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A competência tecnocientífica, o aprendizado social e as redes nas arenas e nas

Parte I Ambientalismo, ONGs e Turismo Sustentável

Capítulo 2: Autoridade, legitimidade, influência e representatividade das ONGs

2.3 A competência tecnocientífica, o aprendizado social e as redes nas arenas e nas

A legitimidade baseia-se fundamentalmente na descentralização dos problemas ambientais transnacionais, onde não há controle por parte de um só ator, constituindo ameaça a todos e dependência de novos arranjos globais para a ação. Não há solução isolada viável e as iniciativas das ONGs são aguardadas por todos na medida em que os Estados Nacionais, solitários, demonstram incapacidade de encontrar soluções. Isto legitima a ação das ONGs:

"A expansão do Meio Ambiente como tema e eixo de

dinâmicas econômicas, políticas e sociais neste século é inseparável do fenômeno ONG e provavelmente é a área onde esta ligação é mais visceral" (BERNARDO, 1999:236).

Para Ferreira (1999a:46), as formas de atuação das ONGs, que muitas vezes encontram soluções simples para problemas complexos, aumentam "seus

recursos de poder e legitimidade numa intensidade antes inimaginável". Para a

autora, os discursos contestatórios e de oposição, vão cedendo lugar a um esforço maior que é o da criação de competências técnicas, científicas que sirvam como referência na busca de soluções sustentáveis aos problemas ambientais:

"A reabilitação do conhecimento, seja o conhecimento

popular, seja o conhecimento técnico-científico interdisciplinar, através de sua legitimidade crescente, está sendo fundada paulatinamente em justificativas de ordem moral, prática, estética ou política. A atuação das ONGs tem colocado a nu as potencialidades do conhecimento humano na busca da universalidade e, através de uma historicidade perturbadoramente obscura, quem sabe, as ONGs consigam delinear o futuro. Infelizmente não existem ainda dados suficientes para compreender e avaliar os conteúdos dessa nova gramática social, que tenta traçar pontos de referência comuns entre atores pulverizados, níveis diferenciados de ação e múltiplos objetivos, mas já se sabe de antemão que sua atuação tem se mostrado assustadoramente eficaz nessa transmissão mútua de conhecimentos" (FERREIRA,

Nesta busca de ideias, saberes, informações, conhecimento e crenças, as ONGs aliam-se a vários outros organismos, sejam outras ONGs, governo ou universidades, formando as comunidades epistêmicas ou redes de especialistas baseados em conhecimentos comuns (HAAS, 1992). Estas comunidades, coletivos conectados em redes, perpassam as fronteiras nacionais, sendo forças fundamentais na arena ambiental com grande influência na determinação de políticas públicas locais e globais.

Para Haas (1990:21) a grande questão estaria colocada na maneira como as Organizações que buscam, operam, produzem e divulgam o conhecimento consensual (compreendido como sendo os entendimentos aceitos de forma geral sobre ligações de causa e efeito acerca de qualquer conjunto de fenômenos considerados importantes pela sociedade), conseguem fazer com que ele seja absorvido por atores políticos diversificados e assimétricos a ponto de influenciar os processos decisórios (INOUÊ, 2003:86-87).

Outra questão que chama a atenção é a capacidade das ONGs de influenciar atores sociais aparentemente marginalizados dos debates. Para Ferreira (1999a; 2000) essa seria uma consequência fundamental na ação das ONGs que dialogam com comunidades das quais participam sujeitos de categorias diferenciadas, muitas vezes completamente assimétricas. ONGs com membros de origem urbana, classes média e alta, intelectualizada dialogando com atores com alguma ou nenhuma experiência de mobilização, sem formação acadêmica ou até escolar, apartados da vida citadina. Citando Finger (1996), a autora afirma que tais contatos podem provocar situações de aprendizagem intensa e com grande impacto para todos os participantes.

Recorrendo a Milton (1995), Ferreira (1999a) ressalta que, além das trocas intelectuais, nesse aprendizado social "há uma troca sem precedentes de códigos

culturais amplamente diferenciados, mas também uma troca de sonhos, expectativas, crenças, valores, modos de fazer e interpretar o próprio feito, também bastante heterogêneos" (FERREIRA, 1999a:47).

Desse aprendizado espera-se a elaboração de soluções criativas e inovadoras para as questões ambientais. Nestas, a origem das respostas estaria

nos pactos em torno de responsabilidades conjuntas sobre os problemas (FERREIRA, 1999a).

Além disso, faz-se necessária a criação de novas instituições, funções, formatos de trabalho, de manejo, de participação entre outros, conforme recomendam WWF e IPAM (2006) no manual que contém as lições aprendidas por eles no trabalho com o manejo comunitário da pesca48:

“A criação de um sistema de co-manejo formal implica não

apenas novas políticas, mas novas instituições, novas funções e a aprendizagem de novas formas de interação entre as partes interessadas” (WWF; IPAM, 2006:8).

Para que haja pactos é necessário o comum acordo sobre problemas e prioridades de modo a haver um tema e atores com quem pactuar. Estas seriam as condições que levariam segundo Touraine (1989a; 1996), a existência de representatividade. Para o autor o ideal máximo (e utópico) da representatividade seria a equalização entre demandas da sociedade civil e a oferta política. Para se chegar a isso ou a algo próximo, precisa haver tentativa de articulação, de agregação e de consenso sobre as demandas sociais. Estas demandas devem ser trabalhadas de forma autônoma pelas diversas categorias sociais que, ao longo do processo vão se constituindo enquanto atores sociais para, somente depois, se formarem e atuarem enquanto atores políticos. Durante esse processo, pode haver a mediação de outros agentes, entre eles as próprias ONGs, com a finalidade de orientar as escolhas e opções.

Touraine (1989a; 1996) é enfático ao afirmar que não existe representatividade se não houver nas bases, atores sociais representáveis. Não se pode imaginar que antes da mediação, articulação, representatividade, houvesse simplesmente o caos. A representatividade pressupõe uma certa organização preliminar de demandas comunitárias e também autonomia da coletividade organizada sob formatos diversos de acordo com suas

48 WWF – Brasil; IPAM. Desenvolvimento de sistemas de manejo comunitário para a várzea Amazônica:

lições que estamos aprendendo. WWF – Brasil e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM. Brasília-DF, Santarém, PA: Radiola Design & Publicidade, 2006, 33p.

características. As demandas ali originadas devem ter identificada como necessidade o desejo de serem representadas em um processo político. Afora isso a representatividade supõe um processo de diálogo minimamente instaurado entre mediado e mediador.

O discurso de representação da sociedade civil teve seu auge no ativismo dos anos de 1980. Tal discurso, segundo Bernardo (1999) não resistiu aos fatos e ao constrangimento de usá-lo. Para a autora:

“A formulação mais consistente que o sucedeu afirma que as ONGs representam causas públicas, no campo dos interesses difusos, que detêm a aprovação da sociedade, manifestada de formas diversas, e legitimam quem se organiza em grupos para defendê-las. Assim, sua ação estaria legitimada não por uma representação em geral da sociedade, mas pelo interesse público expresso em inúmeras causas. Seriam, enfim, associações civis voluntárias, privadas, com fins públicos” (BERNARDO,

1999:215).

O tema constitui um foco de tensões e controvérsias. Há os que afirmam a necessidade de legitimação e respaldo social para as ações das ONGs como fundamental, mesmo que os interesses e temas sejam difusos, ao passo que há os que afirmam que a legitimidade pode ser obtida a partir dos valores e convicções dos proponentes frente às causas defendidas49. Para a primeira leitura,

o parâmetro é o histórico de ações da entidade, e em uma segunda leitura, o parâmetro de legitimidade vem da demanda dos temas e da legislação, sendo assim, a legitimidade é conferida indiretamente pelo próprio sistema democrático representativo, onde Estado de direito democrático, legitimado pelas eleições, cria políticas de interesse público e permite a associação da sociedade civil e nesta relação se daria a legitimidade, dentro do sistema político e governamental.

Como qualificar a legitimidade? Quem qualificaria? Seria o número de pessoas representadas? Quantidade de membros, ativistas, ciberativistas? Pessoas que visitam o site na Internet da entidade? Seria uma legitimação a

49Bons exemplos desta posição são as campanhas do Greenpeace e da WWF, que, ao defenderem questões

tidas como preocupações unânimes, por tratarem da sobrevivência da biodiversidade planetária, compreendem ser estas prioridades consensuadas entre todos os cidadãos do mundo.

posteriori, mas não baseada na simples autoafirmação de legitimidade? Seria a

publicidade das ações para um número grande de pessoas que traria a legitimidade? Seria o fato de que as ONGs defendem interesses coletivos e difusos, representando correntes de pensamento? E suas atividades de TS ou Turismo de base local? A quem cabe avaliar? Ecoturistas? Comunidades? ONGs? Todos? Sob quais critérios?