesses) para ampliar o conhecimento e, por consequência, a autoridade sobre a temática ambiental por parte da população? Haverá espaço para uma nova estrutura de autoridade, surgida a partir da dispersão da autoridade tradicional?

Para Villa (1999), a influência e inserção das ONGs nos processos transnacionais podem ser mensuradas por parâmetros quanti e qualitativos. O primeiro pode ser exemplificado pela ampla participação das ONGs em eventos internacionais e pelo volume de recursos captado e movimentado. No segundo caso, está em jogo o interlocutor. A influência vai variar de acordo com seu tipo, se estatal, supranacional, transnacional. Em todos os casos, há exemplos variados de influência via pesquisas, alianças, negociações, propaganda, disputas, proposição de projetos de desenvolvimento sustentável espalhados pelo mundo, educação, interferindo nos quadros estatais e societais, em arenas transnacionais e descentralizadas.

As estratégias utilizadas pelas ONGs visando consensos e influências são variadas e, segundo Villa (1999) percorrem etapas diversas como a de ser consciência crítica em seus países de origem, ter a percepção de que os problemas ultrapassam as fronteiras nacionais e, comunicar-se pessoal e institucionalmente. A atenção é deslocada para outras nações criando identidades coletivas globais seguidas por estratégias coordenadas de ação política (sensibilização da opinião pública e ação direta nos locais dos problemas). Afora isso, a conquista permanente de espaço nas mídias globais é fundamental para legitimar suas ações, ou o estímulo ao ciberativismo, como o faz, com muita propriedade ,o Greenpeace, conforme descreve Marzochi (2008):

“É o próprio Greenpeace quem assume o papel do ator político capaz de agir, ser visto através das mídias, levar adiante a palavra e convencer um grande público pela argumentação persuasiva. No mundo do Greenpeace, assim como para os gregos, o espaço da aparência é também o do poder. A condição de espectador dos sócios é acompanhada da atividade das instituições. Desta relativa impotência, a organização retira a sua força. O lugar da ação e da palavra, no entanto, não são apenas os fóruns de encontro e discussão. As ações se desenrolam em qualquer cenário, desde que sejam capazes de produzir imagens”

(MARZOCHI, 2008:22).

Produzir imagens e discursos é considerado ação estratégia característica das ONGs enquanto atores políticos. A seguir faremos uma distinção entre atores (sociais ou políticos) e mediadores sociais, outra possível forma de atuação das ONGs (e não somente delas).