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Para conhecer um pouco do trabalho pedagógico desenvolvido na creche, recorri aos documentos do projeto político-pedagógico, às entrevistas com a diretora e professora e a registros escritos e fotográficos do grupo de bebês, somando essas fontes com as minhas observações cotidianas desse espaço.

O documento do projeto pedagógico74 é o mesmo desde sua inauguração, porém passa por avaliações anuais, ocorridas no começo e fim do ano letivo junto ao grupo de profissionais. Nele, a criança é conceituada como um sujeito social de direitos, ativa nas suas relações sociais com adultos e entre seus pares. Ressalta a criança como ponto fundamental do

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De acordo com o histórico da creche, as atividades com crianças demoraram a se iniciar após a sua inauguração. Isso permitiu um período de um mês de planejamento e discussões entre o grupo profissional que se formava, professores, auxiliares de sala, equipe pedagógica, cozinheiras e serviços gerais, que resultou numa primeira proposta detalhadamente escrita sobre as intenções de trabalho. É pertinente essa observação, pois a maioria das creches ou NEIs possui um tempo muito reduzido para se reunir e planejar seu projeto político- pedagógico.

trabalho pedagógico, mas com uma preocupação de afirmar a função e posição dos adultos profissionais como aqueles que planejam e fomentam as relações pedagógicas.

Os profissionais, desde 2003, organizam o trabalho pedagógico por meio de quatro projetos centrais, reformulados anualmente durante as reuniões de planejamento:

a) Formação em serviço: envolve a organização de grupos de estudo, consultorias, oficinas e reuniões pedagógicas. Os grupos de estudo ocorrem quinzenalmente por um período de 1 hora e meia durante o horário de trabalho, com o revezamento das profissionais, divididas em quatro equipes. No planejamento desses encontros prevalece a leitura de textos seguida de discussões coordenadas pela supervisora75. As consultorias e oficinas são planejadas como formação continuada em serviço e ocorrem, durante o ano letivo, em dias nos quais a SME autoriza a suspensão das atividades com as crianças e nas reuniões pedagógicas mensalmente.

b) Interação creche-família: inclui objetivos que demarcam a função de complementaridade entre uma e outra instituição. Além das ações de comunicação vivenciadas cotidianamente, como encontros na chegada e saída das crianças, o projeto prevê atividades festivas, reuniões e parcerias para conseguir mais recursos financeiros. Essa busca das famílias para ampliar os recursos da creche foi observada durante a pesquisa, por meio de festas ou rifas, que segundo as profissionais possibilitariam a compra de materiais como brinquedos e alimentos para as festas de aniversário, entre outros.

c) Registro da nossa história: refere-se a ações de documentação por escrito, filmagem e fotografia das experiências e atividades vividas na creche. O hábito de fotografar as crianças na creche é recorrente e visível pelas constantes exposições dessas imagens nas paredes, portas e painéis. No hall central é possível observar uma grande moldura de plástico transparente pendurada no teto, tanto na altura das crianças como dos adultos, onde são afixadas e constantemente trocadas as fotos. Não foi possível observar se há discussões e reflexões entre o grupo de profissionais sobre o que dizem essas imagens a respeito das crianças e dos adultos, de suas relações e vivências nesse espaço. Contudo, percebi que a professora do grupo dos bebês utiliza essas fotos em seus registros semanais de forma descritiva e complementar a suas observações. Um fato interessante é que a maioria das professoras possui câmera fotográfica digital, compradas por elas mesmas, e que ______________

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constantemente estão fotografando seus grupos. A professora do berçário, inclusive, deixava esse equipamento dentro do bolso ou próximo a si, para, muitas vezes, quando estava envolvida na atenção individual com alguma criança, utilizar a fotografia como recorte das ações dos outros bebês que não podia acompanhar de perto. Assim, observei muitas vezes as profissionais, envolvidas com ações de atenção individual, recorrendo à câmera digital para registrar cenas que ocorriam distantes delas, com outros bebês. Dizia-me a professora Giovana: “Não posso acompanhar e registrar tudo o que acontece na sala, então eu fotografo e em casa eu observo melhor”

d) Projetos interacionais: são quatro projetos que objetivam proporcionar encontro e interações entre as crianças e adultos, denominados: Diferentes Linguagens, Manifestações Culturais, Alimentação e Meio Ambiente. As atividades são planejadas mensalmente nas reuniões pedagógicas e coordenadas por equipes responsáveis, geralmente de três a quatro profissionais.

De maneira geral, as ações do projeto pedagógico são planejadas em grupo, sob um principio organizacional de dividir tarefas entre comissões, principalmente as que se referem ao projeto de interações sociais. Esse é o projeto que mais mobiliza o grupo, pela necessidade de planejar coletivamente, mas é também indicado por eles como o que apresenta mais dificuldades. As questões apresentadas como obstáculos para a efetivação desse projeto referem-se aos aspectos estruturais quanto ao tempo – quando as profissionais não conseguem se reunir para discutir e planejar – e aos materiais.

Contudo, pela participação em uma reunião pedagógica e pelas observações cotidianas, observei que, além desses entraves, há também algumas dificuldades relacionais implícitas ou explícitas entre os profissionais. Segundo uma professora “[...] os adultos não conseguem interagir para planejar a interação com as crianças” (Diário de campo)76, declaração que ilustra tal situação e indica que o projeto pedagógico não se limita ou se solidifica pelas palavras documentadas, mas se dá na constante relação entre as pessoas que compõem esse espaço que é a creche.

Mesmo com a essas dificuldades, há um visível esforço do grupo de profissionais para continuar com as proposições para encontros interacionais entre as crianças. Esses encontros são organizados semanalmente, de acordo com o objetivo central dos projetos, envolvendo momentos de culinária, apresentações de teatro, contação de histórias, oficinas que envolvem ______________

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as mais diferentes linguagens. Contudo, as atividades são únicas para todo o grupo da creche, o que, de certa forma, limita a participação das crianças menores, principalmente dos bebês. Tal limitação é sentida e justificada pelos profissionais como uma forma de proteger os menores, já que em algumas atividades parte-se do pressuposto que as crianças já tenham algumas habilidades desenvolvidas, como caminhar, correr, pular etc.

Durante a entrevista com a professora do grupo dos bebês, perguntei se havia um planejamento com outras salas e se havia nos encontros interacionais propostas adequadas para os bebês. Segundo ela, o planejamento de interação fica centrado em atividades gerais e os bebês participam pouco, pois são muito pequenos para algumas propostas. “Algumas vezes nós levamos eles, eles olham participam de alguma forma. Mas, outras atividades já não dá. Mas aos pouco eles vão indo” (Diário de campo)77.

Observei que os bebês pouco participaram dessas propostas interacionais, ao menos no primeiro semestre em que ocorreu a pesquisa. Segundo relatos da professora, no final do estudo, quando eles crescem um pouco mais e começam a ter maior independência para se locomover é que ocorre a inserção nas atividades propostas para interação com outros grupos. O lugar dos bebês na creche é pautado por uma idéia de proteção e cuidado, que, por vezes, limita seus encontros com as demais crianças e os coloca à espera do desenvolvimento de determinadas capacidades que lhes garantam a segurança no encontro com um outro do lado de fora da sua sala.

Dessa forma, a organização geral do trabalho da creche evidencia grande preocupação com as crianças e suas vivências. Contudo, conhecer o trabalho desenvolvido com os bebês exige uma imersão no próprio grupo deles, já que sua presença nos projetos gerais da creche ocorre de forma muito lenta, por vezes invisível.