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Globalização financeira e sua lógica de funcionamento

21COMECON (Council for Mutual Economic Assistance) foi fundado em 1949, e visava a integração econômica

das nações do Leste Europeu. Os países que integraram a organização internacional foram a União Soviética, Alemanha Oriental (1950-1990), Tchecoslováquia, Polônia, Bulgária, Hungria e Romênia. Mais tarde, juntaram à COMECON: Mongólia (1962), Cuba (1972) e Vietnã (1978). Criada no contexto europeu de destruição após o final da Segunda Guerra Mundial, surgia como a resposta soviética ao plano edificado pelos Estados Unidos, o Plano Marshall, que visava apoiar a reconstrução econômica da Europa Ocidental. A organização se extinguiu em 1991.

22Há que se considerar ainda o papel igualmente importante representado pelos elementos internos da crise na

União Soviética para esse desfecho.

23A configuração do cenário político internacional pós Guerra Fria não é consensual. As afirmações se dividem

entre um cenário solidamente unipolar, uma unipolaridade instável, um mundo que caminha para a multipolaridade. Para maior aprofundamento ver VELASCO E CRUZ, 2007.

Dentro deste cenário histórico e político apresentado é importante tecermos alguns comentários acerca de como vai se dar a lógica de funcionamento da globalização financeira e suas implicações no relacionamento entre os países, no que diz respeito à nova dinâmica que é colocada. Esse processo “faz com que os mecanismos de transmissão internacional de pressões, fatores desestabilizadores e choques se tornem mais complexos e operem com maior velocidade” (GONÇALVES, 2002, p. 16), na medida em que as economias nacionais passam a estar mais interligadas. Elementos como incerteza, volatilidade, instabilidade configuram um cenário onde a elaboração de uma política econômica torna-se mais difícil, como veremos a seguir.

Estruturalmente, até o fim dos anos 1960, o arquétipo econômico mundial apresentava um conjunto de mercados nacionais interligados, onde as empresas viam-se em constante embate com as condições impostas por cada realidade nacional. Essa estrutura se transforma com o desencadear das transformações já referidas com o cenário emergente da década de 1970. Muitas indústrias deparam-se, neste momento, com fronteiras nacionais mais fluidas, onde os mercados se interpenetram mais facilmente e a concorrência passa a ser condicionada pelas disputas travadas entre os demais mercados. A campanha desencadeada pelo governo Reagan desde a década de 1980 insere-se nesse movimento ao propor “para uma economia que se globaliza, normas globais” (VELASCO E CRUZ, 2007, p. 391).

A posição central assumida pelo dólar é explicada por Carneiro (1999), e assim compreendida mundialmente, pelo fato de o dólar ser a reserva de valor da riqueza financeira global e pela profundidade dos mercados financeiros americanos que conferem a esta moeda uma procura diferenciada, possibilitando aos Estados Unidos ter uma das menores taxas de juros do sistema.

O fator interdependência é inegável, uma vez que, nos países de moeda não conversível, a taxa de juros é um múltiplo da taxa básica americana. Ou seja, a taxa de juros apresenta três variáveis: a taxa básica americana, o risco país e o risco cambial. O que faz com que a política monetária interna dos países esteja diretamente relacionada ao dólar. No que tange, então, à tentativa de regular os mercados financeiros locais, coloca-se o risco da marginalização dessas moedas, na medida em que o aumento dos custos de transação com as mesmas as torna menos atrativas. Juntamente com esse desprendimento da política econômica do foro doméstico, o processo de globalização financeira também é responsável por um afastamento cada vez maior dos fluxos de capitais frente às necessidades de transações correntes – esses fluxos já não se orientam pelas necessidades reais das economias centrais, adquirindo um caráter intrinsecamente especulativo.

Passa-se agora para o predomínio da lógica dos ganhos patrimoniais, entra-se na era de ganhos D-D’, suprimindo-se a variável “produção” da lógica que regia as transações anteriormente: D-M-D’ (CHESNAIS, 1999). A partir daí explica-se a diminuição do peso do fator produção no processo de valorização financeira. Regidas por ganhos patrimoniais, as transações financeiras desconsideram a necessidade de investimento e crescimento econômico, focando seus ganhos no caráter rentista de valorização do capital.

As mudanças de posição dos ativos financeiros nesse novo contexto passam a se associar às expectativas de ganhos de capital decorrentes de variações esperadas de taxas de juros e câmbio em cada país. A variável correspondente ao estoque de títulos da dívida pública desempenha um papel central de lastro desse processo especulativo. Para Carneiro (1999), a elevação da taxa de juros que acelerou o crescimento da poupança financeira, bem como a crescente institucionalização desta última, talvez tenham sido os fatores de maior importância na explicação da globalização financeira.24

A nova ordem econômica vigente é configurada por uma nova velocidade, apresenta- se com exacerbada preferência por transações de curto prazo e com uma clara preferência pelo fator liquidez – o que é devido à facilidade com que as transações podem ser feitas e desfeitas, visando uma maior valorização dos ativos. Nessa nova configuração, o fator incerteza é um conceito chave para a compreensão da movimentação dos ativos dentro do sistema.

Em se tratando dos anos 80 e 90 afirma-se que as taxas de juros elevadas traduziram uma maior incerteza sobre a sustentação de trajetórias estáveis para a economia e a consistência da política econômica (CARNEIRO, 1999). Ao lado desse fato, a ausência de intermediação bancária, devido à sua perda de posição em nome das instituições financeiras e seguradoras evidencia de certa forma as incertezas da política econômica, que se torna mais volátil. Outro fator que exacerba a preferência pela liquidez é a própria organização do Sistema Monetário Internacional, fundada na livre mobilidade dos capitais e nas taxas de câmbio flutuantes.

A partir da segunda metade dos anos 80, observamos o crescimento simultâneo dos déficits em transações correntes ao lado do crescimento dos fluxos brutos de capital, sem relação imediata entre ambos. Os influxos não necessariamente vão para os países deficitários e os afluxos não advém necessariamente dos países superavitários. Desse modo, Tavares

24Por sua vez, a deterioração dos balanços bancários com a elevação das taxas de juros nos anos 80, levou à

necessidade de um processo de securitização – potencializando assim, o desenvolvimento dos mercados de títulos.

(1997) atenta para o fato preocupante de que, cada vez mais a direção dos fluxos vai perdendo a conexão com a situação das transações correntes e são esses fluxos e a sua continuidade que vão determinar a situação do balanço de transações correntes. Ou seja, esse balanço depende de fluxos que são, por sua natureza, instáveis e incontroláveis, ficando assim, a situação econômica de um país abandonada à sorte e nas mãos dos investidores privados.

A predominância das transações entre países desenvolvidos é outra característica de extrema relevância no novo cenário. Houve na prática uma estagnação dos fluxos para os países subdesenvolvidos – decorrente da estabilidade dos fluxos públicos e da queda dos privados. A reversão dos fluxos bancários privados que vinha ocorrendo desde 1982 intensifica-se após 1986, ano a partir do qual os fluxos líquidos tornam-se negativos (juntamente com a fuga de capitais dos países em crise através do aumento dos depósitos de residentes no exterior). O grande crescimento do investimento de portfólios, correspondente ao novo cenário, está associado ao aumento do investimento externo dos investidores institucionais, resultado da desregulamentação da composição de seus portfólios. A aquisição de ativos externos ocorre a partir da busca por diferenciação dos riscos (CARNEIRO, 1999).

A composição dos portfólios fica mais vulnerável aos movimentos de câmbio e juros. É visível o crescimento mais acentuado dos fundos mútuos em especial dos hedge funds dotados de maior propensão ao risco. Um importante aspecto da globalização financeira está relacionado à volatilidade dos fluxos de capitais. Dentre os quais, aqueles que são mais independentes da situação de balanço de pagamentos do país receptor e buscam rentabilidade de longo prazo que são menos voláteis do que aqueles que se movem pelo diferencial de juros de curto prazo e, que em geral, estão associados à situação de balanço de pagamentos. A peculiaridade das instituições bancárias, em especial as transnacionais, reside na atuação simultânea em vários sistemas monetários nacionais (CARNEIRO, 1999).

Para Arceo (2006), com a internacionalização das finanças e dos processos produtivos, as principais vítimas foram os trabalhadores e as políticas desenvolvimentistas dos países periféricos. Com as taxas de câmbio flexíveis e a maior liberdade no movimento de capitais, veem-se limitadas as faculdades dos Estados de fixar a taxa de juros, devido à necessidade de manter-se próxima à taxa da potência hegemônica; a fim, por sua vez, de moderar as variações da taxa de câmbio. Nesse sentido, o medo de uma fuga maciça de capitais vai limitar (condicionar) a política econômica em geral.