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Parte I Ambientalismo, ONGs e Turismo Sustentável

Capítulo 1: Ambientalismo e institucionalização através das ONGs

1.2 ONGs ambientalistas: interações entre o local e o global

A bio e a sociodiversidade brasileiras são objeto de interesse e de intervenções do ambientalismo internacional, sendo os biomas da Mata Atlântica e da Amazônia os principais símbolos do ambientalismo ocidental (ZHOURI, 2001). A ingerência estrangeira crescente, a internacionalização das riquezas, bem como o debate e a politização acerca da necessidade de conservação destes biomas, na arena internacional vêm se acirrando. Muitas são as vozes que se pronunciam em prol da sustentabilidade entre as quais, destacam-se as ações e discursos das ONGs. Estas vêm desenvolvendo projetos e programas com e na temática ambiental, como o TS entre outros.

A politização das questões ambientais projeta o Brasil na arena política transnacional transformando-o em caso emblemático do ambientalismo contemporâneo devido, principalmente, a sua megadiversidade, ainda pouco conhecida por todos os que não residem e/ou exploram nossos biomas. Mesmo não conhecendo, nossas florestas têm papel importante no imaginário dos brasileiros:

“É um território no qual uma comunidade imaginada

transnacional (ANDERSON, 1991) é construída e contestada através da formação de alianças, como, por exemplo, aquelas estabelecidas entre as várias ONGs transnacionais, e entre ONGs e habitantes da floresta” (ZHOURI, 2001:3).

Bentes (2005:235), ao se referir às comunidades da Amazônia, afirma que os novos atores sociais transformados pela “visão holiwoodiana das grandes

ONGs conservacionistas” em ambientalistas, passam a ter papel secundário no

processo decisório, sempre dependentes de instituições governamentais e das ONGs.

Segundo Le Prestre (2000) a emergência de setores marginalizados, sua articulação e presença no debate internacional têm permitido a viabilização de projetos inserindo os ecossistemas brasileiros na Governança Global.

A noção de Governança Global21, de acordo com Born (1998:74), é aquela

que “com base na descentralização e desconcentração do poder, direciona a

articulação dos principais atores visando regular as atividades humanas com base na cooperação e diálogo para superação de eventuais problemas e conflitos”.

Para o autor, a governança é uma ampliação do conceito de democracia, o qual seria “articulação e governança dos interesses humanos, sem a eliminação da

diversidade e de minorias” (BORN, 1998:115).

Para Viola e Leis (2002) é a partir do fenômeno da globalização política que passa a existir a governabilidade global, realizada por esferas de decisões compostas por múltiplos atores, em um sistema misto e poliárquico de tomada de decisões. Este multilateralismo estatal que engloba os sistemas político, econômico e social, reorganiza as relações de poder em nível global. Para os autores, “a construção de governabilidade global demanda dos diversos atores

uma visão democrática e cosmopolita realista da política mundial” (VIOLA; LEIS,

2002:10).

A governança global das questões ambientais, diante de uma agenda de discussões internacionais descentralizada e menos hierarquizada faz com que a gerência desta temática seja assumida por atores diversos que não só o Estado, a chamada sociedade civil internacional, mundial ou global.

Viola e Leis (2002) afirmam que:

“Tanto a governabilidade global como a sustentabilidade

global, devem ser pensadas como um processo complexo, integrado por numerosos processos que às vezes

21O Programa da ONU para o Desenvolvimento (PNUD) (2003) define governança como sendo um exercício

da autoridade econômica, política e administrativa para gerir as questões de Estado em todos os níveis e é realizada por vários atores: o Estado, a organizações da sociedade civil e o setor provado. Governança seria o complexo mecanismo, processos, relações e instituições através dos quais cidadãos e grupos articulam seus interesses, exercem seus direitos e obrigações e mediam suas diferenças. A governança inclui todos os métodos, bons e ruins, que as sociedades usam para distribuir poder e manejar os recursos públicos, problemas e necessidades sociais. Formas efetivas democráticas de governança demandam participação pública, accountability (responsabilização, prestação de contas) e transparência.

convergem, às vezes divergem, dependendo da capacidade dos atores envolvidos para interagir de forma democrática, realista e racional” (VIOLA; LEIS, 2002:10).

Para Hochstetler e Keck (2007) as interações se dão em vários níveis, que vão do teórico ao estritamente pragmático:

“No início, nós identificamos uma série de mecanismos

característicos da interação entre atores nacionais e internacionais: difusão, persuasão, influência, suborno, e coerção. Embora exemplos de todos estes foram encontrados, a sua operação nunca foi tão simples, como parece ser no exterior. Interações produtivas sempre envolvem um processo bidirecional, no qual as influências externas são negociadas, transformadas, assimiladas, ou foram descartadas pelos atores nacionais” (HOCHSTETLER;

KECK, 2007:229)22.

Estas novas formas de ação englobam práticas, políticas e atores sociais transnacionais (ativistas, ciberativistas, militantes, campaigners) que serão parte dos movimentos e das organizações ambientalistas.

Segundo Ribeiro (2000), as entidades ambientalistas, mesmo atuando em nível global, conservam suas particularidades e identidades locais, na medida em que expressam manifestações próprias, particulares, ligadas ao contexto local, mas que dialogam com os demais níveis regionais, nacionais e internacionais e, por isso, são caracterizadas como sendo transnacionais.

Segundo Tavares e Cunha:

”A interdependência multilateral coloca novos e complexos

elementos para o debate ambiental. Encarregar instituições multilaterais da criação de redes de políticas públicas globais, não leva necessariamente à perda de soberania. Elas poderiam representar uma maneira coletiva de gestão participativa e monitoramento de regras e padrões ajustados em escala global. Ao garantir parcerias com a sociedade civil e as instituições multilaterais, damos significado prático ao pensar globalmente – agir localmente” (TAVARES; CUNHA,

Zhouri (2001) recomenda considerar as especificidades do relacionamento entre os atores globais e locais, bem como as relações de poder e conflitos.

Há diferenças marcantes na forma de pensar e de conduzir as ações por parte das ONGs do Norte e do Sul, conforme Hochstetler e Keck (2007):

“As estratégias dos atores não pode ser dirigida por

instituições como se imagina ser na Europa Ocidental e América do Norte, mas sim a partir de seu funcionamento no Brasil. Em outras palavras, os atores têm de aprender a tirar vantagem dos múltiplos níveis nos quais os problemas podem ser abordados e, da combinação de interações formais e informais necessárias para chamar a atenção para um tema. Eles devem estar preparados para detectar e tirar partido de acontecimentos dramáticos que produzem interrupções súbitas do status quo, abrindo um caminho ao redor dos obstáculos comuns para realizar seus objetivos23

(HOCHSTETLER; KECK, 2007:226-227).

Para Abdala (2000) a cooperação internacional ambiental tem contribuído para o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis. No entanto, são poucos os recursos financeiros e tecnológicos propalados pelos diversos órgãos governamentais, ou não. Além disso, a hegemonia liberal e a predominância da lógica do mercado inviabilizam alguns dos pressupostos da conservação sustentável que são a democratização e o reforço da esfera pública, e não a sua substituição pelo setor privado.

Para o autor a consistência dos repasses de recursos externos para o país voltados, quase que exclusivamente, para projetos preservacionistas nem sempre resultam em transferências de tecnologias adequadas e competitivas e fortalecimento institucional das organizações brasileiras (ABDALA, 2007):

“Concluiu-se que apesar da mobilização internacional para

tratar da conservação de florestas, seus resultados explicitam mais controvérsias e disputas que convergências políticas, representadas pela reduzida capacidade diplomática em alcançar consensos sobre programas e metas. Por um lado, o predomínio dos fatores de 23Tradução livre da autora a partir do original em inglês.

liberalização e desregulação econômica global sobrepostas às decisões sobre políticas para conservação e manejo de florestas são fatores-chave para explicar os atuais arranjos internacionais sobre florestas. Por outro lado, os programas nacionais derivados dos regimes internacionais orientados para a conservação florestal têm sido concebidos mais como um exercício de planejamento ambiental, sem considerar adequadamente as causas e dinâmicas do desmatamento. A coordenação com demais setores produtivos e infra-estrutura (agricultura, Turismo, C&T, mineração, transportes, energia) permaneceram limitadas. Daí deriva a maior parte das dificuldades de efetividade aos programas internacionais de proteção florestal” (ABDALA, 2007:5).

No entanto, a transnacionalidade, influenciada pela ideologia da democracia e da descentralização, pode provocar conflitos, ao ameaçar identidades culturais, ideologias e soberanias, contribuindo para uma “superestrutura político-ideológica

internacional-global” (BARROS, 2006:3).

Esses discursos unem concretamente e imaginariamente, uma elite transnacional, os cidadãos do mundo, preocupados com uma cidadania global, ou até uma diplomacia civil a qual integra, em redes e instituições, indivíduos com objetivos comuns, independentemente de fronteiras políticas.

Para Yearley (1996), a consciência do global advém do aumento da circulação de cultura e informação: quanto mais se homogeneízam, mais as pessoas se percebem enquanto membros de uma comunidade global, e assim participam e/ou apóiam instituições transnacionais.

O ambientalismo pode funcionar ou desempenhar o papel de uma das grandes ideologias transnacionais influentes globalmente. Uma construção discursiva, ideológica e política altamente eficaz, que se baseia em problemas concretos e na ideia de justiça ambiental, reforçando a necessidade da interferência de seus militantes.

Hannigan (1995) afirma que, tais criações ideologizadas terão como consequência o fracasso na captação dos pormenores para o estabelecimento da agenda de políticas públicas.

projetos transnacionais do alcance de seus objetivos. Muitas vezes será por causa das contradições existentes nas diferentes visões de mundo, no estabelecimento de prioridades e até pela ignorância dos proponentes das parcerias sobre o que pretende e pensa o seu público alvo, que fracassarão os projetos conjuntos. Por esse motivo, inúmeros conflitos se estabelecem e, podem inviabilizar os projetos.

1.3 As insolúveis contradições, controvérsias e polêmicas acerca das