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CAPÍTULO 2 – A conjuntura interna brasileira e as perspectivas possíveis e passíveis de

2.1 A resposta interna ao choque externo

Em março de 74 – 3 meses após o primeiro choque do petróleo – o general Ernesto Geisel assume o governo no Brasil, já ciente da desaceleração do comércio mundial. Ele assume o governo em um cenário interno e internacional desfavorável, após o chamado “milagre econômico”. Vislumbrava-se, no dado momento, realizar escolha essencial entre duas alternativas disponíveis ao governo brasileiro. Primeira, reduzir o crescimento pautado pelas limitações externas, ou segunda, atuar no rumo contrário, mantendo políticas de crescimento artificiais devido ao cenário desfavorável. A segunda opção, dar início ao que

ficou conhecida por “marcha forçada”34 da economia brasileira, per si mais política e,

portanto, aquela que acabou prevalecendo.

Decorrente, então, das limitações impostas pela crise internacional e suas implicações para a periferia do sistema, surge na década de 70 o II PND, uma resposta brasileira autônoma à crise externa. A análise do programa é de extrema importância para a compreensão do cenário interno; bem como para ilustrar o ponto fraco dessa estratégia brasileira diante do novo contexto global, à época em elaboração.

O II PND visava diversificar a estrutura produtiva e reduzir a vulnerabilidade externa (superando o hiato de recursos) e, deste modo, modificar a inserção externa do Brasil, enfatizando a importância do comércio exterior. O programa figura como sendo “o último suspiro” do modelo desenvolvimentista brasileiro, e, portanto de uma inserção mais ativa, antes da abertura neoliberal dos anos 1990.

Seguindo o modelo histórico de desenvolvimento brasileiro que havia se dado até então, buscava-se “diferenciar a estrutura produtiva, completando-a e aproximando-a do paradigma então prevalecente nos países centrais” (CARNEIRO, 2002, p. 63). A base de

financiamento externa aproximava-o de programas como o Plano de Metas35, que tinham o

mesmo objetivo e limitação, tais como de capacitação e autonomia tecnológicas e/ou

34Expressão cunhada por Antônio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza para descrever o período

de expansão anti-cíclica que ocorreu de 1974 a 1980.

inadequação da base financeira doméstica, os quais limitavam os projetos de superação do atraso.

Fajnzylber (1983)36 coloca que, apesar da maturação do paradigma tecnológico que se presenciava quando da implementação do programa, a concentração da indústria de bens de capital nos países centrais ainda era muito forte. Ultrapassar essa posição, como pretendia o programa, significava superar um esquema de divisão internacional do trabalho já estabelecido.

O padrão de financiamento adotado após o primeiro choque do petróleo seguiu e aprofundou37 o padrão utilizado anteriormente: indução a um maior endividamento externo,38

dependência interna da poupança compulsória e de instituições públicas de crédito. A partir de então, pode-se afirmar que a economia brasileira sempre esteve ligada ao capital estrangeiro. Logo, a suposta autonomia nunca ocorreria de fato, uma vez que as sanções econômicas sempre lhe seriam limitantes. Enquanto o cenário internacional era favorável e contava-se com disponibilidade de liquidez isso nunca representou um problema – econômico ou político – e, portanto, nunca se buscou solucioná-lo. Nos períodos de escassez, a crise era tamanha que impedia o Estado de solucioná-la. Ou seja, o problema só era percebido – ou fazia-se perceber – tarde demais, quando já não se fazia possível uma solução autônoma devido à necessidade de “socorro”. Foi o que aconteceu na década de 80 e dificultou uma solução alternativa à dos credores.

Nesse sentido, Tavares e Lessa (1983) discutem que o II PND não se faz efetivo enquanto modelo de substituição de importações, uma vez que não internalizou por completo nenhum importante segmento da indústria, tampouco conseguiu fechar internamente o ciclo de produção, tendo o investimento como fruto do mercado interno criado. Dentro dos modelos estratégicos de desenvolvimento, o programa coloca o país como um drive exportador, com a decisão dos investimentos determinada no mercado externo.

Dessa forma, ainda que consideráveis esforços no sentido de diferenciação do setor de industrialização pesada tenham sido feitos, as antigas falhas estruturais foram reproduzidas.

36Citado por Carneiro, 2002, p. 69. FAJNZYLBER, F. La industrialización trunca de América Latina. México:

Editorial Nueva Imagen, 1983.

37Uma vez que agora contava com um cenário livre de restrições, após a ruína do sistema que contava com taxas

de câmbio semi-fixas sob a ordem de Bretton Woods.

38Quanto às opções existentes de financiamento à estratégia de crescimento proposta, temos: autofinanciamento;

aporte de recursos fiscais; ou o financiamento externo. A partir de 1976, certas condições internas e externas (grande liquidez internacional aliada à política interna de controle da inflação e, por conseguinte, contenção tarifária, bem como a ausência de uma reforma tributária que garantisse o aporte de recursos fiscais) acabaram conduzindo o país a optar novamente pela terceira alternativa. Além de ser a alternativa que contava com menor resistência interna e de contar com as facilidades como a resolução n.63, a qual estabelecia um elo entre o sistema bancário interno e o internacional (CARNEIRO, 2002).

Observou-se assim, um ganho reduzido na capacidade de inovação tecnológica, fator de extrema influência na crítica ao modelo e opção pela mudança de paradigma efetuada no final dos anos 80.

Há ainda que se considerar que o programa, ao focar na indústria pesada, alterou as bases internas do crescimento proposto, tirando o foco da indústria de bens de consumo duráveis, perdendo assim o apoio da antiga base de crescimento econômico, possibilitando a emergência de críticos do regime militar, o qual vai perdendo sua base política de apoio. Para Tavares e Belluzzo (1984, p. 133):

a hipótese de reforçar o poder nacional ou de desenvolver as forças produtivas por meio do crescimento auto-sustentado do departamento de bens de produção, implica uma modalidade sui generis de capitalismo de Estado, pois tanto sua base real produtiva, quanto sua base social de apoio, são muito estreitas. O projeto de Estado Nacional autoritário levantado em 1974, não só não conta com o apoio popular, por que nada tem a ver com ele, como também conta apenas, do ponto de vista das classes dominantes, com um setor restrito da grande empresa internacional (os setores cartelizados de bens de equipamento pesado), de uma fração da mecânica pesada nacional e do bloco das grandes firmas de engenharia e construção.

O que se segue é a ausência de êxito do II PND na superação do subdesenvolvimento;

uma vez que, fazia-se necessário para tal libertar-se da vulnerabilidade externa garantindo internamente os investimentos, por meio da poupança interna. Para Lessa (1978), a superação do subdesenvolvimento envolve superar também esse hiato de recursos. O que não ocorreu devido, em grande parte, ao momento ruim marcado por um cenário de crescimento internacional em declínio, paralelamente, à opção política do governo brasileiro por uma medida anticíclica.

Em resumo, a tentativa de inserção autônoma brasileira pecava na medida em que ignorava seus pontos falhos. A questão do investimento era de fundamental importância para assegurar uma menor vulnerabilidade interna e maior qualidade na inserção externa. Ao negligenciar as transformações ocorridas no cenário internacional, fundamentais para o desenvolvimento do programa, o modelo estava comprometido, bem como seu propósito central: a busca pela superação do subdesenvolvimento.

Fiori (1995) vai dizer que a suposição em que se fundamentavam os mentores do II PND enfrentou dificuldades não previstas cujas consequências lhe foram fatais. Num primeiro

momento, o programa lutou contra a baixa solidariedade empresarial, a qual se transformou em uma verdadeira rebelião contra a estatização a partir de 1976.39

A tentativa do governo de promover um crescimento “artificial”, isolado e em detrimento da crise e das transformações externas mostrou-se inoperante uma vez que dependente de tal variável. Assim que, com a crise do financiamento externo iniciada em 1979 – decorrente da nova política dos Estados Unidos de atração de capital –, tal política econômica não se sustentou. A resposta brasileira à crise mundial foi ousada,40 uma vez que desconsiderou as transformações que se davam no cenário internacional no decorrer da década de 70.

O ônus dessa ousadia vai ser carregado ao longo da década de 80, na qual o país enfrenta o choque da dívida externa e seus entraves à economia brasileira, bem como a crescente oposição nacional dos descontentes com um modelo desenvolvimentista que não mais garantia o crescimento.

O remédio, um duplo processo de internacionalização financeira e estrangeirização da economia brasileira, condicionou ainda mais os graus de autonomia das políticas públicas, em que pese o ônus da dívida externa. Essa subordinação só tendia a crescer em toda a região, possibilitando que os mecanismos de crédito internacionais assumissem uma posição central na elaboração e adoção da política econômica monetária e fiscal (BASUALDO; ARCEO, 2006).