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Nesta seção serão trazidas as categorias que emergiram no processo investigativo junto ao contexto da creche, no que se refere às relações vivenciadas pelos bebês entre eles e com outros sujeitos. A indagação inicial deste estudo era compreender como as crianças pequeninas, com menos de 1 ano de idade, estabelecem e constituem suas relações no contexto coletivo da educação infantil, o que desencadeou uma nova e precedente questão:

com quem elas se relacionam? Isso porque compreendo que a forma relacional está

intrinsecamente atrelada à posição que o sujeito ocupa frente à de outros sujeitos, o que torna necessário identificar quem são esses sujeitos e que significações lhes são atribuídas nesse espaço.

O contexto da educação infantil caracteriza-se pela potencialidade de as crianças se encontrarem com múltiplas pessoas, de diferentes origens, que convivem durante muitas horas, dias, meses e anos com elas. Na contagem aproximativa de Batista (1998, p. 3) de dez

a doze horas por dia, sessenta horas por semana, duzentos e quarenta horas por mês, duas mil e quatrocentas horas por ano. Um tempo constituído dialeticamente pelas configurações

histórico-sociais que circunscrevem os modos relacionais e que se modificam pelas ações dos sujeitos que compõem esse espaço.79

A partir do recorte investigativo, que envolve as pessoas que por mais tempo permanecem na creche convivendo com os bebês, ou seja, os adultos profissionais, outros bebês e crianças maiores, observo esses sujeitos com papéis sociais múltiplos, que se fundem dialeticamente e se definem no encontro com o outro. Ou seja, nesse espaço não estão apenas profissionais da educação e crianças, mas adultos que são, em sua maioria, mulheres, pertencentes a uma classe social, casadas ou solteiras, mães ou não-mães, estudantes ou já formadas, demarcadas, por serem profissionais da educação infantil, a conviver com crianças de 0 a 6 anos matriculadas no primeiro nível da Educação Básica, que fazem parte de famílias diversas, de classe econômica baixa e média baixa, brancos, negros, mestiços, meninos, meninas, telespectadores de programas televisivos diversos... Enfim, são constituídos por múltiplas determinações, e, ao mesmo tempo, são agentes desse processo.

Antes de adentrar esse universo, é mister aqui compreender o significado do termo

relações sociais, já que é sob essa lente que observo e analiso o encontro das pessoas nesse

espaço coletivo. No dicionário de filosofia, Abbagnano (1992, p. 841) apresenta o conceito de

relação de Aristóteles, que a define como “aquilo cujo ser consiste em comportar-se de certo

modo para alguma coisa”, o que estabelece uma interdependência entre dois ou mais pontos. A relação incide, nesse sentido, na ação de definir, sob forma de oposição ou identificação, o estado das coisas e sua ligação. O autor ainda apresenta uma problemática geral, sintetizada na pergunta: as relações existem como entidades reais ou são apenas realidades mentais? Ou seja, as relações estão nos elementos reais ou são formadas pela racionalização e objetivação da realidade? Embora não seja essencial para este estudo uma incursão filosófica demasiada ao problema que atravessa a constituição teórica desta categoria (como a de outras), ele alicerça a apreensão das tensões entre a objetivação/significação e as determinações reais das relações.

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Esse estudo faz um recorte das relações estabelecidas com adultos profissionais e crianças e entre elas, embora compreenda a presença de outros protagonistas, como os familiares.

O significado do termo pesquisado no dicionário filosófico não se aplica apenas às relações entre pessoas, às relações sociais. O significado é mais amplo, envolvendo o estado das coisas e dos objetos, referindo-se muito mais aos campos da física e da matemática. Contudo, a questão epistemológica sobre a entidade real ou racional (semiótica) da relação nos aproxima da discussão sobre as significações atribuídas à forma como os humanos se relacionam, que é sempre social. O modo como nos relacionamos está condicionado ao estado natural do ser humano ou aos significados e/ou racionalizações atribuídas? O que caracteriza e define a relação entre adultos e crianças ou entre mulher e homem, por exemplo, são suas condições físicas biológicas ou as significações que lhe são atribuídas? Na relação entre as pessoas é preciso ter consciência das significações para se relacionar?80

Compreendo que toda relação entre pessoas seja indubitavelmente social, o que poderia tornar redundante a utilização dos termos relação e social. Contudo, a meu ver, o adjetivo social aposto ao termo relação é importante por dois motivos: primeiro, o de garantir a idéia da dimensão social dos bebês e dos demais sujeitos, não restrita ao biológico e, segundo, a necessidade de afirmar que as ligações entre os seres humanos não ocorrem ao acaso, nem por seus aspectos naturais em si, mas enredadas por uma condição histórico- social.

Corrobora essa definição Vygotski (apud Pino, 2005)81, que trata, num primeiro momento de sua obra, das relações sociais no sentido de sociabilidade humana em geral, concretizadas em relações ou vínculos do tipo eu-outro (não eu). Nessa perspectiva, o ser humano se constitui na relação com o outro, passando pelas significações que este lhe atribui. Para Vygotski (2000, p. 25) “a relação entre as funções psicológicas superiores82 foi outrora relação real entre pessoas. Eu me relaciono comigo tal como as pessoas relacionaram-se comigo”. Ou seja, as significações daquilo que somos, falamos, sentimos e pensamos, passou primeiramente pelo outro, pelo externo; portanto, são de origem social. É por meio do outro

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Essa questão sobre a objetivação e a realidade está presente num dos primeiros escritos do russo Mikhail Bakhtin, Por uma filosofia do ato (1993), em que o autor apresenta como projeto de estudo as distinções e intersecções entre o ato vivido e sua representação, entre a unicidade da realidade e as unidades representativas. 81

Na interpretação da obra de Vygotski, Pino (2005) afirma que o conceito de relações sociais, embora seja um dos eixos da teoria desse autor, não está presente de forma didática e clara em seus textos. Contudo, esse conceito atravessa todo o seu estudo, no entendimento de que as relações sociais são precedentes à formação e àconstituição psíquica do ser humano.

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O conceito de funções psicológicas superiores referem as funções mais elaboradas da psique humana, pensamento, memória e linguagem, que se constituem de forma complexa, dinâmica e contínua (PINO, 2005)

que o mundo começa a adquirir significação, o que atribui a esse outro o papel de mediador da criança com o mundo83.

A constituição da psique humana não se resume à simples transposições das relações sociais no plano pessoal, mas sim à conversão, no plano da pessoa, da significação que têm para ela essas relações, ou seja, à transformação das relações interpessoais em intrapessoais, do que é social em pessoal.

Mas é preciso compreender que as relações sociais não se fundem na mera presença física subjetiva ou na existência de duas ou mais pessoas, embora seja necessário o encontro delas para sua concretização. Além da condição da existência humana e do aparato biológico que lhe permite interagir, é preciso considerar que as relações entre pessoas são atravessadas por determinações e significações sociais/culturais que constroem suas posições um frente ao outro. Segundo Pino (2005, p. 106),

Um sistema de relações sociais é um sistema complexo de posições e de papéis associados a essas posições, as quais definem como os atores sociais se situam uns em relação aos outros dentro de uma determinada formação social e quais as condutas (modo de agir, de pensar, de falar e de sentir) que se espera deles em razão dessas posições.

As posições de patrão-empregado, pai-filho, professor-aluno, homem-mulher, adulto- criança, entre outras, não se constituem pela simples presença física desses seres, mas por definições sociais e históricas dos papéis e formas de agir de cada um, que, mergulhados numa cultura, localizados no tempo e espaço, se formam dialeticamente. Essas definições não são vistas como normas abstratas, descoladas do acontecer social. Ao contrário, são representações da realidade que se concretizam e se modificam nas práticas sociais, na forma de pensar, falar e agir das pessoas que integram uma formação social (PINO, 2005)84.

Significa dizer que, para compreender as relações mais diretas entre os indivíduos, neste caso entre as crianças pequeninas e delas com crianças maiores e com os adultos profissionais da creche, é necessário incluir o significado social que cada um ocupa numa intersecção entre estrutura e agência. Esclarece a socióloga Mayall (apud GAITÁN, 2006) que a sociedade deve ser entendida como um processo construído historicamente por indivíduos nas relações sociais e, por outro lado, que eles são concomitante e dialeticamente ______________

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O exemplo do gesto de apontar tornou-se clássico para essa explicação: um movimento involuntário ou espontâneo ganha a resposta do outro, que o compreende como um indicativo de um desejo a ser alcançado. Ao ser respondido de tal forma, ganha uma significação, apropriada gradativamente, na relação.

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No que se refere ao interesse dessa pesquisa, o percurso histórico da produção de saberes sobre a infância nos permite uma ampla visão das posições que crianças e adultos vêm ocupando, um frente ao outro, como visto de forma sucinta no primeiro capítulo. O que define ser criança está ligado ao que não é ser criança, criando expectativas nas formas relacionais a partir da posição que ela ocupa e a de seu outro, adulto, jovem ou idoso.

constituído/as pela sociedade. Exemplifica Gaitán (2006, p. 91) que, nos estudos sociológicos das relações com a infância,

No debe enfocarse solamente la relación entre niño-profesor adulto, sino también la posición social del estudiante en relación con el sistema educativo. Más aún también considerarse las relaciones entre relaciones, en este sentido si las relaciones niño- adulto están caracterizadas por obediencia y autoridad, deben estudiarse las relaciones entre estos dos conceptos, como se cruzan y como son reproducidos y transformados.85

Para Mayall (apud GAITÁN, 2006), o estudo da infância e das crianças é o estudo das relações destas com outros, permeadas fundamentalmente pelos aspectos geracionais, no que se refere à identificação ou à diferenciação intra ou inter-gerações.86 O conceito de geração, segundo Sarmento (2005), é considerado pela Sociologia da Infância como uma categoria estrutural importante para a análise da construção das relações sociais entre e com as crianças, conceito corroborado por outros teóricos, como Mayall e Qvortrup (apud GAITÁN, 2006). Contudo, a utilização dessa categoria foi submetida à crítica de causar uma possível diluição de fatores essenciais na estratificação social, quando, por uma atribuição comum de pertencimento geracional, oculta as desigualdades e diferenças de classe. Para Sarmento (2005, p. 381),

a geração não dilui os efeitos de classe, de gênero ou de raça na caracterização das posições sociais, mas conjuga-se com eles, numa relação que não é meramente aditiva nem complementar, antes se exerce na sua especificidade, activando ou desactivando parcialmente esses efeitos.

Para a compreensão da posição social e sua significação, Mayall (apud GAITÁN, 2006) elabora um esquema de níveis que evidencia as relações na e com a infância, entrecruzando as características das posições que os sujeitos ocupam: 1)nas relações

individuais - na vida cotidiana, em que crianças e adultos negociam seus espaços, tempos e

status, pai-filho, professor-aluno; 2) nas relações de grupo em níveis locais - na identificação de grupos distintos, os quais a autora resume em infância e adultos, situados num espaço social específico que definem seus papéis como grupo de alunos e professores, irmãos e pais. Acrescentaria que, dentro da própria infância, existe a configuração de subgrupos geracionais, ______________

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Não se deve enfocar somente a relação criança-professor, mas também a posição social do estudante em relação ao sistema educativo. Mais ainda, devem considerar-se as relações entre relações; nesse sentido, se as relações criança-adulto estão caracterizadas por obediência e autoridade, devem-se estudar as relações entre esses dois conceitos, como se cruzam e como são reproduzidos e transformados (GAITÁN, 2006, tradução nossa).

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A autora cita a principio as relações sob a categoria geracional, a qual seria o aspecto principal que constrói os limites da infância. Contudo, a compreensão de geração ultrapassa o critério cronológico, agregando aspectos de idenficação social e histórica.

como os bebês e as crianças maiores, as crianças e os adolescentes, que freqüentemente habitam uma mesma instituição, escola ou creche, mas com definição de papéis diversos; 3)

nos efeitos de cohorte87 em níveis individuais - no que se refere ao pertencimento do indivíduo

a diferentes cohortes que influenciam suas formas de pensar e agir 4) na influência de cohorte

em níveis grupais - como determinadas decisões históricas e políticas que redefinem o papel

social entre os grupos – por exemplo, as mudanças do estatuto da criança, a legalização na contratação de professores com formação88 (MAYELL, apud GAITÁN, 2006).

Esses níveis propostos pela autora, que envolvem aspectos micro e macro, concretizam-se nas ações, nos comportamentos e pensamentos dos indivíduos em suas relações, dialeticamente, não sendo possível dissociá-los. Compreende a autora supracitada que as ações, mesmo as de nível pessoal, são permeadas por esses aspectos, configurando-se na voz, no pensamento e na ação de uma pessoa a presença de outras vozes que a compõem.

Nesse sentido, retorno ao conceito de polifonia de Bakhtin (2003), de que e adultos e crianças, na constituição de suas relações, são abarcados por outras vozes, que os constituem, não de forma direta ou de transposição, mas num processo dialógico em suas relações. Ou seja, as relações constituídas na creche não são forjadas apenas pelas condições imediatas do ser criança e do ser adulto naquele espaço. Essas relações ao mesmo tempo em que são condensadas pelas significações e sentidos atribuídos à creche, ao trabalho desenvolvido nela, são também atravessas pelas composições sociais que formam os indivíduos em outros espaços. Junto à professora há outras vozes sociais, que a constituem como mulher, como professora formada em uma determinada instituição, como pessoa com hábitos de uma classe social, como leitora de determinados livros, como pessoa com determinadas valorizações a respeito do ser humano, como apreciadora ou não de arte, música, TV, etc. Do mesmo modo, também vão se compondo nos bebês outras vozes que os constituem em outros espaços sociais, como a família. “A voz de cada um é repleta de outras vozes que nela reverberam” (GUIMARÊS, 2006, p. 5).

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Cohorte é um conjunto de indivíduos de uma população que compartilham uma experiência, dentro de um

determinado período temporal. Normalmente se identifica como um grupo de nascidos em um determinado período, porém pode se referir a outros aspectos. Por exemplo: cohorte de pessoas que nasceram entre 1936 e 1939, ou também o cohorte de mulheres que tiveram seu primeiro filho durante o baby boom. (Expressão inglesa para designar o período pós-guerra, de 1946 a 1964, em que nasceram um grande número de bebês na Europa). 88

Referindo-se a essas influências de cohorte nos grupos sociais, cita a autora que : “las políticas de vivienda, el transporte, el bienestar, la educación y la salud proporcionan estructuras diseñadas por los adultos para las vidas de los niños, estructuras que reflejan las identidades, objetivos y ideologías de los primeros. Estas políticas están diseñadas si referirse directamente a la cohorte de niños, a lo que los así llamados niños que es apropiado hoy, aquí y ahora. Las relaciones entre el grupo infantil y el grupo adultos resultan conformadas por las políticas sociales construidas pelo próprio grupo y experimentadas por ambos” (MAYELL apud GAITÁN, 2006, p. 98).

Isso invoca a idéia bakhtiniana da presença do/s outro/s em mim, na constituição da consciência subjetiva, não de forma individualizada ou isolada, mas sempre atrelada ao social. Para Bakhtin (2006), as relações são enredadas pelos contextos de que os indivíduos fazem parte, o que faz dessas vozes que compõem o sujeito não vozes individuais, no sentido de uma fala pessoal, mas sim significações dos espaços sociais em que ele transita e que o formam como ser social, concretizado no encontro com o outro.

Segundo Freitas (2002)

Bakhtin considerou que o homem, fora das condições sócio-econômicas objetivas, fora de uma sociedade, não tem nenhuma existência. Só como membro de um grupo social, de uma classe, é que o indivíduo ascende a uma realidade histórica e [a] uma produtividade cultural. O nascimento físico não é suficiente para esse ingresso na história. Não se nasce organismo biológico abstrato, mas se nasce camponês ou aristocrata, proletário ou burguês. E é por essa realidade que se define o conteúdo da ligação do homem com a vida e a cultura (FREITAS, 2002, p. 127).

Tal como Vygotski (2000), Bakhtin (2003, 2006) atribui indiscutível relevância à relação eu-outro, numa constituição mútua e dialógica. Ou seja, assim como o outro ocupa uma posição fora do eu e o completa, o eu faz o mesmo com o outro, não eximindo nem uma nem outra posição. Na constituição do ser, o eu não some, está dialogicamente em relação com o outro, mesmo que em posições desiguais de poder.

Para Bakhtin (1993) o ser é evento único, irrepetível, como indica a sua frase: “[...] nada no ser, além de mim mesmo, é um eu para mim”. Mas sua constituição não emana de sua consciência própria, pois esta se entrelaça com a presença do/s outro/s com quem relaciona no contexto social. Nessa relação, o outro de fora de mim me completa, me objetiva na posição, que não posso ocupar, que é de fora de mim. Isso fica evidente quando o autor trata da atividade estética na relação entre o corpo interior e o corpo exterior. O interior é vivido apenas pelo Eu, nas suas sensações e emoções, que não podem ser vividas da mesma forma pelo outro que o contempla89. Mas o exterior do Eu apenas é visto e completado pelo outro, que, de fora, o vê e o objetiva.

Nessa perspectiva, o autor refere-se à condição de não-indiferença que um ser tem frente ao outro, através das ações responsivas desencadeadas entre si, pelos enunciados. Aos enunciados proferidos pelo outro ou pelo eu, são emitidas respostas que desencadeiam outros enunciados nessa relação, considerando sempre a posição social e ideológica que cada um ______________

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Numa das aulas do Seminário Especial sobre Bakhtin, o professor João Wanderlei Geraldi exemplificou essa unicidade do ser interior, que não pode ser vivida da mesma forma que o outro: quando alguém de quem gostamos muito (como o amor de uma mãe por um filho) sente uma dor, podemos sentir a dor de vê-lo com dor, mas nunca será a dor que ele sente, pois a objetivação desse sentimento de dor é que a faz se sensibilizar por ele, e não a sensação da mesma dor.

ocupa. Nesse sentido, pergunto: de que forma os bebês são compreendidos como outros nas relações estabelecidas no contexto da educação infantil? Suas manifestações são compreendidas como comunicações de um outro e respondidas como tal?

Tradicionalmente, os adultos são vistos no primeiro ano de vida como os outros, que, inicialmente, dão forma e apresentam o mundo ao bebê por seus atos de significação. O bebê, segundo Bakhtin (2003), começa a se ver e a perceber a si mesmo pelos olhos e pelo toque do outro, que o contorna nas suas sensações voluntária ou involuntariamente exteriorizadas. O que ele sente é único e irrepetível, mas sua objetivação e compreensão apenas é possível pela ação e relação do outro, inicialmente o adulto, consigo.

[...] a criança começa a ver-se pela primeira vez como que pelos olhos da mãe e começa a falar de si mesma nos tons volitivo-emocionais dela, como que se acaricia com sua primeira auto-enunciação; desse modo, ela aplica a si e aos membros de seu corpo os hipocorísticos no devido tom: minha cabecinha, minha mãozinha [...] ela determina a si e ao seu estado através da mãe [...] Sua forma parece ter a marca do abraço materno (BAKHTIN, 2003, p. 46-47).

O enunciado, conceito de Bakhtin (2006), configura-se em uma unidade comunicativa e significativa sempre ligada a um contexto, podendo se definir desde uma palavra a um texto, um livro a uma imagem... As enunciações constituídas na relação entre adultos e crianças ou entre crianças são compreendidos na relação dialógica, no compartilhamento de significados mútuos e contextualizados. Para Bakhtin (2003, p. 292): “[...] só o contato da língua com a realidade, o qual se dá no enunciado, gera a centelha da expressão: esta não existe nem