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[+ lexical] [ lexical] COMPOSIÇÃO DERIVAÇÃO

6 SEMÂNTICA MORFOLEXICAL

6.2 AS RELAÇÕES SEMÂNTICAS

As relações semânticas, também denominadas de relações de sentido (ALMEIDA, 2006; LYONS, 1963), fenômenos semânticos (CALVO PÉREZ, 2011), relações de significado (ESCANDELL VIDAL, 2008) ou relações entre palavras (PIETROFORTE & LOPES, 2003), são entendidas aqui neste estudo como os diferentes tipos de conexões recorrentes que emergem na interação entre os significados entre si ou entre estes e seus significantes correspondentes, e que se prestam a um princípio organizador que permite identificar e pôr em funcionamento as tendências gerais dos processos constitutivos e classificadores do conhecimento léxico dos utentes de uma língua.236 Podemos afirmar que,

235Cabe-nos esclarecer que, mesmo considerando irrefutável a força de atuação da semântica no âmbito

morfológico, não concordamos aqui com a definição de morfema como uma partícula necessariamente portadora de significado (como já apontamos na macrosseção 3 deste escrito), visto que há constituintes mórficos destituídos de carga semântica lexical e/ou categorial-gramatical (é o caso, exempli gratia, dos prefixos expletivos (alevantar, alembrar, esfalecer, dependurar etc.), das vogais temáticas nominais, das consoantes e vogais de ligação, além dos morfemas constituintes de antropônimos). Pensamos, então, tomando parcialmente por base a reflexão de Pena (2000), que o mais coerente seria definir o morfema como unidade indecomponível em unidades menores que se apresenta como forma mínima recorrente na constituição de itens lexicais, independentemente do fator de presença ou ausência de carga semântica. Dessa forma, englobar-se-iam dentro de um mesmo macroconjunto, em uma espécie de continuum mórfico, os componentes mórficos providos de carga semântica e os formativos assemânticos ou semanticamente opacos.

236Vê-se, portanto, que há distintas designações para aquilo que denominamos neste estudo de relações semânticas. Adotamos aqui essa nomenclatura, tomada de Freixeiro Mato (1999) e de Coelho (2004), por

de certa forma, o que justifica e promove a existência e a vitalidade das relações semânticas é a própria estruturação do sistema lexical, constituído por elementos solidários, apenas definidos através das relações de proximidade, identificação ou contraste que estabelecem uns com os outros. Lembremo-nos, com Basílio (2010) e Maroneze (2008), que cada signo linguístico estabelece interações associativas com toda uma constelação de outros signos, ativando teias de relações formais e semânticas.

Escandell Vidal (2008) distribui as relações semânticas em quatro classes: a) a classe fixada no aspecto da ambiguidade léxica, compreendendo a homonímia e a polissemia;237 b) a classe correspondente a aspectos de identidade e semelhança, representada pela sinonímia; c) a classe fincada no aspecto da inclusão, representada pela hiponímia, pela hiperonímia, pela meronímia e pela holonímia; d) a classe fixada nos aspectos de exclusão (incompatibilidade) e oposição, compreendendo, principalmente, os diversos tipos de antonímia. Freixeiro Mato (1999), ao menos em linhas gerais, fornece uma classificação semelhante à exposta por Escandell Vidal (2008), ainda que mais pormenorizada, com a explicitação de diversas subclasses das relações oriundas das interações significado-significado e significado- significante. Em virtude da natureza concisa deste estudo, limitar-nos-emos, nessa seção, à apreciação das relações de polissemia, homonímia, sinonímia e antonímia, por terem uma atuação mais explícita entre os morfemas léxico-gramaticais.

Não há consenso na definição dos fenômenos da homonímia e da polissemia, nem muito menos sobre a importância (para os estudos funcionais do léxico) de se distinguir um e outro fenômeno (GUTIÉRREZ ORDÓÑEZ, 1992). Há teóricos, inclusive, que rechaçam tal distinção, afirmando que tais relações semânticas convergem para um mesmo processo: significantes com distintos significados. Outros, como Lyons (2009), sugerem que o problema da distinção entre homonímia e polissemia é, ao menos a princípio, insolúvel, sendo tal diferenciação difícil de ser segura e coerentemente aplicada. É o que parece ser defendido por Borba (2003, p.162), pois afirma que ―Polissemia e homonímia se englobam como pluralidade significativa do significante.‖. Contudo, pensamos que, se se considera a origem histórica (etimológica) como um dos critérios de análise, torna-se possível, sim, vislumbrar certa distinção, ainda que sutil, entre os dois fenômenos: há polissemia quando uma mesma palavra (ou uma mesma partícula mórfica) denota sentidos dessemelhantes, embora inter- considerá-la a mais adequada, visto que é a menos polissêmica das cinco explicitadas. Observe-se que as outras quatro são de alcance mais amplo e mais abrangente, podendo causar certa confusão terminológica, visto que muitos fenômenos distintos (desde os pertencentes ao nível léxico até os pertencentes ao nível pragmático- discursivo) podem ser alocados na circunscrição das relações entre palavras ou das relações de significado.

relacionados e contíguos (BASÍLIO, 2004; SILVA, 1992),238 e não se verifica, nesses casos, distinção de étimo.239 Dá-se, portanto, uma situação em que há um significante associado a diferentes sentidos, que materializam um tipo de interação através da qual é possível vislumbrar acercamentos e contiguidades semânticos (ALMEIDA, 2006; BIDARRA, 2004; MUÑOZ NÚÑEZ, 1995).240 Já na homonímia, há uma confluência — propiciada por vicissitudes temporais — na materialização da face significante de duas palavras originalmente diferentes, com significados e étimos também diferentes, que não se relacionam entre si (BASÍLIO, 2004), ou seja, não são associáveis a um mesmo campo semântico (GONÇALVES & ALMEIDA, 2008), já que cada uma delas apresenta uma organização prototípica distinta (MUÑOZ NÚÑEZ, 1995).

A homonímia em si não é um fato estritamente semântico, mas, ainda assim, é um fenômeno cuja conceptualização (e própria existência na metalinguagem) se estabelece totalmente dependente da abordagem semântica: formas homonímicas são formas diacronicamente convergentes, mas com étimos e significados diferenciados. Um exemplo de relação homonímica se estabelece entre os vocábulos papa1 (< do latim pāpās, derivado do

grego páppas; e que se refere ao Sumo Pontífice, chefe supremo do Catolicismo Romano), papa2 (< do latim pappa, deverbal de papāre; e que se identifica como uma espécie de

mingau) e papa3 (< do espanhol platense papa, deverbal de papāre; e que é um regionalismo

gaúcho para se referir ao que conhecemos como batata-inglesa). Observemos que são signos que possuem, sincronicamente, o mesmo significante, mas que apresentam origem e significação totalmente distintas, prestando-se também à constituição de famílias derivativas distintas (de um lado, por exemplo, papado, papal, papisa; de outro, papinha, papão,

238De acordo com Borba (2003, p.161), ―[...] a polissemia é uma propriedade do signo, mas ela tem caráter

discursivo na medida em que depende do contexto e da situação para realizar-se. Daí, então, sua natureza sintagmática por estar vinculada a uma combinatória, ou seja, produz-se a partir de associações por contigüidade.‖.

239―Por más significados y acepciones que haya producido una palabra polisémica, suele mantener en el fondo

cierta unidad sémica que representa su continuidad histórica y refleja el desarrollo cultural de la sociedad que la emplea. Este sentido de unidad, intuible bajo la diversidad, es algo que distingue a la polisemia de la homonimia. Por ello, el criterio etimológico, pese a sus limitaciones, no deja de tener su propio valor, particularmente cuando el origen de la palabra es bien conocido. La conciencia del valor etimológico ayuda a explicar el desarrollo polisémico posterior.‖ (GARCÍA-HERNÁNDEZ, 1998, p.295). Em português: ―Por mais significados e acepções que tenha produzido uma palavra polissêmica, costuma manter ao fundo certa unidade sêmica que representa sua continuidade histórica e reflete o desenvolvimento cultural da sociedade que a emprega. Este sentido de unidade, intuível sob a diversidade, é algo que distingue a polissemia da homonínia. Por isso, o critério etimológico, pese suas limitações, não deixa de ter seu próprio valor, particularmente quando a origem da palavra é bem conhecida. A consciência do valor etimológico ajuda a explicar o desenvolvimento polissêmico posterior.‖ [Tradução nossa].

240Para Silva (1993), a condição necessária e suficiente para a emergência de um quadro polissêmico é que cada

um dos significados de um item vocabular partilhe, ao menos, uma propriedade com outro da mesma categoria. Na homonímia, em contraposição, ―[...] os significados são inteiramente independentes; entre eles não existe nenhum sema específico comum.‖ (SILVA, 1992, p.428).

papança etc.). O vocábulo companhia (< do latim *companĭa)241, por sua vez, comporta uma natureza polissêmica, visto que, sozinho, pode abarcar, pelo menos sete acepções, todas relacionadas entre si, mas, certamente, portadoras de algum matiz semântico diferenciador: 1) acompanhamento; 2) convivência social contínua ou esporádica; 3) sociedade comercial ou industrial formada por acionistas; 4) sociedade religiosa com fins específicos, como a Companhia de Jesus; 5) divisão militar; 7) conjunto de pessoas (artistas, diretores, cenaristas etc.), devidamente organizado para representações teatrais242.

Sobre uma distinção menos estanque dos limites entre os fenômenos da polissemia e da homonímia, é interessante o que é aludido por Pinheiro (2010, p.66):

[...] homonímia, polissemia e vagueza não constituem categorias estanques; antes, equivalem a pontos em um continuum de proximidade/afastamento semântico cujos extremos corresponderiam, de um lado, à situação na qual dois sentidos associados à mesma forma não guardam qualquer relação semântica (homonímia) e, de outro, à situação em que duas acepções são tomadas como mínimas variações contextuais de um único sentido (vagueza). O que se verifica, portanto, é que um determinado conjunto de acepções pode se localizar em qualquer ponto de uma escala que vai da completa ausência de vinculação semântica até a identidade entre os sentidos.

Passando à relação semântica fincada nos aspectos de identidade e semelhança, ou seja, a sinonímia, podemos defini-la, grosso modo, como o fenômeno oriundo da semelhança na significação entre duas ou mais unidades lexicais cuja origem e cujos significantes não mantêm uma ligação entre si. Para Pietroforte & Lopes (2003, p.126), dois vocábulos podem ser considerados sinonímicos ―[...] quando apresentam a possibilidade de se substituir um ao outro em determinado contexto.‖ Na concepção de Almeida (2006), a sinonímia consiste na relação que se processa entre unidades lexicais com diferentes significantes, mas com significados contíguos ou mesmo idênticos. Exemplos de lexemas sinonímicos: louco ~ mentecapto ~ néscio. É, portanto, uma confluência entre significados, mas não entre significantes ou étimos. Diversos autores defendem que não existem realmente sinônimos perfeitos, mas apenas aproximados, distinguíveis pelo contexto enunciativo-discursivo em que ocorrem, haja vista que cada uma das formas sinonímicas se encontra plasmada por

241

Todas as informações de cunho etimológico apresentadas nesta seção foram retiradas de Cunha (2010).

242Algumas dessas acepções foram retiradas do Moderno Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa (versão online).

particularidades pragmático-discursivas ou diastrástico-diafásicas ou mesmo diatópico- diageracionais243.

De maneira geral, podemos definir a antonímia léxica como o processo pelo qual, confrontando-se dois lexemas, observa-se a manifestação de efeitos opositivos na significação, ou seja, certo contraste semântico. Há vários tipos de antonímia manifestados através do componente lexical: oposições polares (acima : abaixo)244, oposições gradientes (fervente : quente : morno : frio : gelado), oposições complementares (par : ímpar) etc. Segundo Pietroforte & Lopes (2003), assim como não há sinônimos perfeitos, também não existe a antonímia absoluta245. Esse é também o posicionamento defendido por Teixeira (2005), ao postular que a antonímia entre duas formas lexicais distintas se dá no uso efetivo da língua pelos falantes, e não virtualmente entre elas, como se fosse algo automático e inerente. Em outro estudo mais recente (2011, p.125), parece corroborar esse ponto de vista quanto à caracterização da antonímia e das outras relações semânticas, pois afirma que ―Há uma gradatividade e um contínuo entre os usos, funcionando as metaforizações e as correlações experienciais como fontes potenciadoras de variadas vertentes semânticas.‖.

6.3 RELAÇÕES SEMÂNTICO-LEXICAIS VERSUS RELAÇÕES SEMÂNTICO-