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Antes de descrever a creche em que ocorre este estudo, realiza-se um breve mapeamento da educação infantil no município de Florianópolis, com algumas considerações importantes sobre a matrícula das crianças de 0 a 3 anos e, especificamente, sobre as de menos de 1 ano de idade. Não se pretende realizar uma análise exaustiva dos dados aqui apresentados, porém utilizar as obtidas informações para tecer uma contextualização, mesmo que sucinta, do atendimento das crianças pequenas em instituições de educação coletiva no município. Direta ou indiretamente, tais dados têm implicações nas formas como essas crianças vivem suas infâncias numa época em que se proclama o direito à educação infantil: elas são sujeitos desse e de outros direitos.

Campos, Füllgraf  e  Wiggers, (2006), numa análise sobre a realidade nacional da educação infantil, pontuam que, mesmo que haja transcorrido pouco mais de um século das primeiras instituições – os jardins de infância, as escolas maternais e as creches do final do século XIX –, o país está longe de conseguir resolver seus problemas com a educação das crianças menores de 6 anos. Apesar das significativas mudanças legais, como a definição do direito à educação nessa faixa etária, na constituição de 1988, a regulamentação dos direitos infantis pelo Estatuto da Criança e Adolescente em 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, que incorpora a educação infantil na educação básica, estabelecendo critérios de formação dos seus profissionais, na realidade ainda não tomaram

corpo as leis do papel. Tal fato torna pertinente a provocação de Füllgraf (2001), em sua

dissertação, A infância de papel e o papel da infância, que confronta as deliberações legais em favor da infância com a ineficiência das políticas públicas em sua concretização.

Com relação ao atendimento, de um total de 21 milhões de crianças de 0 a 6 anos no país, apenas 38% estavam matriculadas na Educação Infantil em 2003. A porcentagem de crianças matriculadas era bem mais alta na faixa de 4 a 6 anos, 68%, em comparação aos 12% na faixa de 0 a 3 anos de idade (IBGE, 2004).

Além da pouca oferta, Campos, Füllgraf e Wiggers (2006) listam outros problemas, tais como: a não efetuação completa da transferência das creches para os sistemas educacionais, ficando um grande número ainda sob a responsabilidade da assistência social e de instituições filantrópicas55; a falta de recursos financeiros e de investimentos dos municípios para a educação infantil56; a falta de orientação e supervisão das instituições, tanto particulares como públicas, que apresentam em muitas situações riscos à criança; os currículos inadequados na formação do professor dessa faixa etária, apresentando poucas disciplinas e conteúdos sobre a infância; a falta de integração entre educação infantil e ensino fundamental, entre muitos outros.

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Em Florianópolis há 28 instituições conveniadas de caráter comunitário/filantrópico (ver http://www.pmf.sc.gov.br/educa/instituicoes_conveniadas.htm)

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Em 2006, foi aprovado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), instituído pela Emenda Constitucional n.º 53, de 19 de dezembro de 2006 e regulamentado pela Medida Provisória 339, de 29 de dezembro do mesmo ano. Sua implantação foi iniciada em 1º de janeiro de 2007, e ocorrerá de forma gradual até 2009, quando o Fundo atenderá todo o universo de alunos da educação básica pública presencial, e os percentuais de receitas que o compõem terão alcançado o patamar de 20% de contribuição.

O município de Florianópolis iniciou seu atendimento público à educação infantil em 1976, com a inauguração de instituições denominadas Núcleos de Educação Infantil (NEI)57, com atendimento de período parcial. Diferentemente do processo histórico que ocorreu no Brasil ao final do século XIX, o poder público municipal começou seu atendimento na educação infantil para crianças de 4 a 6 anos já vinculado à Secretaria Municipal de Educação.

Os objetivos explanados no projeto da criação desses núcleos expressam uma preocupação em resolver e prevenir o fracasso escolar futuro, entendido na época como conseqüência de uma ausência de vivências culturais e de carências no desenvolvimento das crianças em idade pré-escolar (OSTETTO, 2000). Sob o viés do discurso da privação cultural, premente na década de 1970 no país (KRAMER, 1982), a educação infantil no município inicia-se, priorizando as idades próximas ao período escolar, em três localidades vistas como carentes, não apenas no aspecto econômico, mas também no cultural58.

Em 1979, três anos após da sua inauguração, o primeiro Núcleo de Educação Infantil (NEI) ganhou um novo prédio e ampliou seu atendimento às crianças com menos de 3 anos, passando a se denominar creche, com atendimento em período integral. Isto reforça uma característica específica no município de Florianópolis que se diferencia da realidade nacional, pois a educação de 0 a 3 anos é assumida pela Secretaria da Educação desde sua origem59.Isso se reflete também na contratação de profissionais para atuação com bebês, dos quais já se exigia dos professores a formação mínima em magistério ou em curso adicional de atendimento materno-infantil60 (como ocorria com os grupos de 4 a 6 anos).

Na pesquisa de Ostetto (2000), que entrevistou as primeiras professoras de bebês da rede municipal, elas descrevem que os grupos eram formados por seis crianças e duas profissionais (uma professora e uma auxiliar), em salas pequenas, quase totalmente ocupadas por berços. As auxiliares eram contratadas inicialmente como auxiliares de serviços gerais, ainda que tivessem uma ação direta de apoio ao trabalho das professoras junto às crianças61. ______________

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Ostetto (2000), ao pesquisar a história das instituições municipais de educação infantil, explica que o nome Núcleo de Educação Infantil implicou a necessidade, já na época, de diferenciar o trabalho da educação infantil do da escola, sem contudo destituí-lo de seu caráter educacional.

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O primeiro Núcleo de Educação Infantil se localizava em uma comunidade desfavorecida economicamente, mas os outros dois núcleos, inaugurados um ano após esse, situavam-se em comunidades rurais, vistas como privadas de vivências culturais, já que os hábitos familiares não possibilitavam (Ostetto, 2000).

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No quadro nacional, tradicionalmente o atendimento em instituições coletivas dessa faixa etária estava vinculado às Secretarias do Bem-Estar Social.

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Segundo Ostetto (2000), esse curso era oferecido na época em Florianópolis pelo Colégio Coração de Jesus, ligado à Igreja Católica, que também possuía atendimento acrianças em idade pré-escolar.

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Cerisara (1996), em sua pesquisa sobre a construção da identidade das profissionais de educação infantil, indica que o cargo de auxiliar de sala foi criado por volta de 1982. Antes disso, as auxiliares que trabalhavam nas

Não havia uma proposta pedagógica articulada, mas orientações teóricas sobre o desenvolvimento infantil em seus aspectos biológico, psicológico e cultural.

Desde sua origem, a rede municipal configurou uma diferenciação entre as creches e os Núcleos de Educação Infantil (NEI), caracterizando as primeiras como instituições de atendimento integral, funcionando das 7h às 19h, para crianças de 0 a 6 anos; já os segundos funcionavam em meio período, das 7h às 13h e das 13h às 19h, para crianças de 3 a 6 anos. A expansão gradativa da educação infantil no município privilegiou, até o início da década de 1990, a criação de NEIs e, conseqüentemente, priorizou a educação das crianças com idade próxima à entrada na escola.

A partir de 1992, houve uma expansão do número de creches e uma diminuição das instituições de meio período. Isso não significou uma retração das matrículas para as crianças maiores de 3 anos, já que as creches contemplam também essa faixa etária.62 No quadro abaixo é possível observar a expansão da educação infantil na Rede Municipal:

PERÍODO CRECHES NEIs TOTAL

1976/1981 1 10 11 1982/1986 8 17 25 1987/1991 3 7 10 1992/1996 11 6 17 1997/2004 11 1 12 2004/2007 1 1

Quadro 1: Expansão da educação infantil na rede municipal de Florianópolis Fonte: Ostetto (2000) e Prefeitura Municipal de Florianópolis.

Como alguns NEIs foram transformados em creches, não se pode simplesmente realizar a soma desses números para confirmar a quantidade de instituições municipais de educação pública. Assim, é preciso informar que, atualmente, a Rede Municipal de Ensino de Florianópolis possui 38 creches, 22 NEIs independentes, 8 NEIs vinculados a escolas de

creches tinham como função manter a limpeza das salas e ajudar a professora. Elas eram escolhidas na comunidade, contratadas pela CLT e recebiam o mesmo salário das merendeiras e das serventes.

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Em movimento contrário ao da definição legal da Constituição de 1988, que divide as instituições de 0 a 3 anos (creches) das de 4 a 6 anos (pré-escolas).

ensino fundamental, além de estabelecer convênio com 29 instituições comunitárias e filantrópicas que atendem crianças de 0 a 6 anos63.

É possível ainda observar no quadro acima que, nos últimos anos, não houve criação de novas creches ou NEIs, o que não significa um não-crescimento do atendimento. Isso ocorre porque há uma mudança da política de ampliação, que, ao invés de construir novos prédios, amplia o número de salas dos já existentes. Segundo dados da Prefeitura Municipal de Florianópolis, de 2005 a 2007 realizaram-se ampliações em 25 unidades, com 65 salas novas construídas. O aspecto financeiro parece ser o principal propiciador dessa mudança, já que construir salas é mais econômico que edificar um prédio inteiro, pois, além não ser necessária a aquisição de novos terrenos ou imóveis, reduz-se também a contratação de profissionais de apoio, como cozinheiras, auxiliares de serviço gerais, direção, coordenadores pedagógicos, vigias, etc.