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AS TEORIAS DO CURRÍCULO E O MOVIMENTO DISCURSIVO DO

CAPÍTULO 3: A SOCIEDADE BOTÂNICA DO BRASIL COMO ESPAÇO DE

3.2 O CURRÍCULO QUE ENSINA E APRENDE BOTÂNICA NO BRASIL A PARTIR

3.2.4 AS TEORIAS DO CURRÍCULO E O MOVIMENTO DISCURSIVO DO

As categorias apresentadas anteriormente fazem com que se torne mais fácil entender como as teorias do currículo se sustentam na SBB, tecem história e marcam seu tempo.

O discurso vigente na SBB declara como válido o currículo expresso em suas publicações (resumos dos trabalhos da Sessão de Ensino), mesmo não sendo o currículo oficial de Botânica no que tange ao seu ensino no Brasil, pois este não existe na prática. Sendo assim, compreender as teorias que o sustentam torna-se imprescindível, para entender a sua constituição (quadro 10).

Quadro 10 – Teoria Curricular, grau de ensino e temáticas de Ensino de Botânica Sistemática apresentadas na Sessão de Ensino, dos Congressos Nacionais de Botânica, realizados de 1982 até 2001

Ano Temática Classificação (1) Grau *

1982 Base Curricular para competência Teoria Crítica 3 02

1995 Políticas de ensino Metodologias de Ensino Teoria Crítica Teoria Tradicional 3 3 01 02 1996 - Diagnóstico do ensino superior de botânica

- Metodologias de Ensino Teoria Crítica Teoria Tradicional 3 3 01 01 1997 - Metodologias de Ensino

- O ensino e paradigma mecanicista

Teoria Tradicional Teoria Pós-Critica 3 1,2 e 3 01 01 1998 - Técnicas e Instrumentos de ensino Teoria Tradicional 1,2 e 3 06 1999 - Abordagem em Projeto

- Técnicas e Instrumentos de ensino - O componente vegetal na aprendizagem Teoria Crítica Teoria Tradicional Teoria Pós-Crítica 1 1 1 01 02 01 2000 - Metodologias de Ensino - O significado e a aprendizagem - Técnicas e Instrumentos de ensino - Diagnóstico do ensino Teoria Tradicional Teoria Pós-Critica Teoria Tradicional Teoria Crítica 1,2,3 1 1,2,3 1,2 05 01 05 01 2001 - Técnicas e Instrumentos de ensino

- Metodologias de Ensino - Ensino de botânica e currículo

Teoria Tradicional Teoria Tradicional Teoria Pós-Critica 1,2 e 3 1,2 e 3 1 e 2 08 04 01 Fonte: Güllich; Pansera-de-Araújo, 2002 – Pesquisa nos Anais dos CNB – Mestrado em Educação nas Ciências – UNIJUÍ.

Legenda: (1) Concepções classificadas a partir de Silva (2000); * 1- Ensino Fundamental, 2- Ensino

Médio, 3- Ensino Superior; N°: Número de trabalhos analisados de cada ano.

O quadro 10 mostra os trabalhos reunidos por temáticas e as teorias que fundamentam seus discursos curriculares. Ler um currículo não é tarefa fácil, por isso pretendo apontar um esboço curricular que decorre do ensino de Botânica discutido/apresentado, na SBB, por todo o Brasil.

A categorização do quadro 10, foi realizada a partir de Silva (2001), referência que traz presentes as diferentes teorias e trabalha categorias de análise de cada uma delas.

Os trabalhos foram reunidos por temáticas de forma a deixar claro as teorias de currículo que perpassaram a SBB, ao longo de sua trajetória. Um aspecto importante é que a teoria tradicional embasa 34 trabalhos (77,27%) dos 44 analisados. Dos 10 restantes (22,73%), 06 relacionam-se às teorias críticas e 04 às pós-críticas do currículo.

Outro aspecto interessante é quanto ao grau de ensino a que pertencem as pesquisas analisadas, em que, apenas no ano de 1999, não foram vistos trabalhos do nível superior (ver quadro 10). A relevância deste fato está na preocupação com a análise do currículo formador dos professores de Ciências e Biologia, e suas conseqüências futuras na escola.

Tendo presentes as categorias trabalhadas no item 3.2.3 que emergiram da análise, tais como metodologia, saber e poder, significação e identidade, pode-se tecer considerações acerca do currículo e das teorias que o permitem existir na perspectiva da educação brasileira. Essas categorias explicitam o currículo de Botânica no Brasil ao longo de sua história e podem ser classificadas em abordagens tradicionais, críticas e pós-críticas, como definido por Silva (2001). Essa referência permite vislumbrar o movimento curricular pelo qual o ensino de Botânica, expresso pela SBB, passou nos últimos anos.

Constatou-se que, nos trabalhos com título sobre processos de ensino- aprendizagem, prevaleceu a concepção positivista de ciência assentada na racionalidade técnica (MARQUES, 1993), em que predominaram as técnicas e diversificadas metodologias de ensino, mas não se constituíram em investigações sobre o processo. Isto ocorreu principalmente, nos anos de 1982, 1995, 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001. “Aqui, o currículo é visto como um processo de racionalização de resultados educacionais, cuidadosa e rigorosamente especificados e medidos. O modelo institucional dessa concepção é a fábrica” (SILVA, 2001, p. 12).

O currículo tradicional ou disciplinar, segundo Lopes:

é identificado como incapaz de integrar saberes, de permitir uma compreensão global dos conhecimentos ou de gerar maior aproximação com saberes cotidianos dos alunos, dessa forma dificultando aprendizagem de conhecimentos significativos (2002, p. 74).

Já no ano de 1982, as preocupações com o currículo relacionavam as competências e habilidades técnicas do biólogo. Alguns trabalhos de 1996, 1997, 1998, 2000 e 2001 conseguem criticar a taxionomia clássica que se preocupa com as famílias vegetais, sugerindo ser necessário ensinar através de espécies que estão no ambiente próximo dos alunos.

As teorias críticas sobre o currículo, em contraste, começam por colocar em questão precisamente os pressupostos dos presentes arranjos sociais e educacionais. As teorias críticas desconfiam do status quo, responsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais. As teorias tradicionais eram teorias de aceitação, ajuste e adaptação. As teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamento e transformação radical (SILVA, 2001, p. 30).

Por outro lado, os resumos que enfatizam a sistemática das fanerógamas chegam ao final com a montagem de uma coleção botânica e um herbário, quando não foram os próprios herbários que fizeram as coletas de material para aulas de morfologia vegetal, ou excursões científicas a parques e bosques. A crítica dos trabalhos que apresentam novas possibilidades se volta à construção, muitas vezes, de novas técnicas, o que também não avança na forma de discutir uma nova identidade para este ensino. Por outro lado, mesmo que tênues, existem representações claras da crítica ao currículo tradicional neste outro grupo de trabalhos, através de conceitos que nos permitam isto (SILVA, 2001).

Um terceiro grupo descreve situações interdisciplinares de ensinar e aprender conceitos sociais e éticos através desse conhecimento integrado a outros, mas não ocorre um estudo específico sobre como o corpus teórico da Botânica, enquanto sistemática, é incorporado pelas populações de educandos. São descritos, também, vários trabalhos sobre cursos de formação para professores de Ensino Fundamental e Médio, em que sempre se fazem coletas a campo e montagem de coleções para identificação de grupos vegetais, aparecendo muito o termo treinamento em

técnicas de montagem de coleções. Notadamente a partir de 2000, os trabalhos procuram enfocar um discurso baseado na identidade, na significação de conceitos, nas discussões de arte, cultura, etnicidade, gênero, que, para Silva (2001), apontam para representações de uma nova esfera curricular num discurso pós-crítico, que descentraliza a crítica pela crítica e funda a diferença, a subjetividade, o discurso e a cultura como um currículo.

Uma das conseqüências da “virada culturalista” na teorização curricular constitui na diminuição das fronteiras entre, de um lado o conhecimento acadêmico e escolar e, de outro, o conhecimento da cultura de massa. Sob a ótica dos Estudos culturais, todo conhecimento, na medida em que se constitui num sistema de significação, é cultural (SILVA, 2001, p.139).

O que constatamos, na análise dos resumos da Sessão de Ensino da Botânica presente nos anais da SBB, é o movimento dos aspectos que participam de um currículo, em torno dessa temática e das demais áreas do saber que circunscrevem o seu fazer curricular e suas perspectivas apontadas para discussão, com muito a percorrer, incursionando erros e aprendendo a refazer. Este currículo brevemente analisado tece história, conta aprendizagens, faz-se no social, provocando-nos a aprender com ele, a compreender sua dimensão histórica e pedagógica, e a lê-lo como um documento de identidade.

O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder.

O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida,

Curriculum Vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento,

O currículo é documento de identidade (SILVA, 2001).

O quadro 11 ilustra como as concepções de currículo, presentes na SBB, se ligam às teorias que identificam o que se ensina e aprende na Botânica no País e vislumbra, de forma resumida, como essas três teorias estão presentes.

A análise do ensino de Botânica no Brasil serve, ainda, de referência a outras áreas do conhecimento, como um diagnóstico de como se estrutura um currículo, como está esboçado enquanto elo formador e como tece suas representações enquanto instituído e instituinte. Então, Botânica, ensino e currículo começam a conversar mais estreitamente e discutir seus caminhos de formação e história.

Quadro 11 - Quadro resumo: teoria curricular, categorias identificadas na Sessão de Ensino de Botânica da SBB e a Relação entre ambas

TEORIA Categorias Descrição do Currículo na SBB Currículo

Tradicional Metodologia, avaliação, eficiência, avaliação,

planejamento e objetivos.

Baseia-se no ensino através de chaves analíticas e da construção de metodologias, didáticas e novas formas de ensino.

Currículo

Crítico Ideologia, Currículo oculto e saber-poder.

Critica a forma descrita acima, e analisa a formação do biólogo e licenciado em Biologia. Mas continua analisando de forma tecnicista a formação, baseando seus estudos em competências e perfis deterministas dos profissionais da área.

Currículo Pós-

Crítico Identidade Significação e Dá espaço e tempo para a escola inventar e descobrir seu currículo, busca significado, identidade, diferença e representação, respeitando o subjetivo de cada um.

Fonte: Güllich; Pansera-de-Araújo, 2002– Pesquisa nos Anais dos CNB e Silva(2001) – Mestrado em Educação nas Ciências – UNIJUÍ.

O currículo de Botânica no Brasil, além de sustentar teorias ao longo de sua constituição, produziu inúmeras propostas de ensino, principalmente com base na concepção tradicional, em que as formas e/ou metodologias de como ensinar prevalecem.

As metodologias de ensino produzidas por esse currículo comprovam que a concepção mecanicista de Ciência pode ser verificada como sendo a que prevaleceu nos trabalhos analisados, demonstrando o quanto a história da Botânica e da SBB, enquanto instituição científica, é determinante do currículo e do ensino.

Logo, analisar esses (muitos) modos de ensinar e aprender significa reconhecer o que a produção do conhecimento botânico expressa, nestes anos de Sessão de Ensino, e declarar a importância de conhecermos essas formas de ensino como parte das suas singularidades (ver no Capítulo 4, quadro 14).

__________ NOTAS

1 Fanerógamas, segundo Vidal (2000), é o termo que designa o grupo de plantas que possui flor.

2 Taxionomia, segundo Schultz(1991), é ramo da Biologia - Botânica que se dedica ao estudo do agrupamento dos seres vivos – vegetais e a sua identificação.

CAPÍTULO 4: O LIMIAR ENTRE AS PROPOSTAS QUE ENSINAM E APRENDEM