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AS PROFISSIONAIS E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NO BERÇÁRIO

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Como já mencionado, a inserção no grupo dos bebês ocorreu na segunda semana do mês de março de 2007, após um mês da realização das entrevistas com as famílias. Nesse momento, a sala, o espaço da creche onde os bebês por mais tempo permanecem, já estava com marcas da presença dos meninos e meninas do Grupo 1 e 2. Na porta de entrada da sala estavam afixadas fotografias de cada membro do grupo (Fotografia 2), sob o título Grupo I e II

apresenta , finalizando com um aviso: Atenção! Favor bater antes de entrar, pois posso estar atrás da porta. Obrigada! Bebês do Grupo I e

II.” Fotografia 4: Porta de entrada da sala dos bebês Fonte: Rosinete V.Schmitt (março de 2007)

A sala,é ampla, com janelas baixas na altura das crianças, e possui uma parede com várias prateleiras do teto ao chão e uma porta que dá saída para o solário. O banheiro é compartilhado com o Grupo 3, formado por crianças de 1 a 2 anos, e fica entra as duas salas.

Não há muita mobília na sala, possibilitando um amplo espaço para movimentação das crianças (Fotos 5 e 6) . Há um balcão verde, comprido e vazado, que permite às crianças passar por dentro, uma mesa de professor transformada em trocador, com um colchão cuidadosamente envolvido por um lençol, quatro berços, um tapete, colchões postos pelo chão cobertos por lençóis, brinquedos nas prateleiras, um espelho grande ao lado da porta do banheiro, uma mesinha pequena usada nas refeições e cadeiras de plástico que são guardadas encaixadas uma dentro da outra. A disposição dos berços e do balcão é modificada pelos profissionais a cada mês, a fim de provocar obstáculos, esconderijos e cantos mais aconchegantes. O balcão, que é vazado, permite ser colocado no meio da sala sem que os adultos percam de vista as crianças, ao mesmo tempo em que forma cantos aconchegantes. Uma cobra comprida, feita de tecido e esponja, é utilizada para deixar esses cantos mais atrativos e convidativos.

Fotografia 5: Sala dos bebês Fotografia 6: Sala dos bebês

Fonte: Rosinete V. Schmitt (março de 2007) Fonte: Rosinete V. Schmitt (março de 2007)

Nos berços, no balcão, no espelho e nas paredes há muitas fotos de momentos vividos pelas crianças na creche, expostas numa altura que os bebês possam observar. Nas paredes encontram-se também imagens dos personagens dos desenhos animados da Disney, confeccionados pelas profissionais. Têm traços tênues, presentes e ao mesmo tempo ausentes, como se os profissionais tivessem colados tais imagens e se alienado de sua presença. Parece haver uma preocupação maior das profissionais em expor para as crianças imagens de suas próprias experiências, o que torna curiosa a presença não sentida dos “Mickeys e das Minies” nas paredes. Por que foram colocados ali? Para não deixar a parede em branco?

Os brinquedos da sala consistem em mordedores de borracha, carrinhos de plástico, peças de encaixe, bonecas brancas e negras, duas bolas grandes, bichos de pelúcia, chocalhos, entre outros. Segundo a professora, a maioria desses brinquedos foi doada ou comprada pela APP.

Fotografia 7: Murilo (1 ano) brincando com o bebê-conforto Fonte: Rosinete Schmitt (abril de 2007)

No começo do ano havia dois bebês-conforto quebrados. Em maio, a creche recebeu da prefeitura 12 novos; foram colocados em uso 8 deles, os demais foram guardados. Todos os dias são usados em diversos momentos, para as crianças sentarem, para se alimentarem, para as que gostam de dormir neles, e ainda como objetos de brincadeira (Foto 7).

Há também na sala quatro cadeiras de borracha para bebês. Como são apertadas, os profisisonais evitam sentar as crianças nelas .

O banheiro possui uma banheira grande (Foto 9), anexada a uma bancada de granito, onde foi colocado um colchão para servir de trocador (Foto 10). Na parede ficam espelhos que possibilitam que as crianças se olhem enquando tomam banho ou são trocadas. As fotos também estão presentes nesse ambiente, afixadas na parede mais proxima à banheira. Num lado do aposento há três vasos sanitários pequenos e, em frente a eles, uma bancada com quatro pias baixas (Fotografia 8).

Fotografia 8: Pias do banheiro dos bebês Fonte: Rosinete Schmitt (março de 2007)

Fotografia 9: Banheira grande Fotografia 10: Trocador com espelho Fonte: Rosinete Schmitt (março de 2007) Fonte: Rosinete Schmitt (março de 2007)

As profissionais da sala são: a professora Giovana, com 40 horas, que trabalha das 8h às 12h e das 13h às 17h, e duas auxiliares de sala, que trabalham 30 horas semanais, Sara, das 7h às 13h, e Carla, das 13h às 19h. Há horários em que as auxiliares ficam sozinhas com os bebês, das 7h às 8h, das 12h às 13h e das 17h às 19h. Apesar de a estrutura forjar essa divisão

de horários, no dia-a-dia observei que a professora não o segue rigidamente, ficando muitos dias no horário de almoço e permanecendo na creche além de sua carga horária. A professora relata que se sente sensibilizada e sem coragem de deixar o grupo de 15 bebês apenas com a auxiliar de sala. A iniciativa de abrir mão de horários de almoço e de ficar além do horário estabelecido é particular de cada um, não é uma regra que todas as profissionais seguem. Isso não justifica a falta de melhores condições, porém é revelador da inadequação da proporção de adultos por crianças no grupo dos bebês e da má disposição de seus horários de trabalho.

A professora e a auxiliar do período matutino são formadas em Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e pós-graduação em nível de especialização em Educação Infantil e Séries Iniciais. A auxiliar do período vespertino estava cursando o último ano do curso de Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais. É o segundo ano em que as três trabalham juntas, com a mesma faixa etária. Segundo a diretora Maria, as demais profissionais da creche não gostam de trabalhar com esse grupo:

[...] que é pelo lado que se priva muitas coisas, né? Alguns projetos da unidade que o grupo 1 e 2 não consegue estar participando, como os passeios, eles ficam mais em sala. Exige mais que fique em sala, e eu acho que elas gostam mais de estar fora , de estar participando de tudo. Pelo menos a ‘Celina’. passa isso, a ‘Bia’. também. A ‘Bia’ disse no dia da escolha : eu ficaria muito chateada se tivesse que assumir um G1 ou G2 hoje em dia!” Então se tiver empate vai sorteando, e eliminando até que chegue em alguém que fique no G1 e 2 (ENTREVISTA)78.

É importante citar que quando falta a professora da sala, a auxiliar de ensino a substitui, e, quando ocorre o mesmo com uma das auxiliares, sua substituição é realizada pelo remanejamento de uma auxiliar de outra sala. Isso gera alguns conflitos na unidade, pois nem todas as profissionais aceitam sair do grupo onde atuam para suprir a falta de outro profissional, como foi percebido numa reunião em que se tratava sobre o assunto.

As fotografias existentes pelo espaço da sala fazem parte da prática de registro dos profissionais desse grupo, principalmente da professora Giovana. Constantemente observei a professora com a máquina fotográfica ao seu alcance, utilizando-a em todos os momentos em que percebe as crianças realizando algo que lhe chamava a atenção. Essas fotos são organizadas junto ao registro escrito semanalmente e servem de base para a elaboração do planejamento de suas ações. Por meio da leitura desses registros pude observar que há uma preocupação das profissionais em atender as necessidades das crianças respeitando seus ritmos.

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Isso ficou claro no cotidiano, ao perceber que as crianças são respeitadas quanto aos seus horários de sono, ao não ficarem no berço quando estão acordadas, ao tomarem banho sempre que necessitam, nas tentativas de agradar o paladar dos bebês com a troca de alimentos que esses rejeitam, nas massagens e aconchegos oferecidos quando eles demonstram algum desconforto ou irritação.

As ações no atendimento de suas necessidades, denominadas por Tristão (2004) como sutilezas no trabalho da professora de bebês, são percebidas no fazer pedagógico das profissionais, principalmente da professora, não apenas no âmbito imediato, mas no ato de refletir e planejar sobre sua prática. Como já mencionado, a possibilidade de ler os seus registros apresentou-me uma caracterização de seu papel dialógico com as crianças, ao se reportar empaticamente às vivências delas, aos seus sentimentos e ações. Cada imagem captada por fotografia ou filmagem é tratada na reflexão escrita, e configuram-se tentativas de dar resposta ao outro, num ato de responsividade, conforme Bakhtin (2003) conceitua a não- indiferença ao outro (aos bebês).

Outro fato que me parece pertinente citar na caracterização do trabalho das profissionais é a não-permanência das crianças nos berços, utilizados apenas quando dormiam. Assim que acordavam, eram imediatamente retirados daí, o que permitia a elas a livre movimentação pelo espaço da sala, a aproximação dos menores que ainda não engatinhavam, a exploração dos diversos materiais expostos. Mesmo quando as profissionais estavam envolvidas com a troca de fraldas ou a alimentação, elas permitiam aos bebês a liberdade de se encontrarem, o que me possibilitou a captação de múltiplas relações entre as crianças, delas com o espaço e com outras pessoas que entravam esporadicamente na sala, como adultos e crianças maiores de outros grupos.

Considero os dados aqui tratados, no que tange ao contexto social dos bebês, bem como à caracterização geral do atendimento deles na Rede Municipal de Educação e ao trabalho pedagógico da creche, como textos que fomentam as relações vividas pelos sujeitos no espaço investigado. Na próxima seção, onde trato das categorias que formam a análise dos dados produzidos durante a pesquisa, esses textos emergem como aspectos que dialogam com as interpretações tecidas por mim, dando-me a possibilidade de olhar as relações dos bebês entre si e com outros sujeitos de forma contextualizada.

5 AS RELAÇÕES SOCIAIS DOS E COM OS BEBÊS NA CRECHE

Exister c’est coexister (Gabriel Marcel)