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As ONGs nas polêmicas sobre Unidades de Conservação e populações

Parte I Ambientalismo, ONGs e Turismo Sustentável

Capítulo 1: Ambientalismo e institucionalização através das ONGs

1.4 ONGs como alvo preferencial de críticas construtivas e teorias conspiratórias

1.4.1 As ONGs nas polêmicas sobre Unidades de Conservação e populações

Diegues (2008) afirma que as ONGs têm poder para estabelecer as margens do debate público, e, muitas vezes, como no caso das áreas de proteção sem presença humana, estão por trás de políticas públicas cujos resultados são os exilados da conservação, que, marginalizados podem ocasionar danos muito maiores ao ambiente do que se inseridos nas UCs.

Esses danos provocados pela exclusão de moradores das áreas protegidas podem eventualmente traduzir-se em diversas atitudes e ilícitos que, vez por outra, ocorrem com os envolvidos na atividade turística. Como exemplo, podemos citar guias ou monitores de Turismo conduzindo visitantes por áreas proibidas, guarda-parques permitindo coleta de materiais da natureza, mesmo que tais atitudes provoquem danos irreversíveis à conservação da área sob proteção. Evidentemente que estamos falando de excluídos pela estratégia de conservação mais comum: a criação de áreas protegidas inclusive de seus moradores. Esta é uma das estratégias conservacionistas apoiadas, mas também questionadas pelas ONGs. O posicionamento das ONGs a esse respeito tem variado conforme o contexto histórico, as diferentes realidades verificadas, o amadurecimento do debate, e, por fim, de acordo com o seu perfil.

Igoe e Brockington (2008) escreveram sobre as consequências não estudadas da expulsão da conservação e sobre como essas estratégias conservacionistas foram fortemente influenciadas pelas ONGs em suas

campanhas indiretas sobre o tema. Difícil distinguir padrões de influência nesses relacionamentos, especialmente na medida em que as ações são policêntricas, dificultando a atribuição de responsabilidades.

Há um histórico das estratégias ambientalistas construído por inúmeros atores sociais, instituições governamentais, corporações, no qual as ONGs desempenham papel importante. Este histórico apresenta idas e vindas no tocante à permissão da presença de populações nas áreas a serem protegidas. Cada uma das alternativas conduzirá a estratégias e debates ideológicos, políticos, às vezes experimentais, contraditórios, com consequências distintas. Dentre elas destaca- se a redação de leis, como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

Não há como negar a forte influência das ONGs neste cenário. Há vários documentos, reuniões, projetos de avaliação das estratégias, apoio às políticas públicas nos quais as ONGs se posicionam e (re)organizam suas estratégias. Parece que estamos longe de um consenso. Ferreira (2004) relatou essas mudanças afirmando que durante quase duas décadas (a partir de 1980) foi hegemônico no debate internacional o modelo que defendia a não exclusão de populações das UCs. Para a autora, a partir deste suposto consenso momentâneo, houve um realinhamento da orientação institucional brasileira. A autora ressalta que nesse período nenhuma ONG ou instituição de financiamento, corroborava com a expulsão das populações para a criação de UCs.

Neste mesmo artigo, Ferreira (2004) afirma que o tempo, estudos, experiências serão fundamentais para um novo redirecionamento, a partir do final da década de 1990. A divulgação de uma avaliação realizada pela ONG The

Nature Conservancy (TNC) afirma que as atividades de uso sustentável nas UCs

foram consideradas insustentáveis e por isso deveriam voltar-se para o entorno delas, único local no qual seriam bem vindas, desde que reguladas por leis próprias, alternativas de viabilização econômica da população. As UCs por sua vez, devem proteger, de fato, seus recursos naturais das ações humanas predatórias. Assim uma nova orientação poderá acarretar como consequência

direta a criação do conceito de mosaicos e a determinação de UCs de proteção integral.

Além disso, sem uma crítica ao modelo vigente de desenvolvimento, a qual figura historicamente na ideologia que justificaria inicialmente a criação das ONGs e que costuma aparecer nos discursos da maior parte delas, todos os esforços e estratégias não são suficientes para se chegar perto de soluções para os dramas ambientais combatidos.

O perigo, segundo a visão de Igoe e Brockington (2008), é o de que, atingidas as metas ideais de áreas protegidas em cada nação, e, neste modelo de conservação, o número de refugiados da conservação seja cada vez maior.

Dowie (2008) traz dados impressionantes sobre os refugiados da conservação que são milhões de pessoas levadas à marginalidade, às periferias e sem resolver muito em termos ambientais. O autor apresenta estudos que comprovam que muitas populações expulsas de suas moradias, podem acabar incrementando a qualidade ambiental dos novos lugares onde se instalam, de modo que o ambiente natural, por vezes, estaria mais bem conservado fora dos parques. Isso especialmente quando consideramos que muitos parques existem somente no papel, os quais, mesmo sem implantação efetiva, são considerados eficazes no tocante à conservação35.

Esse número de refugiados da conservação, somado ao de refugiados ambientais, às populações em estado de vulnerabilidade, de pobreza extrema por um lado, e cidadãos consumistas por outro, constituiriam uma enorme ameaça aos ambientes naturais. Neste cenário, as ONGs conservacionistas, quando

35Conforme estudos noticiados pela imprensa: “Parque 'de papel' barra desmate, mostra estudo”. Fonte:

Rafael Garcia/ Folha Online). Publicado em 17/04/2009 e disponível em: http://noticias.ambientebrasil.com.br/ noticia/?id=44999. Acessado em 18/04/2009 e a notícia : “Unidades de Conservação e Terras Indígenas ajudam a conter desmatamento na Amazônia Brasileira” Fonte: Dr. Leandro Valle Ferreira, divulgada no portal ambientebrasil.com.br. Disponível em: http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3? base=./snuc/index.html&conteudo=./snuc/artigos/importancia.html. Acessada em 25/04/2009.

Ambos citam estudos que comprovam que, mesmo sem uma implementação completa, as UCs, estariam ajudando na conservação dos recursos naturais. As pesquisas citadas são: Áreas protegidas dos parques de papel: A importância de áreas protegidas para a redução do desmatamento na Amazônia brasileira, dos pesquisadores Leandro V. Ferreira, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e Eduardo M. Venticinque, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA); o trabalho coordenado pelo ecólogo Stuart Pimm, da Universidade Duke, da Carolina do Norte (EUA) e, um estudo de 2006, liderado pelo ecólogo Daniel Nepstad, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) cujos resultados estão publicados na revista "PLoS One"

defendem qualquer espécie do planeta que não seja humana, parecem fazê-lo “contra os homens”36 e por isso muitas vezes são acusadas.

Vale aqui ressaltar brevemente, esse aspecto fundamental sobre as ONGs ambientalistas que é a vinculação direta de sua imagem, mesmo que não corresponda à verdade, à crítica ao desenvolvimentismo. À medida que as ONGs passam a adotar o conceito de desenvolvimento sustentável, mesmo com a perda do radicalismo de suas propostas, já observada por muitos autores37, mantém

seus discursos antidesenvolvimentistas e assim são vistas e criticadas, tanto pela sociedade, quanto por políticos e empresários, que as consideram entraves ao desenvolvimento. Também são criticadas por ONGs que mantiveram seu discurso, taxado de radical pelos que adotaram o lema do desenvolvimento sustentável38.

1.4.2 A polêmica em torno da Ciência da Conservação

Diegues (2008) aponta a existência de uma ciência da conservação, criação exclusiva das ONGs, da qual pesquisadores dos países do Sul não participam, a não ser como fornecedores de informações específicas. Para o autor, essa ciência e seus modelos são continuamente ajustados às injunções políticas e de financiamento que pouco têm de científicos e nem sempre são adaptados às situações ecológicas e culturais locais. Um exemplo dessa ciência seriam os

hotspots39.

36Em uma alusão à famosa frase de Jean Paul Sartre “Quando se amam demais as crianças e os animais a

gente os ama contra os homens”.

37Sobre este aspecto recomendamos: ALEXANDRE, A F. A perda da radicalidade do movimento

ambientalista: uma contribuição à crítica do movimento. Florianópolis: Editora da UFSC e Editora da FURB, 2000. 116 p.

38 Especialmente a partir da declaração da Década da Educação Ambiental para o Desenvolvimento

Sustentável (2005-2014) pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) a qual suscitou muitas críticas por parte dos ambientalistas antidesenvolvimento.

39De acordo com a CI, o conceito Hotspot foi criado em 1988 pelo ecólogo inglês Norman Myers para resolver

um dos maiores dilemas dos conservacionistas: quais as áreas mais importantes para preservar a biodiversidade na Terra?. Ao observar que a biodiversidade não está igualmente distribuída no planeta, Myers procurou identificar quais as regiões que concentravam os mais altos níveis de biodiversidade e onde as ações de conservação seriam mais urgentes. Ele chamou essas regiões de Hotspots.

Hotspot é, portanto, toda área prioritária para conservação, isto é, de alta biodiversidade e ameaçada no mais

alto grau. É considerada Hotspot uma área com pelo menos 1.500 espécies endêmicas de plantas e que tenha perdido mais de 3/4 de sua vegetação original. Fonte: www.conservation.org.br. Acessado em 20/04/2009.

Esta polêmica afirmação pode ser questionada somente pelo uso dado ao conceito de ciência, e, mais especificamente, a da conservação, como sendo uma ciência própria produzida por ONGs. Ora, a ciência da conservação como um todo, tem como realizadores cientistas, pesquisadores, os quais, eventualmente baseiam-se em conhecimentos e dados produzidos por ONGs, às vezes aceitando-os como dados empíricos de pesquisa, outras vezes refutando-os.

De toda forma, ao falarmos de Ciência, com -C- maiúsculo, devemos nos reportar a uma suposta neutralidade, a uma não aceitação da influência de injunções políticas quaisquer. Afora isso, a afirmação de que é uma ciência ideologizada, não se sustenta visto o histórico do desenvolvimento das pesquisas relacionadas com conservação; com o que temos como um arcabouço teórico já construído e reconhecido pelo seu estatuto teórico, elaborado por muitos cientistas de renome. Por fim, como argumento definitivo contra a ideia de que esta ciência é realizada por ONGs, basta verificar a produção considerável desta área de ciência (ecologia e meio ambiente), que se reflete na quantidade e qualidade de publicações nacionais e internacionais existentes, a qual abarca vários tipos de especialistas nas universidades, nos centros tecnológicos e até nas ONGs e que pode ser aplicada por muitos, entre eles, inclusive as ONGs.

Outro dado a ser contestado é a participação dos pesquisadores do Sul como meros informantes: há diversos trabalhos nos quais os cientistas do Sul, entre eles muitos brasileiros com reconhecimento internacional por suas pesquisas e publicações, desenvolvem modelos teóricos, análises de observações comparativas ou longitudinais além de experimentos de campo. Afora isso, muitos deles participam de eventos internacionais científicos contribuindo com suas descobertas.

Indiscutível o fato de haver polêmicas e, talvez, cientistas compromissados com governos, ONGs ou quaisquer outros interesses (que existem em qualquer parte do planeta) os quais anulam a validade e qualidade de suas pesquisas e comprometem a opinião pública com relação às pesquisas sérias. Há também polêmicas diversas que demonstram entre os cientistas divergências de toda

ordem, o que reflete uma área do saber em constante construção e qualificação de debates.

As questões e polêmicas em torno das mudanças climáticas, nas quais os grandes painéis internacionais como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPPC), demonstram claramente os desencontros entre as várias visões existentes, as influências políticas exercidas pelos governos e as muitas possibilidades de se interpretar os resultados das pesquisas. Isso entre os cientistas, o que significa que, ao saírem do ambiente acadêmico, as pesquisas e polêmicas podem e serão reinterpretadas pela mídia, e pelos diversos interesses, entre eles as ONGs, preocupadas com os problemas ambientais, com a captação de recursos, publicidade e assim por diante.

Essa publicidade em torno da questão ambiental, que por si só já é difícil de se fazer entender, aliada à falta de consenso científico, é amplamente utilizada conforme os interesses e a ignorância do público, para atender inclusive a teorias conspiratórias, a objetivos de marketing para empresas, eleitorais para governos, captação de recursos ou de visibilidade para as ONGs, tudo isso em detrimento do valor das pesquisas de qualidade existentes e de seus pesquisadores.

De toda forma, embora a ciência da conservação não seja realizada e dominada por ONGs conforme exposto, algumas ONGs como a The Nature

Conservancy (TNC), por exemplo, explicitam em suas estratégias

conservacionistas o uso e a criação de uma ciência própria. No caso da TNC, em português, usam o termo Conservação Planejada, traduzido do Consevation By

Design para designar uma ciência própria, a qual, segundo o site da ONG na

Internet40, é definida como uma abordagem estratégica própria que irá determinar

onde trabalhar, o que conservar, quais as estratégias de ação e os resultados esperados e obtidos41. É uma abordagem colaborativa, baseada na ciência e com

um conjunto de métodos analíticos usados para definir as estratégias de ação nos 30 países nos quais atuam. Essa metodologia da qual se orgulham, está

40http://www.nature.org/aboutus/howwework/cbd/ Acesso em 01/05/2009.

41O site da TNC internacional tem uma sessão denominada Conservation Science (http://www.nature.org/tncscience/?src=l10) na qual está escrito que a ONG realiza uma ciência rigorosa para a conservação e que possui em sua equipe 720 cientistas. Também convida o visitante a conhecer um blog

explicitada em alguns documentos na Internet os quais estão expostos para serem utilizados por quem quiser replicá-los. A TNC estimula sua reprodução.

ONGs como CI, Greenpeace, WWF, SOS Mata Atlântica, Instituto Socioambiental, Amigos da Terra entre outras também tentam embasar suas diretrizes e discursos em dados científicos. Visando a aceitação de suas propostas, contratam pesquisadores em suas equipes permanentes ou para trabalhos eventuais de pesquisa, fazem parcerias com institutos de pesquisa, e com isso elaboram relatórios que influenciarão suas exposições ao grande público, em uma tentativa de dar legitimidade às suas ações. Do contrário, governos e pesquisadores também convidam as ONGs a divulgar suas pesquisas e dados, como forma de garantir a simpatia e respostas do público em geral.

Para fins de legitimar-se, obter reconhecimento de todos e poder influenciar políticas ambientais públicas e ONGs locais, algumas ONGs transnacionais promovem ou organizam seminários e também oferecem treinamentos gratuitos para funcionários do poder público, pesquisadores e membros de outras ONGs, nos quais são veiculados seus conceitos e métodos. Com isso possivelmente esperam influenciar a determinação de áreas críticas de conservação dentre outras políticas públicas ambientais.

1.4.3 Outras polêmicas acerca das ONGs: da forma de pensar à forma de agir, tudo