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AZUAGA (1996) LEXEMA PALAVRA MORFOSSINTÁTICA

4.2 PREFIXOS: FORMAS QUE SELECIONAM OU NÃO AS BASES A QUE SE AGREGAM?

Através de estudos de morfologistas que se debruçam sobre a prefixação, percebe-se a existência de três pontos de vista diferentes quanto à capacidade de seleção de bases pelos prefixos: (i) há os que defendem que os prefixos não selecionam as bases a que se coadunam, tendo plena liberdade de adjunção na periferia esquerda dos vocábulos mórficos (MEDEIROS, 2010; PENA, 2000); (ii) há os que, em contraposição, defendem que os prefixos selecionam rigorosamente as bases léxicas a que se unem (GONÇALVES, 2012a;

112Mais uma vez salientamos que é a recorrência em posição esperada na cadeia combinatória da estrutura

interna (i.e., morfológica) do vocábulo, bem como sua relação com os demais morfemas que formam famílias de palavras, que acabam por caracterizar um formante morfológico e, portanto, um prefixo. É por essa razão que consideramos o a- tido como protético, o a(l)- árabe ou as demais partículas expletivas que se agregam à margem esquerda do vocábulo como itens verdadeiramente prefixais.

113Nesta subseção nos restringiremos a uma breve e sistemática reflexão teórica sobre essa suposta propriedade

dos prefixos, com base em estudos que consultamos, incidentes sobre o léxico geral do português contemporâneo. Quanto à verificação geral dessa propriedade nas operações prefixais que coletamos no corpus textual da primeira fase do português arcaico, será reproduzida na subseção 8.8, quando da exposição sobre a análise individual de cada prefixo encontrado.

REAL ACADEMIA ESPAÑOLA & ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA, 2009; SCHNEIDER, 2009; SILVA & MIOTO, 2009; OLIVEIRA, 2004; SANTANA SUÁREZ et al., 2004; VARELA & MARTÍN GARCÍA, 2000); e, por fim, (iii) há estudiosos que defendem que cada prefixo possui comportamentos específicos quanto a essa propriedade de seleção, havendo os que elegem com rigor as bases a que se agregam e os que apresentam plena maleabilidade no processo de adjunção (ALBUQUERQUE, 2010a; DEPUYDT, 2009; VARELA, 2005; VILLALVA, 2008; 2003; RODRÍGUEZ PONCE, 2002; MIRANDA, 1994).

Entre os três pontos de vista acima distinguidos, consideramos mais apropriado adotar o que vai expresso em (iii), pois contempla a natureza heterogênea dos prefixos na língua portuguesa. Assim, haveria os formantes prefixais que elegeriam com certo rigor as bases a que se agregam e, por sua vez, outras partículas que apresentariam, em contraste com as primeiras, uma maior liberdade no processo de adjunção às bases lexicais. Um ponto importante a ser elucidado a respeito dessa seleção das bases pelos prefixos diz respeito justamente à natureza da seleção operada, que pode ser categorial, semântica ou até mesmo de dúbio caráter, como preconizam Silva & Mioto (2009, p.02): ―[...] defendemos aqui que prefixos selecionam a base com a qual combinam e que a seleção envolve tanto a categoria como certas características semânticas da base.‖.

Além de Silva & Mioto (2009), vários outros linguistas defendem a existência de uma seleção de teor semântico promovida pelos prefixos ao se adjungirem a suas bases morfolexicais. É o caso de Gonçalves (2012a), Medeiros (2010), Depuydt (2009), Varela (2005), Oliveira (2004), Varela & Martín García (2000). Schneider (2009, p.79) oferece, sinteticamente, uma explicação para a seleção prefixal de ordem semântica: ―Os prefixos, por terem uma carga semântica predeterminada, selecionam a base à qual se unem.‖. Na Nueva Gramática de la Lengua Española, ao se discorrer sobre as restrições semânticas vinculadas as prefixos, chega-se a se afirmar que ―Por lo general, las bases con las que se combinan los prefijos se agrupan más claramente por sus propiedades semánticas que por su categoría gramatical [...].‖114

(REAL ACADEMIA ESPAÑOLA & ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA, 2009, p.674). Fundamentando-nos nas reflexões teóricas promovidas por esses estudiosos, sistematizamos abaixo, como ilustração, algumas das

114―Em geral, as bases com as quais se combinam os prefixos se agrupam mais claramente pelas suas

principais restrições semânticas atuantes na seleção de bases por um número representativo de prefixos em português:115

anti- → adscreve-se apenas a bases nominais que denotam algo passível de ser evitado ou prevenido, como em antibacteriano, antiaderente, anticaspa, antiterror, antifurto, antipoluente, antiderrapante etc. (OLIVEIRA, 2004).

des- (reversativo) → adjunge-se apenas a bases verbais de processo116 ou a formas deverbais, que denotam ação passível de ser revertida, como em desabastecer, desabotoar, desfazer, desmontar, desligar, desnivelar, desconstruir, desarrumar, desembarque, desesperança etc. Não se combina com formas verbais que não denotam processo ou que marcam processos irreversíveis, de tal forma que são agramaticais os produtos *desmorrer, *deschegar, *deslavar, *desdesejar, *desnadar, *dessonhar (SILVA & MIOTO, 2009; GONÇALVES, 2005; VARELA, 2005; VARELA & MARTÍN GARCÍA, 2000).

in- (negativo) → une-se produtivamente sobretudo a adjetivos qualificativos (permanentes ou imperfectivos, mas não a desinentes ou perfectivos), como em inculto, imberbe, ingrato, insípido, insuportável, inseguro etc.; também se adjunge recorrentemente a substantivos abstratos, como em incerteza, indiscrição, insegurança etc.(VARELA, 2005; VARELA & MARTÍN GARCÍA, 2000).

inter- / intra- → associam-se produtivamente a adjetivos relacionais (denominais), como em internacional, interdisciplinar, interprovincial, intramuscular, intragaláctico, intrabucal, intramolecular etc. (VARELA & MARTÍN GARCÍA, 2000).

mini- → seleciona substantivos em geral, sendo ainda mais produtivo com aqueles que possuem marcas dimensionais, como em minisaia, minibolsa, minifúndio, minibibliotecaetc.(VARELA, 2005).

115Não é supérfluo salientar que não se trata de uma sistematização exaustiva sobre as restrições semânticas

veiculadas pela prefixação — o que seria inviável realizar aqui, dada as peculiaridades e os múltiplos liames semânticos que essa operação comporta —, mas apenas uma consideração inicial e geral sobre o fenômeno.

116Para Medeiros (2010, p.96), ―[...] o prefixo des- faz, sim, uma seleção, mas é uma seleção de natureza

mono- → seleciona substantivos e, mais produtivamente, adjetivos denominais, como em monograma, monarquia, monossilábico, monodimensional, monofásico, monogâmicoetc.(VARELA, 2005).

re- (iterativo) → adscreve-se apenas a bases verbais (ou a formas deverbais) que licenciam a retomada da ação expressa, como reconfigurar, recontar, reconduzir, refazer, reler, reimplantar, reescrever, reencadernação etc. (ANDRADE, 2006; VARELA, 2005; OLIVEIRA, 2004).

re- (intensificador) → une-se produtivamente a adjetivos qualificativos e a alguns verbos, como em recontente, refulgente, realçaretc.117

semi- → agrega-se preferencialmente a bases adjetivais qualificativas, como em semiseco, semiverdadeiro, semilimpo, semivolátil etc. (VARELA & MARTÍN GARCÍA, 2000).

Afirma Depuydt (2009, p.25):

―Se puede también clasificar los prefijos según la categoría funcional de la palabra con que se combinan. De esta manera, existen prefijos que se unen preferentemente con nombres, adjetivos, verbos o adverbios. Por lo tanto, es posible clasificar los prefijos en nominales, adjetivales, verbales o adverbiales. Es obvio que no siempre se puede dividir los prefijos de tal manera, puesto que un mismo prefijo puede combinarse con diferentes clases de palabras. En general, la mayoría de los prefijos tienden a integrarse en una clase específica [...].‖.118

Após termos buscado sistematizar alguns casos de restrições de natureza semântica imposta pelos prefixos às bases a que se agregam, passemos agora à observação ilustrativa de restrições seletivas de ordem categorial vinculadas por alguns prefixos. Para tanto, adotamos como fundamento teórico as contribuições advindas da leitura dos estudos de Gonçalves (2012a), Albuquerque (2010a), Depuydt (2009), Real Academia Española & Asociación de Academias de la Lengua Española (2009), Silva & Mioto (2009), Villalva (2008; 2003),

117Com esse valor reforçativo e agregando-se a bases adjetivais, o prefixo re- é consideravelmente produtivo no

espanhol: rebonito, reguapa, refácil, retebueno, requetebién etc. (VARELA, 2005).

118―É possível também classificar os prefixos segundo a categoria funcional da palavra com que se combinam.

Desta maneira, existem prefixos que se unem preferencialmente a nomes, adjetivos, verbos ou advérbios. Por tanto, é possível classificá-los como nominais, adjetivais, verbais ou adverbiais. É óbvio que nem sempre é possível dividir os prefixos de tal maneira, posto que um mesmo prefixo pode combinar-se com diferentes classes de palavras. Em geral, a maioria dos prefixos tende a integrar-se em uma classe específica [...].‖ [Tradução nossa].

Andrade (2006), Varela (2005), Oliveira (2004), Santana Suárez et al. (2004), Varela & Martín García (2000), Miranda (1994).

ab(s)- → associa-se geralmente a bases verbais, mas também se agrega a algumas poucas nominais: aborígene, abster, abstrair, abnegar, absímile, absconso etc. (SANTANA SUÁREZ et al., 2004).

a(l)- árabe → selecionava quase que exclusivamente bases nominais substantivas, como em açucena, alambique, alfavaca, armazém, azeite etc. (SANTANA SUÁREZ et al., 2004).

a(n)- (privativo ou negativo) → coaduna-se apenas a bases nominais (substantivas ou adjetivas), como em acatólico, acalórico, acefalia, anaeróbio, analfabeto etc. (VARELA & MARTÍN GARCÍA, 2000).

anti- → adscreve-se apenas a bases nominais (substantivas ou adjetivas, mas principalmente as primeiras), como em antigripe, antiácido, antioxidante, antidrogas; não se acopla a verbos (GONÇALVES, 2012a; SILVA & MIOTO, 2009; OLIVEIRA, 2004).

arqu(e/i)- ~ arc(e)- (intensificador) → unem-se apenas a bases nominais (principalmente a substantivos, mas também a alguns poucos adjetivos), como em arquiconfraria, arquidiocese, arcanjo, arcediago, arquimultitudinário, arcipotente etc.(DEPUYDT, 2009).

circu(m)- → adjunge-se a adjetivos, verbos e, excepcionalmente, substantivos: circunflexo, circuncêntrico, circum-navegação, circuncidar, circundar, circungirar etc. (SANTANA SUÁREZ et al., 2004).

contra- → agrega-se a diferentes categorias gramaticais, como substantivos (contrarrevolução, contramestre, contrapeso), adjetivos (contraintuitivo) ou verbos (contradizer, contra-argumentar) (REAL ACADEMIA ESPAÑOLA & ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA, 2009; VILLALVA, 2008).

des- (negativo) → agrega-se mormente a adjetivos e substantivos (desonra, desamor, desordem, desunião, descortês, desonesto, desigual, desleal etc.), mas também a muitos verbos (desconfiar, desconsiderar, desprezar etc.) (REAL ACADEMIA ESPAÑOLA & ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA, 2009).

in- (negativo) → associa-se a diferentes categorias gramaticais, como substantivos (inverdade, indisciplina), adjetivos (injusto, incapaz, imperfeito) ou verbos (indeferir, impedir) (VILLALVA, 2003).

re- (iterativo) → coaduna-se apenas a bases verbais, como em repensar, rever, reconsiderar, reler etc.; rejeita substantivos e adjetivos primitivos (GONÇALVES, 2012a; SILVA & MIOTO, 2009; ANDRADE, 2006; OLIVEIRA, 2004).

semi- → liga-se apenas a bases nominais (seminovo), adjetivais (semitransparente) e, principalmente, verbais (semiadaptar, semicerrar, semidivinizar) (DEPUYDT, 2009; HOUAISS, 2009).

sobre- (locativo) → adjunge-se a adjetivos (sobreagudo, sobre-humano, sobrenatural) e a alguns substantivos (sobrancelha, sobreloja), mas mostra toda a sua produtividade ao selecionar bases verbais, como em sobressair, sobressaltar, sobrevir etc. (DEPUYDT, 2009; REAL ACADEMIA ESPAÑOLA & ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA, 2009).

super- (intensificador) → aplica-se a diferentes categorias gramaticais, como substantivos (super-homem, supermercado), adjetivos (superfácil, superinteressante, superlotado) ou verbos (supervalorar, superfaturar) (REAL ACADEMIA ESPAÑOLA & ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA, 2009; VARELA, 2005; VILLALVA, 2003; MIRANDA, 1994).

ultra- (intensificador) → coaduna-se produtivamente a bases nominais (principalmente a adjetivos, mas também a alguns poucos substantivos) e a alguns verbos, como em ultraliberal, ultramoderno, ultracompetente, ultrarradical, ultrasom, ultraconfiança, ultrapassar, ultrajar etc.(DEPUYDT, 2009).

Cabe ressalvar que, para alguns autores, como Silva (2006), são as bases que licenciam ou não a inserção dos prefixos, não tendo as partículas prefixais qualquer propriedade de seleção: ―No processo de formação de palavras, os lexemas têm uma característica principal: combinarem-se exclusivamente com certos prefixos, ou seja, é preciso que a base permita o acréscimo do significado do prefixo.‖ (SILVA, 2006, p.177). Assim, os prefixos não seriam dotados da faculdade de selecionar as bases a que se adjungem, mas sim, as bases é que selecionariam os prefixos possíveis de serem nelas encaixados. Contudo, ao analisar essa situação, essa diferença não seria apenas causada por uma divergência de perspectiva ao observar as operações prefixais? Seria algo semelhante a se perguntar: é a sina da lagarta converter-se em mariposa ou é a sina da mariposa advir de uma lagarta? Algo similar parece se aplicar a essa questão. A seleção se daria pelo prefixo ou pela base? Pensamos que essa resposta manifesta apenas uma perspectiva de análise, que por si mesma é pluridimensional, mas que acaba desembocando em uma mesma realidade. O importante é admitirmos que boa parte dos prefixos atua nas formações derivacionais a partir de uma seleção prévia, impondo restrições de teor morfológico, sintático ou semântico, não se adjugindo aleatoriamente, portanto, a toda e qualquer base (SILVA & MIOTO, 2009).