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Prerrogativas internas de associação ao pensamento dominante

Os fatores e determinantes internacionais não agiram de forma absoluta sobre o comportamento e as opções estratégicas das Potências Médias recém-industrializadas32, mas restringiram significativamente seus

comportamentos e opções estratégicas (SENNES, 2003, p. 13).

Nosso objeto de estudo é relatar de que forma a nova ordem internacional e a crise do projeto nacional desenvolvimentista vão conduzir o Brasil a uma nova estratégia de inserção internacional.

31As nações desenvolvidas teriam chegado ao topo e “chutado a escada” pela qual subiram, uma vez que, fizeram

uso de instrumentos para se desenvolver que hoje proíbem – protecionismo à indústria nascente, controle estatal da economia, dentre outras práticas.

32O termo Potência Média recém-industrializada é fruto de uma discussão do autor que leva em consideração

fatores físicos como tamanho, população, área geográfica, mercado, PIB, bem como fatores políticos, como grau de influência regional e grau de autonomia internacional. Para uma maior compreensão acerca do termo, ver: SENNES, R. As mudanças na política externa brasileira nos anos 80, 2003.

As transformações que ocorreram no Brasil ao longo da década de 80 decorrem de uma série de fatores externos que se combinaram a deficiências internas, levando à insustentabilidade do projeto desenvolvimentista e a uma redefinição de interesses. O caso Brasil não é isolado, mas faz parte de um movimento que abarcou outros países – que, por ocuparem lugares semelhantes no Sistema Internacional, sofreram impactos similares em sua reorganização.

A crise do modelo de Substituição de Importações não fora um reflexo passivo das transformações ocorridas na economia mundial. A forma em que se deu a reestruturação econômica e o grau de profundidade da abertura comercial e financeira estiveram condicionados, em cada caso, pela correlação de forças entre as frações do bloco dominante de cada país. As características da fração que se tornou hegemônica e sua capacidade em utilizar os aparatos do Estado a seu favor, aliada à sua relação de forças com as camadas populares, foram elementos fundamentais na nova configuração econômica e política de cada país (BASUALDO; ARCEO, 2006).

Estudaremos as influências do novo cenário mundial na política econômica interna brasileira, para posteriormente podermos compreender a mudança de inserção internacional do país que se deu no início da década de 90. Discutiremos de que forma as crises – energéticas e de crescimento mundial – da década de 70 contribuíram para a deterioração do projeto de desenvolvimento que era conduzido pelo Brasil e, de que forma, a emergência do novo cenário – dentro da discussão do enfraquecimento do Estado Nação periférico – estremeceu as bases do mesmo.

Pode-se dizer do que precede que, decorrente do novo padrão de conduta internacional refletido nos órgãos econômicos multilaterais, os posicionamentos externos de um grupo de países recém-industrializados sofreram abalos significativos ao longo da década de 80. Dessa forma, as novas condutas – fiscais, comerciais, tarifárias – propagadas pelo novo ordenamento internacional se mostraram incompatíveis com as políticas daqueles países. Para o Brasil, essas modificações tiveram fortes implicações, na medida em que, somadas às vulnerabilidades internas, vieram a se configurar num ambiente internacional claramente incompatível com várias das premissas de sua política externa e interna (SENNES, 2003). Em decorrência disso e dada a crise do modelo interno, neste momento, passa a se formar no país um novo consenso acerca da melhor maneira de sair da crise e se inserir no mundo globalizado.

Os resultados dessas transformações, considerando-se a região latino-americana, foram taxas de crescimento inferiores às do intervalo de 1950 a 1980, considerando-se o

aumento mais elevado das exportações. O crescimento do produto passa a ser acompanhado de substanciais transferências de riqueza e renda aos setores dominantes locais e ao capital transnacional, especialmente quando o Estado assumiu a dívida privada33, transferiu os ativos públicos por meio das privatizações, adotou políticas monetárias estreitamente subordinadas às condições impostas pelo fluxo externo de capitais e pelo predomínio da valorização financeira do excedente (BASUALDO; ARCEO, 2006).

Ao lado desse cenário, assiste-se a uma queda na importância relativa do investimento em produção, uma desarticulação do aparato industrial e uma contração de atividades de maior complexidade tecnológica e que exigem trabalho qualificado (BASUALDO; ARCEO, 2006).

Dentro do que foi exposto anteriormente acerca das alterações ocorridas no cenário internacional desde a década de 1970, bem como a nova orientação do capitalismo global a partir de então, estudaremos agora a articulação do Estado brasileiro – e seu programa de desenvolvimento – com esse novo contexto e as transformações internas que dali se seguiram. É fundamental compreender a interdependência dos dois cenários – interno e externo – e como os mesmos interagiram nas décadas de 70 e 80 para atingirmos nosso maior objetivo que é compreender a mudança de inserção externa brasileira na década de 90 via liberalização econômica.

Fiori (2003) apresenta uma releitura do desenvolvimentismo brasileiro, apontando que os interesses que nortearam a abertura econômica brasileira foram os mesmos que sustentaram os programas desenvolvimentistas.

Nesse sentido, o surgimento dos modelos desenvolvimentistas na América Latina na década de 1930, segundo Fiori (2003), decorreu da insustentabilidade do modelo vigente – exportador de matéria-prima, uma vez que as duas grandes Guerras combinadas à crise de 1929 se materializam num contexto internacional de retração econômica que inviabilizava a continuidade da antiga inserção. O surgimento de “estados desenvolvimentistas” na América Latina, que visavam impulsionar a industrialização, emerge como uma alternativa. É de fundamental importância notar que o modelo de industrialização não se propunha a superar as contradições internas e heterogeneidades presentes nos países; simplesmente reproduzia as falhas de coesão interna, mascarando-as.

33O papel do Estado em assumir a dívida privada acabou pagando o ajuste das empresas à nova ordem econômica internacional. Por isso que na década que apresentou as duas primeiras quedas absolutas do PIB total e per capta na moderna história brasileira, contraditoriamente, quase que não houve quebra de empresas. Ao contrário, amargavam resultados lucrativos medíocres na área da produção, enquanto suas aplicações financeiras exibiam performances positivas (OLIVEIRA, 1998).

Tendo em vista o precedente, o modelo brasileiro surge pautado no autoritarismo e na centralização de tomada de decisões como condições de sua reprodução. Tal origem decorre do fato do processo de industrialização brasileira ter se assentado sob bases que se opunham: uma vez que nasce tendo o capital estrangeiro como base de financiamento e depende da aceitação por parte das classes dominantes internas da interferência de interesses externos, os quais iam de encontro com seus próprios interesses (agrário-exportador) que eram menos rentáveis. Coube ao Estado, durante todo o período, conciliar a modernização dependente do capital externo com a defesa de interesses domésticos que muitas vezes limitavam essa modernização. Reproduzia-se assim, uma ordem econômica e política heterogênea. As características fragmentadas das camadas que apoiavam o governo submetiam o modelo a constantes e contraditórias pressões que, quase sempre, eram equacionadas pela via da centralização autoritária.

Ao longo dos anos que se estendem de 1930 a 1980, as demandas crescentes das massas fazem frente a um padrão de desenvolvimento concentrador de renda, com baixos níveis salariais e até o aumento de bolsões de miséria. O desenvolvimentismo passa a ser então uma necessidade para a própria sobrevivência das classes dominantes. Fiori (2003) caracteriza o processo como “fuga para frente”. Ou seja, tratou-se de buscar o crescimento econômico como forma de não enfrentar os conflitos internos reivindicatórios de terra e de riqueza. Ao longo do programa, assiste-se a uma combinação de forças descentralizadoras exigindo uma centralização necessária para essa reprodução, caracterizando assim uma base surreal e altamente instável.

Nossa proposta, neste momento, é abordar a falência do modelo desenvolvimentista brasileiro, bem como quais foram suas características elementares que levaram a este fim. O propósito aqui é associar a viabilidade do padrão de desenvolvimento interno frente à relação estabelecida com o meio externo. Em suma, nossa preocupação será compreender como um se relaciona com o outro, e quais os elementos que a “nova ordem mundial” trouxe para a esfera de atuação dos Estados periféricos; bem como, qual foi a nova estratégia de inserção esboçada a partir da crise do modelo anterior.

Por estar intimamente ligado ao ambiente exterior, o padrão de financiamento brasileiro encontrava-se, na década de 70, claramente vulnerável aos choques externos. Exatamente pelo caráter falacioso do modelo desenvolvimentista que perpetuava a condição dependente do país, ao negligenciar a questão do investimento com base externa, a economia brasileira não foi capaz de suportar o fim de um grande ciclo de crescimento mundial –

marcado pela crise do modelo keynesiano e derrocada da ordem de Bretton Woods – tendo seu modelo de crescimento sufocado pela crise da dívida externa.

O estado desenvolvimentista combinava atuações de repressão com paternalismo, não só reproduzindo como assegurando as desigualdades e as heterogeneidades internas. Tratou-se então de uma lógica de avançar para esconder uma estrutura que não se sustentava, até sua derrocada na década de 90, quando da opção pela abertura neoliberal.

Não obstante, a década de 70 representa para o Brasil uma sobreposição de crises, uma vez que, a recessão decorrente de uma crise na economia mundial ao lado do abalo da hegemonia norte americana, ao restringir o crescimento brasileiro (devido à queda nos investimentos e aos encargos da dívida externa), tornam visível a instabilidade interna, vulnerável aos choques externos e sem um substrato nacional coeso.

As fragmentações internas, ao lado da crise da dívida externa e elevação da inflação, caminharam no sentido de enfraquecimento e perda de credibilidade do Estado. Nos anos 80 o ciclo nacional-desenvolvimentista chega a seu limite. Uma vez que a fragmentação interna chegou a tal ponto que conduziu o Estado à impotência, o qual acabou chocando-se com sua própria base de apoio (FIORI, 2003).

Fez-se então necessária uma reorganização dos compromissos sociais e políticos que sustentaram esse modelo. Impôs-se assim à realidade brasileira, por uma necessidade da própria tendência que conduziu à crise de então, descentralizar, desestatizar e democratizar para crescer, ainda que sem doutrina ou programa específicos (FIORI, 2003).

Esgotou-se, portanto, um ciclo que tinha no estatismo e na centralização seu fundamento. Desde então, a questão que se pôs era de como se livrar de um Estado do qual todos dependiam economicamente e os instrumentos de poder que detinham era a própria burocracia do Estado que controlava. É importante ressaltar aqui que as próprias classes mentoras e beneficiárias dessa fórmula estatal desconhecem-se como tais e se viram contra o Estado. As reformas passam a ter, a partir de então, como foco a desestatização, encobrindo assim um longo período de crise e incerteza (FIORI, 2003).

Em grande medida, a face externa do período desenvolvimentista foi caracterizada por um tempo em que o Brasil tentava “explorar suas potencialidades ao abrigo das oportunidades que o meio externo oferece para a consecução deste fim” (GONÇALVES, 1992, p. 160). A década de 1970 representou o último suspiro desenvolvimentista. Uma última tentativa de inserção internacional visando suas prioridades internas e em busca de salvar a coesão nacional – ou o que se tinha por. Tratava-se então, de uma inserção que visava projetar os

interesses nacionais em escala global, refletindo o grau de maturidade que a industrialização brasileira tinha atingido.

Os elementos trabalhados nesse capítulo acerca das implicações da retomada da hegemonia norte-americana através da liberalização financeira, ao lado do contexto político que marca o fim da Guerra Fria e a disseminação de políticas neoliberais são elementos que nos ajudam a compreender a situação do Brasil no período.

Como buscamos apresentar aqui, a reconfiguração do cenário internacional não é exclusivamente o fator determinante dos posicionamentos brasileiros a partir de então, mas um elemento importante com o qual o país terá de lidar na nova dinâmica estabelecida. A questão do financiamento externo do programa desenvolvimentista será abordada no capítulo que segue, bem como as limitações do mesmo. Trabalharemos, agora a partir do âmbito interno, os elementos que contribuíram para a crise do modelo de desenvolvimento brasileiro. Esse estudo é importante, para, a partir de então, compreendermos o novo consenso que se forma acerca do melhor caminho para sair da crise e a nova estratégia de inserção do país no mundo.

CAPÍTULO 2 – A conjuntura interna brasileira e as perspectivas possíveis e passíveis de