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[+ lexical] [ lexical] COMPOSIÇÃO DERIVAÇÃO

JUÍZO DE ALGUNS LATINISTAS SOBRE O CARÁTER DERIVATIVO OU COMPOSITIVO DA PREFIXAÇÃO EM LATIM

5.3 TRAÇANDO UMA ROTA PARA A PREFIXAÇÃO NA LÍNGUA LATINA

O processo de prefixação inexistia no indo-europeu comum, não possuindo esta língua prefixos e nem mesmo preposições, tal como afirmam Bassetto (2010) e Romanelli (1964). Segundo este último, em um estudo intitulado Os prefixos latinos, o indo-europeu não admitia qualquer forma de adjunção de partículas à periferia esquerda do elemento radical192, a não ser o redobro verbal ou nominal, sendo a prefixação um processo tardio, um fenômeno inovador, apenas atuante no sistema das línguas descendentes do indo-europeu.

O latim, descendente do indo-europeu, passou a adotar um sistema de prefixos, ao lado de um sistema de preposições, sendo paralelos, coincidentes, somente fendidos no latim vulgar, em que o conjunto de preposições sofreu uma considerável redução quantitativa, enquanto o rol de prefixos se mantinha praticamente intocável. Sobre o paralelismo inicial entre prefixos e preposições, afirma Câmara Jr. (1975, p.229):

191Ambas servem para derivar novas palavras, sendo uma inserção de partículas mórficas a um morfema lexical

básico, geralmente modificando ou matizando sua significação primitiva; além disso, ambas podem comportar uma função gramatical aliada a uma função lexical.

192Mas admitia a adjunção à direita, ou seja, a sufixação, que se mostrava já no indo-europeu como um processo

O sistema de prefixos latino era paralelo ao sistema das preposições. Em princípio uma mesma partícula aparecia tanto autonomamente, como preposição diante de um nome funcionando em complemento verbal, como integrada num verbo ou num nome para criar uma nova palavra 193.

Um percurso de gramaticalização pode ser vislumbrado no processo de formação dos prefixos latinos, visto que, como se pode observar em Romanelli (1964, p.15-16), a princípio, no próprio indo-europeu, existiam formas casuais (de valor locativo e instrumental) que, nessa mesma língua, acabaram fixando-se como advérbios de sentido concreto — de lugar e de tempo, segundo Bassetto (2010) —, vindo a transformar-se, já no latim, em preposições e, em seguida, em prefixos (verbais ou nominais)194. Oliveira (2007, p.36), por sua vez, afirma que ―O indo-europeu primitivo dispunha de uma série de partículas que se colocavam com o verbo. Mais tarde, no latim, houve um processo de aglutinação de partículas adverbiais antepostas ao verbo, responsável pelo desenvolvimento do sistema prefixal latino [...].‖.

Tal como afirma Bassetto (2010), o sistema de preposições e prefixos constitui um inventário fechado, sendo muito raro o surgimento de novas partículas195. O funcionamento desse inventário fechado, por sua vez, não se configurou uniformemente na história da língua latina. Podemos, assim, tomando como lastro teórico fundamental os estudos de Bassetto (2010), Romanelli (1964) e Maurer Jr. (1959), propor uma espécie de divisão da produtividade prefixal na língua latina, pautada em três registros distintos: a) a prefixação no latim clássico; b) a prefixação no latim vulgar; c) a prefixação no latim medieval (eclesiástico). Discorreremos a seguir, de forma bastante concisa, sobre cada uma dessas três rotas.

193O próprio Câmara Jr. (1975, p.229) exemplifica tal paralelismo: ire ex Epheso ‗ir para fora de Éfeso‘ / exire ‗ir

para fora‘.

194Tomando por base as considerações de Poggio (2002), podemos definir a gramaticalização como o processo

intralinguístico de cristalização gramatical das estruturas linguísticas com mais expressiva produtividade na língua, sendo, destarte, uma rota processual através da qual um item mais lexical vai paulatinamente se tornando mais gramatical, passando de uma classe aberta a uma fechada. No caso da formação dos prefixos, o processo de gramaticalização que a fundamentou provavelmente foi o seguinte: formas casuais > advérbios > preposições > prefixos. Nota-se, portanto, nesse processo, o percurso usual e unidirecional da gramaticalização: forma livre > forma dependente > forma presa. Segundo Castilho (2004, p.982), a trajetória do processo de gramaticalização segue a escala linear léxico > sintaxe > morfologia > morfofonêmica > zero.

195Não obstante isso, há vários textos teóricos de morfologia que sustentam a hipótese do surgimento moderno de

novos prefixos. É o caso, exempli gratia, dos estudos de Correia (1989), Campos (2009; 2004a) e Coleti & Almeida (2010), que propõem, respectivamente, como itens produtivos no português contemporâneo, os prefixos

Pelas informações histórico-diacrônicas apontadas por Romanelli (1964), bem como pela nossa própria leitura de textos latinos do período clássico (81 a.C. — 17 d.C.)196, verifica-se um alto índice da produtividade prefixal, o que nos faz concordar com Câmara Jr. (1975, p.229), ao assinalar que constituía então ―[...] um processo fundamental para a criação de novas palavras [...].‖, ou seja, era uma fonte substancial para a ampliação e o encorpamento do léxico latino. Almendra & Figueiredo (1996) chegam a afirmar que a derivação (prefixal e sufixal) constituiu em latim o processo mais importante de formação de novos vocábulos, o que, certamente, não é um exagero. Basseto (2010) deixa explícito que a maioria dos vocábulos prefixados correntes nas línguas românicas ocidentais origina-se no latim culto, clássico, em que a prefixação era particularmente ativa (MONTARI, 2004)197. Exemplos de vocábulos formados via prefixação e presentes no latim clássico são as formas derivadas abstēmĭus, -a, -um198; bicŏlor, -ōris199; contrādĭco, -is, -ĕre, -dīxī, -dīctum200; dēclāmātor, -ōris201

; imprudentĭa, -ae202; retrōcēdō, -is, -ĕre, -cēssi203; sēmivīvus, -a, -um204; além dos que apontamos no esquema da seção 5.2.1, constituindo a família derivacional do verbo pôr em latim.

As operações parassintéticas, quer stricto sensu, quer lato sensu, também se faziam notar na língua latina. Segundo Dinu (2012), as do primeiro tipo geralmente denotavam um valor aspectual incoativo, expresso, sobretudo, em formações que apresentavam o prevérbio in- associado ao sufixo -sc- (por exemplo, em incalescō e inamarescō), formações essas que, conforme Batllori & Pujol (2010), apresentavam notável vitalidade no latim clássico. Quanto à parassíntese lato sensu, ainda de acordo com os referidos autores (2010) e com Nunes (1975), também se mostrava producente, do latim clássico ao medieval, em operações denominais (exempli gratia, em accusāre [ad- + -causa-subst. + -āre]verbo) e deadjetivais

(exempli gratia, em inalbāre [in- + -albus-adj. + -āre]verbo), que ilustram a existência já no

196Conforme Faria (1994, p.14) e Bassetto (2005, p.92). Já segundo o Prof. José Amarante S. Sobrinho, em

material de seu método Latinĭtas (utilizado em uma de suas aulas do já mencionado curso avançado de latim), a fase clássica da língua latina vai de 81 a.C. a 68 d.C.

197O que também é sustentado por Dinu (2012, p.134), ao afirmar que ―The process of creation of new words by

prefixation is an active one in Latin, but is shows changing productivity in the history of the Latin language. In the classical period it was preferred to compounding.‖. Em português: ―O processo de criação de novas palavras via prefixação é ativo no latim, mas se mostra com diferente produtividade na história da língua latina. No período clássico foi mais usual que a composição.‖ [Tradução nossa].

198Conforme Faria (1994, p.17), presente nas Epístolas, de Horácio (1, 12, 6 e 1, 12, 7). 199

Conforme Faria (1994, p.80), presente na Eneida, de Virgílio (5, 566).

200Conforme Faria (1994, p.139), presente em De Inventione, de Cícero (2, 151) e em Quintiliano (5, 10, 13). 201Conforme Faria (1994, p.159), presente em Orator, de Cícero (47).

202Conforme Faria (1994, p.267), presente em Tito Lívio (4, 39, 6); em Orator, de Cícero (189) e em em Bellum Gallicum, de César (7, 29, 4).

203Conforme Faria (1994, p.478), presente em Tito Lívio (8, 8, 9). 204Conforme Faria (1994, p.499), presente em Verrinas, de Cícero (1, 45).

latim de estreitas relações entre derivados verbais parassintéticos e bases substantivas e adjetivas.

Como segundo domínio da classificação da prefixação na história do latim, considera- se o latim vulgar (essencialmente falado, analítico e mais permeável a elementos estrangeiros), de longa duração, vigente desde as origens de Roma (século VII a.C.) e se estendendo até o séc. VI d.C., quando, após a queda do Império Romano, a língua passou por fragmentação e diferenciação mais profundas, que dariam origem à formação de diversos romances e, posteriormente (séculos XI, XII e XIII), ao surgimento das línguas românicas. Por se tratar de um latim bastante peculiar e diferenciado em relação à língua clássica arquetípica, consideramos metodologicamente viável acomodá-lo como um domínio distinto na formatação da prefixação latina.

Em contraposição ao que ocorria no latim clássico, no latim vulgar a prefixação não era muito producente205, segundo Maurer Jr. (1959, p.242) e Bassetto (2010, p.168-169)206. Ainda conforme esses autores, apenas os prefixos ad-, in-, ex- (ou e-), dis- e re- mostravam um uso recorrente e vivaz na criação vocabular, sobretudo verbal, já que a nominal tinha um emprego ainda mais restrito. O primeiro autor chega a afirmar que além de bem pobres, a composição e a derivação no latim vulgar eram bastante peculiares. Já para o último, tal declínio na produtividade prefixal no latim vulgar ocorreu por ser esta língua predominantemente analítica, enquanto a prefixação é um processo de síntese.

As formas adunare, addormire, *allongare, collocare, confortare, demorare, discooperire, dispenděre, excadēre, *excambiare, excurrěre, inflare, *impennare, repausare, reducěre, *reimitare, submittěre, supplicare, retiradas dos estudos de Bassetto (2010) e de

205Já para Oliveira (2007), ocorria justamente o contrário, sendo a prefixação um processo pouco usado no latim

clássico e amplamente desenvolvido no latim vulgar.

206Ainda que exponhamos essa ilação proposta por Maurer Jr. (1959) e por Basseto (2010), não ousamos por ora

defendê-la incondicionalmente. Isso só seria possível após uma observação abrangente e sistemática de dados empíricos remanescentes do latim vulgar, o que não fazemos aqui. Assim, acautelamo-nos de certas afirmações categóricas, a fim de não tecê-las irresponsavelmente. O que nos propiciou tal cautela quanto à consideração da produtividade prefixal no latim vulgar foi a comunicação da Profª. Drª. Jaciara Ornélia Nogueira de Oliveira (UNEB), intitulada Particípio presente no latim vulgar: uma amostra a partir da Vetus Latina, no I Encontro de Estudos Clássicos da Bahia (em 16/06/2012). Essa docente, através do estudo que realizou, fundamentando-se em dados empíricos, afirmou que o particípio presente ainda era utilizado com valor verbal no latim vulgar, em detrimento do que defendiam Maurer Jr. (1951) e Väänänen (1967), de que o particípio presente não era mais utilizado como forma verbo-nominal nesse registro, mas apenas sob formas já gramaticalizadas em adjetivos e substantivos. Assim como as afirmações categóricas sobre o particípio presente no latim vulgar feitas por esses dois últimos latinistas não se coadunam à realidade empírica observada, o mesmo pode ocorrer com as ilações de Maurer Jr. (1959) e Basseto (2010) sobre a prefixação no latim vulgar. Daí nossa cautela em defender e adotar por ora a hipótese desses teóricos.

Maurer Jr. (1959) exemplificam a prefixação nessa segunda circunscrição da língua latina207, em que se processou um copioso número de formações parassintéticas (MORTARI, 2004).

O terceiro registro da formação de palavras via prefixação se circunscreve ao latim eclesiástico (medieval), em que esse fenômeno foi consideravelmente produtivo. Maurer Jr. (1959, p.246) afirma que é graças a esse período que as línguas românicas ocidentais possuem uma prefixação vigorosa, prolífera. Foi o latim eclesiástico que reintroduziu as formas prefixais latinas, que muitas vezes coocorrem com as vernáculas no português arcaico, como pode ser visto nos pares superpor e sobrepor, interlocutória e antrelocutória (IC811), admoestados e amoestados (IC150), advogada e avogada (IB136).

5.4 UMA SUCINTA ESQUEMATIZAÇÃO DA MORFOFONOLOGIA E DA