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CAPÍTULO 4 – As manifestações da mudança de inserção externa brasileira nos

4.1 As relações bilaterais

4.1.3 As parcerias alternativas no Sul

No que cabe às relações bilaterais do Brasil com seus parceiros em desenvolvimento – uma das metas do pragmatismo responsável –, a nova orientação da política externa não mais encontrou nesses países a mesma viabilidade e estratégia política de outrora.

As relações com os pequenos países do então Terceiro Mundo – América Latina,

Oriente Médio e África – que emergiram no pragmatismo de Geisel148 como alternativa à sua estratégia de diversificação de parceiros representaram para o Brasil um espaço para expandir suas atividades políticas e econômicas149. As exportações para esses países se compunham primordialmente de produtos manufaturados e industrializados e o Brasil procurava se mostrar como um tipo de substituto das grandes potências, mas com a vantagem de se encontrar em situação periférica semelhante. Ao mesmo tempo em que se buscava ampliação dos mercados externos, o apoio diplomático para as posições externas do país também era visado.

Dentro da lógica de aproximação Sul-Sul e das políticas seletivas de alinhamento ao Terceiro Mundo, sempre se buscou uma relação estratégica com essas associações. Isso foi caracterizado por alguns autores como uma postura muito mais tática que ideológica150 do país no período, isso porque, dentro do leque de países do Terceiro Mundo com que o Brasil visou estreitar relações econômicas e políticas no período, destacaram-se os produtores de petróleo (México, Venezuela, Nigéria, Iraque, Angola) com os quais podia, além de garantir o suprimento do produto, exportar diversas mercadorias cuja aceitação nos países desenvolvidos

148O processo de industrialização brasileiro garantiu as condições necessárias para o estabelecimento de relações

comercias complementares com tais países (FONSECA Jr., 1996).

149Fonseca chama atenção para a especificidade do ponto de partida do pragmatismo responsável, o qual se

revelou num envolvimento maior do Brasil com as crises regionais na África e Oriente Médio, demonstrando os interesses reais concretos que o país tinha nos dois espaços. Nesse sentido, seria impossível ao Brasil seguir nessa tentativa de aproximação sem mudar sua postura com relação à Palestina e à África do Sul – o que explica a “ousadia” do voto sionista na ONU e do estabelecimento de relações com Angola, dois movimentos em contradição clara à posição norte-americana no período (FONSECA Jr., 1996, p. 330).

150Para Roett e Perry (1977) a aproximação ao Terceiro Mundo era ideológica no período Janio-Jango. A

intenção no Pragmatismo Responsável é utilizar os laços com essas nações como alavanca para que o Brasil alcance à condição de nação desenvolvida (citado por SENNES, 2003, p. 42).

estavam progressivamente mais difícil. O caráter “estratégia para o desenvolvimento” da política externa do período do pragmatismo responsável seguia fazendo sentido, uma vez que

O manto político da cooperação Sul-Sul permitiu ao Brasil desenvolver relações comerciais que em muito se assemelhavam às tradicionais relações comerciais Norte-Sul, onde o Brasil exportava crescentemente produtos industrializados e serviços e importava matérias primas, agrícolas e combustíveis – petróleo, gás natural e carvão (SENNES, 2003, p. 41).

No entanto, a década de 80 acarretou crises econômicas não só no Brasil, mas em toda a periferia do sistema capitalista, assim que seus parceiros subdesenvolvidos mergulharam também em recessões econômicas e as exportações para os mesmos entraram em declínio a partir de 1986 (CERVO; BUENO, 2002). Nesse sentido, o Brasil acabou por retroceder de consideráveis espaços comerciais que havia conquistado nos países periféricos em decorrência dos abalos econômicos sofridos e do novo cenário. Dessa forma, as relações bilaterais do país com os demais países em desenvolvimento retrocederam – exceto para a América do Sul – bruscamente, tendo a nova matriz de inserção externa brasileira se voltado para uma aproximação política e econômica dos países desenvolvidos (SENNES, 2003).

Já na nova matriz de inserção externa do país, nas relações com a Índia, embora as posições políticas e econômicas internacionais dos dois países expressassem alguma convergência de interesses, a política externa brasileira para o país não se traduziu em resultados concretos – ainda que houvesse uma manifestação nesse sentido. O intercâmbio entre os dois países teve um resultado mínimo e o período foi marcado por desentendimentos, resultantes do posicionamento mais incisivo da Índia em política internacional. O que ficou claramente demonstrado quando este país realizou experiências com armas nucleares, num momento de negociação do CTBT (Comprehensive Test Ban Treaty) e o Brasil denunciou o protocolo de cooperação nuclear que havia entre os dois países151. A tônica das relações foi marcada pela dificuldade de coordenação no posicionamento dos países em negociações comerciais internacionais, uma vez que a Índia se valia de uma posição mais dura do que o Brasil (VIGEVANI; OLIVEIRA; CINTRA, 2003).

No que tange ao Oriente Médio, pode-se dizer que a área tradicionalmente representa um espaço de baixa prioridade na agenda de política externa brasileira. Houve, no entanto, momentos que configuram uma aproximação expressiva, como foi o caso durante o governo Geisel, quando houve um fortalecimento dos laços econômicos, políticos e comerciais com

151O ministro Lampreia manifestou em nota diplomática o desagrado brasileiro e o presidente FHC se

pronunciou frisando que esses testes indianos se contrapunham ao viés estritamente científico e não bélico das possíveis parcerias (SILVA, 2009).

vários países árabes (SANTOS, 2000). Nesse momento (situação que perdurou até o início dos 1990), interessava ao Brasil garantir o fornecimento do petróleo e abrir novos mercados para os produtos brasileiros – ganhando relativa expressividade comercial na década de 1980 (MESSARI, 2006).

O Fim da Guerra Fria marca uma presença cada vez mais incisiva dos EUA na região, somados à Guerra do Golfo e às iniciativas visando à paz no Oriente Médio, assinalam um período em que o mundo árabe se fecha mais às suas prioridades regionais e um consequente afastamento entre a região e o Brasil marca a década de 1990, essa mesma iniciativa também se dá por parte do Brasil, contando com fechamento de embaixadas brasileiras no mundo árabe ao longo dos governos FHC. Um ponto que simboliza o afastamento das relações entre o Brasil e o mundo árabe pode ser destacado na atuação do Brasil, na época membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU (1997), que, ainda que buscando manter sua tradição pacífica, acabou aceitando o argumento norte-americano de que o Iraque insistia em obstruir as inspeções da ONU, o que requeria uma posição mais firme do Conselho de Segurança e legitimava o uso da força militar se preciso fosse.152

Na década de 1990 o discurso terceiro-mundista é abandonado e, neste momento de aproximação com as políticas neoliberais, as relações com os países desenvolvidos, ao lado da ênfase dada ao entorno geográfico ganham maior atenção do país.

As relações com a Ásia são priorizadas em relação às com a África, que perdem foco no período. Nesse sentido, o número de diplomatas brasileiros no continente africano é diminuído (de 34 diplomatas em 1983, passa para 24 dez anos depois) e a atividade comercial reduz para os níveis de 1950 (representado de 2 a 3% das exportações brasileiras)153. Em contrapartida, temos a criação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que agrega cinco países do continente africano154, além do Brasil e de Portugal, e um direcionamento

152Para MESSARI (2006, p. 256) “A menção à ameaça militar representou uma evolução da posição brasileira,

principalmente diante das pressões dos Estados Unidos, e representou com isso um alinhamento do Brasil sobre a posição dos Estados Unidos no Conselho de Segurança. Essa posição do governo brasileiro pode ser considerada um claro indicio do afastamento político brasileiro em relação ao mundo árabe”.

153Não deve ser desconsiderado aqui o efeito que a crise econômica internacional causou às economias africanas,

influenciando fortemente na diminuição do fluxo comercial do continente com o hemisfério Sul. No mesmo sentido em que a política de estabilização brasileira também influenciou na queda das relações comerciais e investimentos do país no continente (SILVA, 2009).

154Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. A Comunidade é criada em 1996,

embora sua proposta tenha sido desenvolvida no governo Itamar. Apesar de uma série de dificuldades estruturais e constrangimentos que dificultam a operacionalidade da CLPL, ocorreram avanços no sentido de sua institucionalização. A participação do Brasil na Comunidade, ainda que carecesse de um conteúdo político e econômico mais prático, era vista positivamente como contribuição para a construção de um mundo multipolar (SILVA, 2009).

mais seletivo para o continente, direcionando-se mais para a África do Sul e Angola (SARAIVA, 2004).

O que se viu ao longo da década foram mais relacionamentos pontuais do que uma política para o continente. Nesse sentido, conforme Vigevani, Oliveira e Cintra (2003), está o envio a Angola da maior força brasileira no exterior, em missão de paz, que acabou incentivando uma retomada do interesse de empresas brasileiras pelo país. No segundo mandato de FHC, há que se considerar o relativo sucesso da política brasileira de controle da AIDS, contando com o desenvolvimento de projetos de cooperação internacional horizontal nessa área. A África do Sul, com o fim do apartheid, também possibilitou um estreitamento de relações, materializado em um acordo-quadro entre este país e o Mercosul. No entanto, a aproximação foi relativizada pela ocorrência de constrangimentos econômicos e dificuldades ocasionadas por sistemas não complementares. Por último, na Nigéria, o interesse brasileiro esteve ligado à prospecção e importação de petróleo, com participação da Petrobrás.