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3. POLÍTICA PÚBLICA EM ESTUDO

3.1. As políticas públicas no Brasil

Antes de iniciarmos a análise da política de educação profissionalizante no Brasil, é necessário entender o que é uma política pública e como esta acontece no Estado, para que seja possível compreender as variáveis que influenciam a trajetória da Rede Federal enquanto política pública em educação. Neste trabalho, adotamos a descrição de Celina Souza (2006) acerca das políticas públicas. Para a

autora, a política pública é um campo do conhecimento que busca implementar, executar, avaliar e, quando necessário, modificar ações e programas, a fim de produzir resultados ou mudanças num dado contexto social. É intencional, de longo prazo, não se limita a leis e regras, envolve diferentes atores (formais e informais) e repercutem na economia e nas sociedades.

Segundo Souza (2006, p.25), as políticas públicas precisam ser compreendidas considerando o “locus onde os embates em torno de interesses, preferências e idéias se desenvolvem, isto é, os governos”. É no cenário do Estado, espaço composto por diferentes atores, grupos, ideologias e interesses, que as políticas públicas se delineiam. Souza (2013, p.9) define a noção de Estado como “o conjunto de instituições criadas, recriadas e moldadas para administrar conflitos e tensões dentro de um determinado território e sobre um determinado conjunto demográfico. O Estado é, portanto, o centro do poder político e de autoridade”.

Considera-se o pensamento de Iamamoto (2000), em que as políticas públicas são compreendidas como dispositivos desenvolvidos na lógica do capital. Para a autora, as políticas públicas são estratégia do Estado para regular a sua economia e inverter a situação de crise capitalista pós-guerra, através do fornecimento de condições à população para o consumo de massa. Cabe neste contexto entender que as políticas públicas estão atreladas à “questão social”, retratadas como o conjunto das expressões das desigualdades sociais, fruto da contradição capital-trabalho, em que o trabalho se torna cada vez mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos e das condições de trabalho é cada vez mais monopolizada por uma pequena parcela da sociedade (IAMAMOTO, 2000).

Em se tratando de Brasil, a atenção histórica às demandas de industrialização, voltada aos interesses do mercado, é relevantemente influente às condutas para políticas de educação e balizou a forma como os governos no Brasil, com suas diferentes ideologias e interesses, conduziram as políticas públicas. O Estado brasileiro, a partir da era republicana, assumiu papéis de regulação, intervenção, planejamento, empreendimento e assistência social, tendo se preocupado em aparelhar e estruturar o Estado desde o início da República Velha até a década de 1970, passando a dar espaço aos interesses públicos a partir da década de 1980 (ESTENSSORO, 2011).

A partir da análise feita por Estenssoro (2011) sobre a trajetória do tratamento dado às políticas públicas no Brasil, tem-se que durante a República Velha (1889-1929), as políticas eram pontuais e distantes dos interesses da população. Na era do Estado Novo (1930-1945), as políticas se voltam ao desenvolvimento industrial, com regulamentação às leis trabalhistas. Durante o período nomeado pelo autor como democrático-desenvolvimentista (1945-1964), tem-se a expansão do desenvolvimento industrial e ampliação da democratização do ensino.

Durante o período de ditadura militar (1964-1985), Estenssoro (2011) observa que há a busca pelo crescimento econômico, que acaba por aprofundar a dependência econômica brasileira ao mercado internacional. As políticas públicas foram desenvolvidas com características de assistencialismo, meritocracia e clientelismo, seguidas por um processo de privatização das políticas sociais, que acabaram por torná-las ineficientes, burocratizadas e de ausência de participação popular. É a insatisfação popular pela ausência de participação que faz com que a era da Nova República (1985-2002) insira no plano político uma reorganização com base democrática e uma constituição baseada na garantia dos direitos sociais e da participação na sociedade na gestão pública. No entanto, o desenvolvimento do país fica comprometido e mais dependente do mercado internacional. Nesta fase, as políticas são caracterizadas pelo caráter neoliberal de privatização, redução do estatismo e terceirização de serviços. De 2002 a 2005, há uma retomada do desenvolvimento econômico e do desenvolvimento social, de ampliação massiva das políticas sociais, com vistas à redução das desigualdades (ESTENSSORO, 2011). Nesta última fase também se iniciam as negociações para a política de Expansão da Rede Federal, com o objetivo de promover a democratização do ensino, aliada à redução das desigualdades sociais.

Em se tratando do problema da desigualdade social no Brasil, Estenssoro (2011) nos traz a complexidade de se solucioná-lo, por demandar um sistema adequado de estruturação do capital social e de capital humano, além de opções políticas que priorizem a melhor distribuição de custos sociais na busca de equidade sob a forma de garantia e promoção dos direitos sociais e da cidadania. Como o autor demonstra na análise da trajetória das políticas públicas, foi somente após a Nova República que se começa a inserir o conhecimento da ciência política à administração pública, por se reconhecer os obstáculos políticos à eficiência e

eficácia das políticas públicas. No entanto, a política social e a política econômica estão no cerne do confronto entre interesses de grupos sociais e políticos (ESTENSSORO, 2011).

A resistência às políticas sociais e econômicas que visam a equidade é histórica. Bacelar (2003) lembra que as políticas públicas no Brasil têm um histórico recente, antecedido por um Estado brasileiro caracterizado como conservador, centralizador, desenvolvimentista e autoritário. Este histórico, segundo a autora, faz com que não haja uma tradição de um Estado regulador, que dialogue e negocie os espaços políticos com a sociedade civil, algo recente na história brasileira.

O contexto político e econômico contemporâneo, marcado pela crise econômica mundial de 2007/2008, ainda retrata a nova crise do capitalismo. Esta é entendida não como uma crise financeira, mas estrutural, manifestação de contradição da lógica do capital, que deixa como consequências o aumento do desemprego, a precarização do trabalho, redução de salários e endividamento dos Estados. Os direitos sociais, que surgem para sanar as desigualdades geradas pelo capital, são por ele afetados, retraídos e culpabilizados (BOSCHETTI, 2016). No panorama atual político e econômico brasileiro, observa-se um retrocesso quanto às políticas de combate à desigualdade social, agravadas após os governos que sucederam Dilma Roussef, afastada em 2016, e que vem adotando estratégias antagônicas às políticas de distribuição de renda e defendendo reformas antipopulares (COSTA, 2018).

Como evidência do que expõem os autores supracitados, o mapeamento da pobreza, no documento Síntese dos indicadores sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2018a), demonstra que, em 2017, mais de 15 milhões de pessoas estavam abaixo da linha de pobreza, considerando rendimento per capita inferior a R$140,00 (cento e quarenta reais) por mês. Nesta margem, a população mais afetada é de pretos e pardos, mulheres, jovens até 14 anos e mulheres sem cônjuges e com filhos até 14 anos. O documento mostra que o Nordeste foi a região que mais teve crescimento da pobreza em relação a 2016, com 13,3% da população em 2017.

Ainda, junto ao aumento da pobreza no país, há ainda o gradativo aumento da taxa de desocupação no Brasil desde 2012 a 2019 e recordes de

crescimento da taxa de subutilização de empregos em 2019, quando comparado a 2012, conforme os dados do IBGE (2019), apresentados pelo quadro a seguir:

Gráfico 01: Taxa de desocupação no Brasil desde 2012 a 2019. Fonte: IBGE, 2019.

Como analisado, o cenário das políticas públicas no Brasil se desenha na complexidade de seus diferentes contextos históricos, com diferentes objetivos a cada contexto, diferentes atores e interesses, entre avanços e retrocessos, mas influenciados pela lógica do capital. A política pública em educação no Brasil não foge à regra: também se desenvolve voltada aos interesses mercadológicos de sua época, por vezes institucionalizando as relações de opressão e exploração das elites às classe pobres. É balizado por este fenômeno que será delineado o contexto da educação profissionalizante a seguir.

3.2. O desenvolvimento da educação no Estado brasileiro: a imersão numa