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[+ lexical] [ lexical] COMPOSIÇÃO DERIVAÇÃO

4 O FENÔMENO DA PREFIXAÇÃO

4.1 PROLEGÔMENOS

De maneira geral, os que se dedicam ao labor científico e, ainda de maneira mais marcada, os que se imiscuem por reflexões amadoras sobre os fenômenos cognoscíveis, tendem a enxergar as categorias e as conceptualizações e definições como coisas espontaneamente pré-estabelecidas, como se fossem absolutas, completas e naturais. Na verdade, todas elas se incluem no rol de procedimentos e categorizações mentais, advindos da capacidade cognoscente humana. Pelo que parece, muito do que observamos e apreendemos via atividades e elocubrações de teor sensório-motor, emocional ou psíquico emerge de construtos e imagens mentais, viabilizados por nossa capacidade de raciocínio, inata à nossa espécie. A realidade, então, seria um construto, não algo naturalmente disposto. Destarte, como exemplifica Fernández-Armesto (2007), as espécies biológicas que concebemos como tipos naturais seriam, efetivamente, meros conjuntos ou categorias nas quais, por conveniência, agrupamos os seres, de tal forma que ―Pertencer a uma espécie é pertencer a uma classe, e não revelar uma essência; em certo sentido, é uma condição temporária, sujeita a revisão, e não um destino eterno e inevitável.‖ (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2007, p.12).

De forma similar ao que se aponta para a biologia, em linguística — e, em nosso caso particular, em morfologia e em lexicologia — nenhuma conceptualização, definição ou classificação de unidades ou processos se dá de forma automática, tal como se se firmasse ab ovo. Pelo contrário. São, sem dúvida, construções teóricas, surgidas da necessidade humana de categorização e compartimentação, fundamentos do raciocínio e da percepção sensorial. Assim, os diversos fenômenos com os quais lidamos (formação de palavras, continuum, derivação, composição, prefixação, sufixação, parassíntese, produtividade, vitalidade, alomorfia, alografia etc.), bem como as diversas unidades que descrevemos e analisamos (paradigma, sintagma, palavra, morfema, prefixo, sufixo, alomorfe etc.) não passam de construtos (mutáveis, no tempo, no espaço e na cultura) advindos de abstrações teóricas, que, ainda que relativas e fluidas, são absolutamente necessárias para a construção de uma linearidade de raciocínio, visando à compreensão coerente das coisas e dos seres.

É perceptível que a reflexão linguística, assim como as associadas a outros campos do saber, efetua-se através de operações cognitivas em cadeia, de tal modo que a concepção sobre determinado fenômeno acaba gerando, de forma automática e incontornável,

implicações para o entendimento de outros a eles ligados, direta ou indiretamente. Com a morfologia não poderia ser diferente: o estudo da prefixação mantém-se ligado, aprioristicamente, a uma dada concepção da formação de palavras; esta, por sua vez, mostra- se involucrada, também aprioristicamente, à própria concepção de palavra. Sendo assim, em morfologia, nada se encontra disjunto ou isolado, mas sim, em uma espécie de concatenação conceptual que atua sob um esquema de mosaico, cujo resultado é a compreensão geral do processamento paradigmático-sintagmático que perpassa o interior do vocábulo mórfico, possibilitando a sua composição intralinguística e a sua análise metalinguística.

Como é consabido, o fenômeno da prefixação vincula-se ao âmbito dos processos de formação de palavras, domínio que se situa na intersecção entre os níveis lexical e morfológico da língua. Pensamos ser necessário, tal como fizemos com o conceito de morfema, estabelecermos alguma elucidação sobre os conceitos que se imiscuem mais visceralmente em nosso estudo, quais sejam: o conceito de morfologia, o conceito de palavra, o conceito de formação de palavras e o conceito de prefixação. Não é supérfluo salientar que as reflexões ora realizadas possuem um caráter marcadamente sintético, dada a natureza do estudo que realizamos, no qual não buscamos, obviamente, dar conta de todas as nuances e especificidades que envolvem as complexas noções básicas da morfologia e da formação de palavras em português.

O termo morfologia, segundo Viaro (2010), foi empregado na terminologia linguística pela primeira vez em 1859, por August Schleicher. Conforme Marçalo (2008-2009), em português aparece pela primeira vez dicionarizada como termo gramatical em 1891, na 8ª edição do Dicionário da Língua Portuguesa, composto pelo Padre Rafael Bluteau, reformado e acrescentado por António de Morais Silva, com a acepção de ―A formação e a transformação das palavras; o estudo d‘esta parte da linguística.‖. A morfologia é um ramo da gramática que se debruça sobre os elementos e sobre os princípios que regem a estrutura interna das palavras85, seja pela formação de novos vocábulos (morfologia derivacional ou léxica), seja pela distribuição e classificação das formas mínimas, seja pela sua flexão (morfologia flexiva), seja pelas relações paradigmáticas que os elementos mórficos

85Nas palavras sintéticas de Matthews (1991, p.09), ―If we wish to begin with a definition, we can say that

morphology is, briefly, the branch of grammar that deals with the internal structure of words.‖ Em português: ―Se quisermos começar com uma definição, podemos dizer que a morfologia é, resumidamente, o ramo da gramática que trata da estrutura interna das palavras.‖ [Tradução nossa].

estabelecem no interior da estrutura interna dos vocábulos86 (HENRIQUES, 2007; VILELA & KOCH, 2001; AZEREDO, 2000; MATTHEWS, 1974; SCLIAR-CABRAL, 1973). Em suma, podemos assumir, com Pena (2000, p.4307), que:

La morfología tiene, pues, como objeto de estudio la estructura interna de la palabra y como objetivos: a) delimitar, definir y clasificar las unidades del componente morfológico; b) describir cómo tales unidades se agrupan en sus respectivos paradigmas; y c) explicitar el modo en que las unidades integrantes de la palabra se combinan y constituyen conformando su estructura interna.87

A definição de morfologia, que buscamos delinear acima, mostra-se bem mais pacífica do que a de palavra, segundo objeto de nossa reflexão conceptual nessa subseção. Se há um consenso entre os pesquisadores quanto ao conceito da unidade que é considerada como central e prototípica para a ciência linguística (SCHINDLER, 2002), dá-se, justamente, na percepção de que se trata de algo marcadamente complexo e resvaladio. É o que nos aponta Henriques (2007), Basílio (2004; 2003, 2000), Welker (2004), Vilela & Koch (2001), Azeredo (2000), Pena (2000), Galisson & Coste (1976). Da expressiva polissemia que envolve o conceito de palavra, surge um considerável número de termos usados para se tentar delimitar sua definição e aplicação conceptual: vocábulo, vocábulo mórfico, vocábulo formal, vocábulo morfossintático88, lexema, lexia, item lexical, unidade lexical, monema, semantema, forma livre etc., sem contar as diversas especificações sobrevindas através de adjetivações (palavra/vocábulo lexical, gráfico(a), fonológico(a), gramatical, sintático(a)).

A noção de palavra apontada exclusiva e suficientemente como unidade gráfica, adotada por Marçalo (2008-2009) e Perini (2006) como a mais adequada para um estudo linguístico, pode até ser utilizada para estudos de cunho sincrônico, mas se torna inviável para estudos de natureza histórica, dada a falta de normativização ou unificação gráficas que caracterizavam a escrita em língua portuguesa até inícios do século XX, quando do surgimento da primeira proposta de ortografia oficial para o português.

86―[...] a morfologia encontra seu objeto de estudo nas relações paradigmáticas ou do eixo vertical da linguagem,

nas relações que se podem estabelecer entre elementos que não estão todos simultaneamente presentes numa frase ou texto.‖ (SANDMANN, 1997, p.16).

87―A morfologia tem, pois, como objeto de estudo a estrutura interna da palavra e como objetivos: a) delimitar,

definir e classificar as unidades do componente morfológico; b) descrever como tais unidades se agrupam em seus respectivos paradigmas; e c) explicitar o modo pelo qual as unidades integrantes da palavra se combinam e se constituem, conformando sua estrutura interna.‖ [Tradução nossa].

Adota-se recorrentemente uma definição de palavra como uma unidade autoformal (i.e., uma sequência fonética completa) e auto-sêmica — i.e., possuidora de um sentido completo, passível de ser transmitido inteligivelmente (HECKLER, BACK & MASSING, 1994). Vilela & Koch (2001, p.56), por sua vez, pensam ser possível delinear tal elemento metalinguístico como sendo ―[...] a unidade menor potencialmente isolável, autônoma, portadora de significado e função, que é separada, como sequência de grafemas (ou letras), de outras palavras e que, no caso das palavras flexionais, dispõe de várias formas.‖. Dessa definição de Vilela e Koch (2001), torna-se perceptível que é designado como palavra o que geralmente se denomina de lexema. E por aí se poderia dar continuidade às disparidades terminológicas e conceptuais presentes nas descrições e análises linguístico-gramaticais.

QUADRO COMPARATIVO DA TERMINOLOGIA ATINENTE ÀS UNIDADES