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A inversão dos fluxos de capital – geração de superavits e o adeus ao modelo

CAPÍTULO 2 – A conjuntura interna brasileira e as perspectivas possíveis e passíveis de

2.2 Gênese e crise da dívida externa – a vulnerabilidade brasileira exposta

2.2.1 A inversão dos fluxos de capital – geração de superavits e o adeus ao modelo

Desde o pós-guerra, a inserção externa brasileira na maior parte do tempo ocorreu por meio da absorção de recursos reais e financeiros. Ao longo da década de 1980, o sentido do fluxo sofre uma reversão e o país passa a transferir recursos para o exterior na forma de serviços e amortizações parciais do montante contraído da dívida externa.

O desequilíbrio decorrente do 2º choque do petróleo e do aumento na carga de juros se agravou, uma vez que os novos empréstimos contraídos foram insuficientes para cobrir o serviço da dívida. Até 1982 o financiamento ocorria por meio do mercado de crédito, mas, já

a partir de 1981, nota-se um endividamento adicional do setor público necessário para o fechamento das contas, decorrente do já elevado grau de endividamento público e à desaceleração dos investimentos públicos, como vimos antes.

Tudo indicava que o cenário internacional definitivamente passaria a influenciar a postura que os países centrais assumiam frente aos periféricos, especialmente a periferia latino-americana. A moratória mexicana de 1982 confirmara isso. Depois dela, ocorreu uma extinção do mecanismo de financiamento voluntário dos déficits em transações correntes para a América Latina. Até 1984 ainda houve certo fluxo de financiamento estrangeiro. Depois disso, tem-se uma transferência líquida de recursos para o exterior bem mais elevada. Em 1987, devido à declaração da moratória brasileira, essa transferência se limita de certa forma. Entretanto, em 1988, as contas atrasadas foram pagas e em 1989 declarou-se nova moratória. Isso posto, a década de 80 foi marcada por uma queda no investimento direto estrangeiro, por um aumento na remessa de lucros para o exterior e ainda assistiu-se a uma repatriação do capital produtivo para os Estados Unidos. Ainda como consequência dessa ruptura, temos uma estatização da dívida externa privada, paradoxalmente quando se rompe com o financiamento externo. Em suma, a década de 80 evidencia o esgotamento do padrão de desenvolvimento posto desde 1930, marcado pelo dinamismo e crescimento da economia brasileira, em especial do parque industrial.

Essa desaceleração do crescimento foi influenciada principalmente pela mudança na trajetória do investimento. A essencial mudança com relação à década anterior foi justamente a contínua transferência de recursos reais para o exterior, decorrente da obtenção de

superavits comerciais.46 Tal inversão se impôs devido às novas condições externas. A transformação no cenário internacional, como vimos antes, impunha aos países periféricos a obtenção de superavits comerciais para arcar com a elevada dívida contraída durante a “marcha forçada” da economia brasileira. Como consequência, a década de 1980 representou uma redução do crescimento interno, estagnação do produto per capta e regressão do investimento. Fenômenos que constrangeram o desenvolvimento nacional.

As tentativas de crescimento e melhorias dos anos 80 eram barradas pelas restrições externas. Cardoso de Mello (1984) ressalta, principalmente, uma contradição inerente que o próprio processo adotado reproduzia: objetivando a transferência de recursos reais para o exterior, pautava-se na obtenção de superavit sustentável para tal; não obstante, um

46O Brasil recorre ao FMI em 1982 e as medidas impostas com vistas a obtenção de novos empréstimos e a

negociação do pagamento do já em vigor consistem numa rígida política de ajustes combinando reforma monetária, desvalorizações cambiais, além de diminuição das importações com promoção das exportações.

desempenho necessário das exportações para a obtenção de tal superavit dependia de constante inovação tecnológica que, por sua vez, dependeria de investimentos elevados num contexto internacional de aceleração do progresso técnico.

Do precedente exposto, temos que a crise da dívida – fruto de uma dependência interna a um cenário externo em transição – acabou por inviabilizar o crescimento da região e marcou a interferência constante, a partir de então, de organismos multilaterais em defesa do interesse dos credores externos na política interna dos países em questão. A receita que deveria "salvar" as economias periféricas, por sua vez, acabou por agravar sua situação.

Durante toda a década de 1980 e também da seguinte, os problemas da dívida e do ajuste do balanço de pagamentos figuraram no primeiro plano das políticas econômicas latino-americanas. Correlacionados ao problema da dívida, os índices inflacionários dispararam e o poder dos Estados em administrar a vida econômica de suas nações foi erodido pela adoção das políticas ditadas pelos países credores (CORDEIRO; SANTOS, 2005, p. 26).

Os planos Baker e Brady (1985 e 1989) reforçaram ainda mais a necessidade dos países

devedores adequarem-se às exigências do FMI47 para conseguirem renegociar a dívida e

rescalonar suas condições de pagamento. O primeiro deles não obteve muito sucesso. No entanto, o Plano Brady, que contava com melhores condições aos países devedores48, obteve maior êxito e contou com a submissão brasileira às suas condições. Logo, os países que aceitaram essas imposições passam a trabalhar na reestruturação de suas respectivas economias e gradativa adoção das medidas neoliberais.

Isso posto, temos então que as reformas macroeconômicas e a consequente abertura financeira e comercial do Brasil na década de 90 estão diretamente ligadas com a crise da dívida, a qual foi o estopim de um modelo de desenvolvimento que não mais se sustentava. Deste modo,

[h]á uma relação estreita, quase simbiótica, entre política de administração da dívida e reforma macroeconômica. [...] Os credores só concordam com a rolagem da dívida se a nação devedora aceitar as "condicionalidades políticas" que fazem parte dos acordos de empréstimos [...] O objetivo consiste em impor a legitimidade da relação de serviço da dívida enquanto as nações devedoras são mantidas numa "camisa de força" que as impede de se

47Exigia políticas macroeconômicas consistentes de ajuste estrutural voltadas para o crescimento a fim atrair

investimentos externos; estimular o repatriamento de capitais nacionais depositados externamente; além das políticas de combate à inflação e de reajuste no balanço de pagamentos.

48Propunha uma redução de 20% no montante da dívida e concedia maiores prazos para o pagamento da mesma.

Em março de 1989, o plano foi anunciado pelo secretário de tesouro dos Estados Unidos Nicholas F. Brady que pretendia renovar a dívida externa de países em desenvolvimento, mediante a troca por novos bônus. Estes bônus contemplavam o abatimento do encargo da dívida, através da redução do seu principal ou pelo alívio nos juros. Além de emitir os bônus, os países deveriam promover reformas liberais em seus mercados.

lançarem numa política econômica independente. Arquitetou-se uma nova geração de "empréstimos condicionados à política". Esses acordos de empréstimos do Banco Mundial incluíam rígidas "condicionalidades": o dinheiro só era garantido se o governo concordasse com as reformas de ajuste estrutural e, ao mesmo tempo, respeitasse os prazos para sua implementação49 (CHOSSUDOSVKY, 1999 apud CORDEIRO; SANTOS,

2005, p. 16).50

O tipo de inserção pautado num projeto de desenvolvimento de bases nacionais encontra nesses entraves a impossibilidade de sua reprodução. Dentro deste cenário, acredita- se que a melhor saída é agir em consonância com as políticas “indicadas” pelas grandes potências, promovendo políticas de abertura financeira e responsabilidade fiscal. O foco sai do âmbito interno com suas políticas protecionistas e passa a ser as garantias externas impostas.

A estratégia anticíclica de expansão, fundamentalmente dependente de abundante endividamento externo, atingiu na década de 1980 seu esgotamento. A conjuntura internacional de rápida deterioração após o segundo choque do petróleo colocou em xeque o padrão interno de financiamento que sustentava o crescimento até então.

Em síntese, uma confluência de fatores decorrentes de uma inserção dependente do país deixou-o vulnerável às oscilações do cenário externo, com limitadas possibilidades de se reestruturar devido à limitada margem de manobra conquistada, ao lado disso, a reconfiguração de interesses internos também contribuiu para o rumo tomado a partir de então.