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As relações com os bebês: fatores sociais versus fatores biológicos

2.2 OS BEBÊS E SUAS RELAÇÕES

2.2.3 As relações com os bebês: fatores sociais versus fatores biológicos

As críticas tecidas aos estudiosos da teoria da maternagem em vários campos, como a Antropologia e a Psicologia, questionam a idéia de universalização do pressuposto de que a mãe seja a pessoa mais adequada e central na relação com o bebê. A própria menção nos estudos de Spitz(1988) e principalmente Bowlby (1989) sobre a qualificação dos cuidados, reconhece que a avaliação das relações afetivas com o bebê não deve ser limitada à figura individual da mãe ou de seu substituto, mas na forma como ocorre essa relação. Isso torna imperativo considerar as condições culturais na organização e definição das formas de cuidar das crianças em diferentes sociedades.

Os estudos de Margaret Mead (2000) sobre a cultura de diferentes povos, como os Arapech25, da Nova Guiné ou um grupo de Samoa, descrevem e revelam diferentes formas relacionais dos adultos com as crianças e os bebês. Embora muitas de suas análises não tivessem como principal objetivo o estudo da infância, suas observações contribuem para a interpretação dos papéis distintos de gênero e geração como produção cultural e não como determinações biológicas.

Observa-se em seus estudos que em muitas culturas as crianças pequenas compartilhavam desde muito cedo a companhia de outras pessoas que não a da mãe, e que os modos relacionais estavam atrelados às significações produzidas socialmente. Num dos trechos descritivos sobre o povo Arapech, ela menciona:

[...] o bebê nunca é deixado sozinho, a reconfortante pele humana e as reconfortantes vozes humanas sempre estão ao seu lado. Tanto meninos como meninas se interessam muito por bebês – há sempre alguém que deseja segurar a criança.

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No livro Sexo e Temperamento em , a autora reúne o estudo de três tribos, incluindo os Arapech, a respeito da constituição dos papeis sexuais e da constituição do temperamento entre homens e mulheres.

Quando a mãe vai à horta, leva consigo um menino ou uma menina para segurar o bebê, invés de deitá-lo sobre um pedaço de córtex, ou pendurá-lo [...] Quando a criança começa a andar [...] a mãe deixa a criança na aldeia, com o pai ou outro parente (MEAD, 2000 p. 65)26

Citando uma outra tribo, os Mundugumor, a autora relata que as crianças não eram bem-vindas ao mundo, principalmente os meninos, pois representavam a degeneração dos pais, no sentido de que o novo ocuparia o lugar do velho. As relações afetivas nessa tribo são descritas como baseadas na agressividade, na repulsa ao outro. A preocupação com as crianças não foi percebida, sendo atribuídas a essa tribo condutas mínimas de apego, afeto e maternagem com as crianças27.

Na análise da constituição social e cultural das relações humanas, Mead (apud NEYRAND, 2000) contribui para as críticas à teoria do apego. Aponta a necessidade de referir a diversidade dos fenômenos educativos e de socialização segundo os aspectos históricos e culturais das sociedades. Assim, concordando com a autora, o estabelecimento de ligações afetivas e a definição dos papéis relacionais entre os indivíduos estão atrelados a fatores culturais e sociais, o que possibilita o questionamento sobre os benefícios ou não da educação compartilhada, não mais sob o viés biológico, mas sob as condições e valores produzidos pela sociedade,

[...] quanto a dizer se os genitores são ou não os melhores para se ocupar da criança, depende das civilizações conhecidas, da concepção que temos do papel biológico e não do estabelecimento de condições do ponto natural, quer dizer pré-sociais, do parto e do desenvolvimento da criança. [...] precisamos questionar quais são os efeitos da separação de uma ou mais pessoas que o bebê ou a criança recebeu bons cuidados, sem olhar para a linha biológica que, por vezes, pode ser mesmo um fator letal. (MEAD,1961, p. 52 apud NEYRAND, 2000 p. 73)28

Além do questionamento a respeito das interpretações de base biológica sobre as relações infantis com a mãe, outros estudos na década de 1960 e 1970, como os de Bruno

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Essa pesquisa foi realizada na década de 1930 e publicada, em 1950, nos Estados Unidos. 27

Na pesquisa com os Mungadergus, há um trecho em que a autora descreve que a criança desse povoado, ao começar a andar, tem liberdade de transitar pela aldeia, porém há uma preocupação para que ela não se aproxime do rio, devido ao risco de afogamento. Tal preocupação está ligada não à preservação da vida da criança, mas ao fato de que, se ela morre no rio, o povoado, por certas crenças, não poderá beber a água dele por meses (Mead, 2000).

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Quant à dire se ce sont les géniteurs qui sont ou non le mieux placés pour s’occuper d’um enfant, cela dépend, dans toutes les civilisations connues, de la conception qu’on se fait de la parente biologique et non pas de l’établissement de conditions en tout “naturelles”, c’est-à-dire présociales, d’ accouchement et d’élevage des enfants. Lorsque nous considérons les effets de la separation, ce qu’il faut nous demander c’est quelles sont les consequénces d’une separation d’avec là où les personnes dont le nourisson ou l’enfant a reçu de bons soins, sans égard pour le lien biologique qui, parfois, peut être même um facteur letal.” (MEAD, 1961, apud NEYRAND, 2000, p. 73)

Bettelheim29 (apud NEYRAND, 2000), contestam os prejuízos atribuídos à inserção das crianças em espaços de educação coletiva. Ironicamente, o autor observa que Spitz se baseou em uma instituição com características precárias e evitou de se perguntar sobre como poderiam ser os cuidados com as crianças num outro modelo de instituição. Bettelheim (apud NEYRAND, 2000) apresenta a defesa não apenas do compartilhamento da educação dos filhos em outros espaços sociais, como creches e jardins de infância, mas também da possibilidade de as crianças se encontrarem e conviverem cotidianamente entre si. Mas acrescenta a necessidade da formação adequada dos profissionais e da qualificação dessas instituições. Para o autor, freqüentar essas instituições proporcionaria uma ampliação do desenvolvimento infantil sem, contudo, ameaçar o papel da família, que é social e não biológico.

No campo da Psicologia, podem ser encontrados outros estudos que realizaram uma aproximação crítica da problemática da carência materna. Dentre esses, Neyrand (2000) e Plaisance e Rayna (1997) citam os trabalhos desenvolvidos pelo Centro de Pesquisas e Educação Especializada e de Adaptação Social (CRESAS), iniciados nos anos 80 na França, sobre o desenvolvimento dos bebês nas estruturas coletivas e sobre a importância da socialização entre pares. Tendo como principal referencial as obras do francês Henri Wallon, vários dos estudos desenvolvidos criticam a fetichização da ligação mãe-filho, observando o caráter social da constituição humana, que ocorre nas relações sociais, inclusive com outras crianças.

Na Itália também houve um movimento de investigação sobre a criança pequena e sua educação nos espaços coletivos, principalmente na região norte do país, na década de 1970 e 1980, que influenciou na mudança de concepções sobre a infância e seus espaços sociais. Nos estudos sobre os bebês há a defesa de que, desde o início de sua vida, a criança é um ser ativo e sociável, capaz de estabelecer relações interpessoais, de muitas maneiras, com adultos e crianças. Sob essa perspectiva, houve uma mudança na legislação e na organização das instituições para pequena infância nesse país, de forma a considerar as potencialidades relacionais das crianças, abrangendo as famílias como parceiros sociais juntos com os profissionais.

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Bruno Bettelheim, em 1969 e 1970, desenvolve um estudo em uma instituição de educação para crianças pequenas em Israel, observando a constituição social das relações, numa ruptura com a idéia da díade mãe e filho como a mais adequada. Nesse sentido, defende que o compartilhamento da educação das crianças não ameaça o papel da mãe ou da família, mas amplia as possibilidades relacionais das crianças no encontro com outros adultos e seus pares.

As contribuições do campo científico sobre a significação social das relações com os bebês estão atreladas a fatores do contexto histórico social que contribuíram para as reformulações a respeito das necessidades familiares e da educação. O movimento feminista é citado por vários autores, entre eles Badinter (1985), Neyrand (2000) e Gaitán (2006), como um dos propulsores das mudanças na educação da criança pequena. Apesar de os interesses históricos desse movimento estarem mais relacionados às questões e às lutas das mulheres por uma posição na sociedade e não terem a infância como preocupação específica , também provocam questionamento quanto ao lugar social das crianças, principalmente dos bebês, quando requerem para as mulheres um outro lugar que não seja apenas o de mãe.

Fatores sociais, como a entrada da mulher no mercado de trabalho, o aumento dos divórcios, as formações familiares monoparentais, a diminuição do índice de natalidade e a escolarização precoce, contribuem para o aumento das pesquisas sobre os modos de guarda e educação das crianças pequena fora da esfera familiar. Mesmo que haja singularidades em cada país ou continente quanto às condições políticas e econômicas, a educação das crianças pequenas torna-se uma questão a ser resolvida pela sociedade global. O crescente número de instituições de educação para a infância pequena incrementa a legitimidade da presença de outros adultos na educação das crianças e, conseqüentemente, a preocupação de definir qual o papel deles e sua qualificação (PLAISANCE e RAYNA, 1997).

Neyrand (2000) observa que, juntamente com movimento feminista, na década de 1960 e 1970, surgiram outras discussões ideológicas e filosóficas quanto ao papel da família na educação dos filhos. Questionavam-se as relações autoritárias a partir de ideais mais libertários na constituição do ser humano (época do movimento hippie, do amor livre, dos movimentos estudantis fortalecidos). Nessa efervescência, identificada no mundo ocidental, a educação das crianças passou também a ser questionada quanto às repressões que acarretariam malefícios à constituição do adulto reprimido.

Esses questionamentos sobre a educação e as mudanças econômicas, políticas, sociais e sobre a família, proporcionam um expansão do número de instituições de educação para a pequena infância – não mais consideradas como paliativo e prejudicial, mas um lugar que pode trazer benefícios para desenvolvimento da criança.

No Brasil, o movimento feminista, aliado aos movimentos sociais de esquerda, conseguiu grandes avanços quanto à ampliação das creches, como ocorreu em São Paulo no final da década de 1970 e início de 1980. Com as mudanças legais a partir de 1988, que definiram o direito à educação para as crianças de 0 a 6 anos, foram se reformulando as concepções a respeito dos espaços de educação infantil, não mais considerados como

substitutos da mãe, mas como um direito das crianças. Mesmo que tal pressuposto legal não tenha sido universal e politicamente assim compreendido, mudanças consideráveis podem ser observadas no campo investigativo quanto ao papel da educação infantil, que difere da família e da escola (ROCHA, 1999).

2.3 UMA BREVE ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTIFICA SOBRE A EDUCAÇÃO