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CONTEXTO HISTÓRICO NA PRODUÇÃO DA CIÊNCIA BIOLÓGICA

CAPÍTULO 2: BOTÂNICA: ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEPÇÕES

2.2 CONTEXTO HISTÓRICO NA PRODUÇÃO DA CIÊNCIA BIOLÓGICA

Uma Ciência é constituída ao longo de sua trajetória. A Biologia (a Ciência da Vida) inicia sua história a partir do surgimento da civilização humana. Então, entender como essa história se passou e como ela influenciou a Biologia e a Botânica, enquanto saber específico, é parte deste estudo. Para isso passo a relatar brevemente o pensamento humano, a história das civilizações, a Ciência Biológica, no seu percurso inicial, e as incursões da filosofia na história da Sistemática 2 - Botânica.

O período paleolítico detém os primórdios do simbolismo, ou seja, o surgimento da linguagem. Neste momento, “o homem”, ao nomear os objetos e situações, que, segundo Bernal (1997, p.69), são sempre mais complexos do que os sons empregados para descrevê-los, começa a criar os símbolos, que as sociedades humanas significam pelo uso da palavra. Estes símbolos constituíam o pensamento humano, através do seu uso direto na linguagem e de sua imaginação visual.

As diferentes formas de conhecimento da humanidade tiveram um caminho inicial no campo da dominação do inanimado. O homem se dedicou basicamente a produzir mecanicamente utensílios e a conhecer animais e plantas como fonte de alimento. Nos primórdios, a ciência percorria um caminho, mas não havia interesse em sua exploração. Ocorria que as manipulações dos objetos e dos seres vivos serviam para a sobrevivência do homem e ao conhecê-los empreendia a observação e o conhecer científico.

A continuidade das sociedades humanas caracterizadas por Bernal (1997, p. 63) ocorre desde o Paleolítico, através da combinação da capacidade manual e visual com outra especial, a aprendizagem, possibilitando usos a priori da pedra e madeira e a posteriori de objetos mais selecionados, de acordo com suas aplicações em necessidades humanas. Portanto, a capacidade de aprender e ensinar, generalizando a tradição de passar de um o conhecimento pré-adquirido a outro, é que caracteriza a existência e a persistência das sociedades humanas.

O conhecimento obtido pela observação da natureza, como a necessidade de alimentar-se, neste momento, se deu pelo conhecer os hábitos de animais (Comportamento) e as propriedades das plantas (Botânica). Então, aqui encontra-se imbricada a base da Biologia atual.

A história dos pressupostos da hierarquia biológica, ou seja, a classificação é mais antiga que a própria ciência consciente, conforme Bernal (1997), reforçado por Chassot:

o estudo das plantas fez parte dos primeiros conhecimentos do homem, pois este necessitava selecionar raízes, caules, folhas, frutos e sementes destinados alimentação, vestuário e construção. Imaginemos os problemas de seleção de raízes não-tóxicas para a alimentação tanto animal como humana (CHASSOT, 2000, p.15).

Na citação, explica-se a possibilidade de seleção de diferentes partes dos vegetais pela humanidade em seus primórdios. Podemos pensar também, como selecionaram e classificaram os galhos que faziam o fogo durar mais ou os pigmentos usados como tintas.

Na humanidade do período pré-histórico, não havia uma distinção clara entre o conhecimento biológico e mítico; por conseguinte, essas culturas foram muito instáveis no que realmente acreditavam.

O conhecimento biológico, por ser complexo para o pensamento humano seguiu um caminho diferente do conhecimento popular. As razões míticas incutidas nos fenômenos e a falta de uma distinção com o científico, constituíram uma classificação inicial que permitiu, por sua vez, o desenvolvimento da Biologia e também da Química. Embora, inicialmente, a classificação já detivesse seu significado na vida humana, baseando-se fundamentalmente na linguagem oral, que era “uma teoria em que os seres vivos ou objetos (nomes) eram susceptíveis a ação ou passividade dada pelo homem (verbos)” (BERNAL, 1997, p.76), não tínhamos a separação clara entre os objetos de conhecimento da ciência e da sociedade.

Na Idade do Ferro, nasceu o alfabeto, através do uso de símbolos advindos dos mesopotâmicos e dos egípcios, mais tarde, constituindo o nascimento da escrita. Na ordem de registro dos acontecimentos e das Áreas de Conhecimento a Biologia e a Literatura ficaram por último.

Estes caminhos incomuns, pelos quais a ciência primitiva tramitou, incursionaram aspectos apreendidos em nossa cultura advindos de períodos outros, por conseqüência, anteriores à escrita.

A passagem do conhecer inicial (pensamento humano primitivo) para um saber, ou seja, de uma verdade para outra, está na escrita. A linguagem, então, torna-se o pressuposto fundamental das posteriores mudanças que a forma de conhecer da humanidade incorporou através dos tempos.

O surgimento da escrita e a história da caminhada do povo de Deus, contada na Bíblia, fazem com que a humanidade adquira um contexto e, por conseguinte, é nela que encontramos o primeiro ato de identificar (tido como nomear) os seres vivos, com objetivo de dar significação aos demais seres que habitavam a terra, e também para separar o humano do objeto de conhecimento humano.

Tendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todos os animais terrestres e todas as aves do céu, levou-os diante de Adão, para este ver como os havia de chamar; e todo o nome que Adão pôs aos animais vivos, esse é o seu verdadeiro nome. (Gênesis, 2, 19-20)

Na Bíblia, o livro de Gênesis (capítulo7) conta a história do dilúvio, em que ocorre uma forma de classificar os animais (todos os seres vivos da terra) como puros e impuros, selváticos e domésticos, para separar os diferentes grupos de animais pela importância quanto à utilidade doméstica ou não.

A escrita é a alavanca da mudança do pensamento humano no início das civilizações, modificando, com isso, a relação entre homem e natureza, conforme Marques (1993).

Embora a Bíblia tenha imposto um caminho para a sociedade após sua escrita, principalmente na organização das civilizações antigas, o povo grego e sua cultura tornam-se o elo entre o primitivo e o início da história que afeta a sociedade moderna (BERNAL, 1997).

A partir daí dá-se, o início de uma cultura que tem sido de maior, ou até mesma única relevância no desenvolvimento do pensamento biológico. Daí a relevância da escrita e da bíblia (povo hebreu), para marcar o elo entre o inicial - anterior e o novo mundo, dos gregos.

A civilização grega, na Idade Antiga, caracterizou-se por pilhar e apossar-se das culturas devastadas, e, também, por aprender e incorporar culturas e símbolos diferentes. Daí serem os gregos o elo de ligação entre o anterior à escrita (da Bíblia) e o posterior, ou seja, a história contada na escrita é a única que interfere até os dias de hoje, porque os gregos assim assumiram o papel de disseminadores, dando um curso apropriado à cultura grega até os dias de hoje na história das civilizações.

A sociedade classista também deixou marcos, no que tange a vincular a ciência e sua aprendizagem, segundo Bernal (1997, p.114), às classes de maior prestígio, como a matemática, astronomia e medicina, enquanto que a Biologia e a

Química tiveram que conquistar seu espaço duramente para obter seu reconhecimento cultural. Tal situação perdurou até o século XVIII.

O paradigma das Essências rompe com a indistinção de homem - natureza, e o homem passa a dominá-la, tendo, como instrumento para separar ou disciplinar esta distinção, a simbologia do que, mais tarde, seria a matemática.

A Bíblia é tida como saber do povo, em que se misturam a fé e a razão por explicações de fundo mítico. Quando surgem os sofistas, primeiros professores, a filosofia possui grande prestígio. Sócrates, num contexto de objetividade, apela para a reminiscência, e busca, segundo Marques (1993), no mandamento de Apolo, Delfos, “conhece-te a ti mesmo”, a referência para sua caminhada. Junto dele Platão ensaia o princípio da filosofia “ser para sempre, para além das aparências físicas (ton meta ta physica)”.

No dualismo da fé e da razão, o cristianismo prendeu seus pilares e o dogma cristão: corpo/alma, segundo Mayr (1998), dominou o pensamento biológico durante muitos anos. Aristóteles, buscando consolidar o pensamento de Platão, teve a filosofia como vertente de verdades na época e o essencialismo, desde Platão, só se removeu, por Darwin, devido a observações de taxonomistas da época. Então, a filosofia não só estabeleceu regras para o pensamento humano em geral, na época, como também influenciou o pensamento biológico.

A filosofia e sua história é que garantiram, por outro lado, a passagem e as contribuições do pensamento de Aristóteles, primeiro taxonomista, até a taxonomia clássica, passando por Santo Agostinho:

a importância de Aristóteles para a cultura européia está também no fato de ele ter criado uma linguagem técnica usada ainda hoje pelas mais diversas ciências. Ele foi o grande sistematizador, o homem que fundou e ordenou as várias ciências (GAARDER, 1995, p.122).

Os filósofos e a história da Filosofia revelam parte de como o pensamento biológico, que definiu o início da sistemática, chegou até nós, perpassando principalmente a Idade Antiga e Média, e, a partir daí, o seu percurso como ciência

na Idade Moderna e no Mundo Contemporâneo. No quadro 2, são citados alguns filósofos, épocas e os fatos decorrentes de sua história para a constituição do pensamento biológico e, ainda, a lógica de transmissão da sistemática botânica através dos tempos.

Quadro 2 - Filósofos e seus pensamentos, segundo as contribuições de Gaarder(1995)

Idade Filósofo Época Pensamento

Antiga Tales de Mileto 625-527 a.C. Água é origem de todas as coisas. Antiga Anaximandro 610-546 a.C. Mundo era uma parte do infinito. Antiga Anaxímenes 550-526 a.C. O ar ou o sopro era a base de todas

as coisas.

Antiga Parmênides 540-480a.C. Tudo sempre existiu. “Só acredito vendo”, pois, os sentidos nos

enganam (semente do

racionalismo). Antiga Heráclito de

Eféso

540-580 a.C. “Tudo flui”, a natureza é fruto de suas transformações, e as impressões dos sentidos são confiáveis.

Antiga Empédocles 494-434 a.C. O ar, a água, a terra e o fogo são as “raízes” da natureza, seus elementos básicos.

Antiga Anaxágoras 500-428 a.C. A natureza era composta por partículas bem pequenas invisíveis a olho nu, e tudo pode ser dividido em partes cada vez menores.

Antiga Demócrito 460-370 a.C. Último Filósofo da Natureza - todas as coisas eram formadas por partes menores, minúsculas, cada uma delas eterna e mutável.

Antiga Sócrates 470-399a.C. A relva e as árvores nada lhe ensinavam.

Antiga Platão 427-347a.C. Idealista e, na sua escola, passou sua visão sobre Sócrates.

Antiga Aristóteles 384-322 a.C. Realista, primeiro sistematizador das ciências. Organizador meticuloso que queria pôr ordem nos conceitos dos homens (ordem é também sinônimo do positivismo mais tarde), fundando assim a lógica como ciência.

Média Santo Agostinho

354-430 d.C. Vertente idealista de Platão, acreditava que o homem necessitava de salvação divina (da fé).

Média São Tomás de Aquino

1225-1274 d.C. Cristianizou Aristóteles, encarando duas verdades: a 1ª do que era natural antes da revelação divina e a 2ª após a revelação, sem contrapô- las.

Fonte: Güllich; Pansera-de-Araújo, 2003 – Mestrado em Educação nas Ciências – UNIJUÍ.

Os três primeiros eram considerados os filósofos da natureza, na antiguidade, por terem dado atenção especial a fenômenos naturais, princípio que alavancou a separação entre a filosofia e a religião. Foram os primeiros a tecer um caminho que levou a humanidade a uma “forma científica” de pensar o mundo, propiciando o nascer das ciências naturais. Eles buscavam o conhecimento e criticavam a mitologia, contrapondo-a à fé, já que nada pode surgir do nada.

Se Heráclito já acreditava nos sentidos e na observação, Aristóteles ao sintetizar as idéias deste filósofo, cujos escritos foram perdidos, percebeu importância da observação, como base do método defendido, posteriormente.

Na antiguidade, a escola de Platão pregou o discurso de Sócrates, que foi queimado por “persuadir” jovens de sua época. Aristóteles não usou apenas a razão como Platão, usou também seus sentidos (GAARDER, 1995, p.121). Daí a importância da observação e comparação nos métodos taxionômicos. No

desenvolvimento da história da filosofia está imbricado o percurso inicial da biologia, pois Aristóteles, pode ser considerado também, o primeiro biólogo da Europa, porque seu maior interesse estava na “natureza viva” (p.121).

Segundo Gaarder (1995, p.127), “Quando reconhecemos as coisas, nós as ordenamos em diferentes grupos ou categorias”, pois todas as coisas na natureza podem ser agrupadas ou categorizadas para facilitar sua identificação, e Aristóteles tentou mostrar este processo à humanidade. Para ele, o que diferenciava os animais e as plantas das pessoas era a capacidade de pensar, ou seja, ordenar suas impressões sensoriais em diferentes grupos e classes.

No final da Antigüidade, temos o período romano, em que Roma assume o predomínio militar (50 a.C.). A cultura romana e a língua latina passam juntamente a predominar desde a Europa até a Ásia. O latim foi a língua escolhida nas ciências, para separar o laico do erudito, já que a religião separou e distinguiu o profano(povo) do sagrado(sábios da igreja).

A ciência do helenismo advinda da internacionalização dos reinos helênicos - Macedônia, Egito e Síria - fez com que Alexandria, no Egito, fosse a união do Oriente e com o Ocidente (GAARDER, 1995, p.116), tornando-se a capital da Biologia, da Medicina e das Artes, entre outras.

A medicina desenvolveu-se utilizando a botânica (o conhecimento das plantas) como sendo sua base teórica. Sabe-se que as ervas medicinais e as essências extraídas por boticários estão presentes desde a origem da medicina até os dias de hoje na base de inúmeros medicamentos e tratamentos.

Durante toda a Idade Média, o Renascimento fez com que a cultura antiga e as idéias de Aristóteles, por meio de São Tomás de Aquino, constituíssem novos conhecimentos.

Durante toda a Idade Média, os árabes foram líderes em ciências tais como o matemática, química, astronomia e medicina. Até hoje empregamos os ‘algarismos arábicos’, por exemplo. Em alguns campos, a cultura árabe era mesmo superior à cristã (GAARDER, 1995, p. 191).

Além disso, percebe-se que não só os cristãos eram conhecedores da Ciência mas, também, outros povos, como os árabes (cf. GAARDER, 1995). Podemos, com isso, notar que a história se encarregou de manter presente o passado, transmitindo às civilizações um produto cultural, baseado em seus conhecimentos através da tradição, de geração a geração (BERNAL, 1997).

Já na Idade Moderna (séculos XV e XVI), as transformações como a “Reforma”, serviram segundo Gaarder (1995, p.215), para deixar a relação entre ciência e religião mais livre à autonomia, da razão e da ciência.

O Renascimento traz consigo os experimentos sistemáticos de Galileu Galilei, que visam tornar tudo mensurável, pois, até o século XVII, a matemática e a física eram rainhas absolutas das ciências. Constrói-se, assim, o método científico baseado no Empirismo - Indutivismo, defendido amplamente pelo filósofo Inglês Francis Bacon, este considerado o Pai da Ciência Moderna, em função do uso desse método.

Desde a Idade Antiga, o homem indagou-se sobre a origem do mundo e da vida, tentando entender a vida como um processo. Ele avançou em diferentes aspectos, embora, até a Idade Média, tenha sido dominado pelos dogmas da religião, dos ensinamentos bíblicos, das revelações e do sobrenatural.

A ciência passa a encarar os fenômenos como perguntas, com dúvidas e explicações, opondo-se à religião. Durante muito tempo, esse processo foi esquecido e, somente após a Alta Idade Média e durante a revolução científica, foi relembrado, conforme Mayr (1998). Com essa retomada, começou-se a questionar também as Escrituras Sagradas (Bíblia).

A lógica escolástica dominou o método taxonômico, do conhecimento biológico de Cesalpino até Lineu (MAYR, 1998).

O Aristotelismo grego seguia um padrão, uma doutrina imposta pela sociedade sagrada da época (igreja - detentora do conhecimento). O nominalismo

que atribuía uma mera denominação às coisas segundo Marques (1993), predominou no surgimento do método escolástico (científico) que tinha como premissa o “colocar a questio”. Então a tradicional e mecanicista concepção de ciência esteve em ascensão desde esta época.

Na ciência, residiam as explicações alternativas, não como dogmas da religião e sim, para substituir uma teoria por outra. Segundo Mayr (1998), para Galileu a medida e a quantificação eram de suma importância e para Aristóteles o método experimental era a única aproximação que conduzia a resultados.

Nasce, assim, o Método da Ciência, que despontou a partir do séc. XIX, e, foi iniciado por Aristóteles, seguido por Descartes, ambos indutivistas, para mais tarde ser consolidado como o Método hipotético-dedutivo, a partir da especulação e depois da condução dos experimentos. Usado por Darwin, desmantelou o indutivismo (de Bacon), crucial desde o séc. XVIII. A física rendeu-se ao método e dessa decisão nasce o seu grande predomínio entre as ciências. No século XVII, o Método foi escrito por René Descartes em francês e não em latim, uma consideração importante para o desmantelamento das questões postas, ou seja, do conhecimento científico ser apenas daqueles que conheciam latim.

A Biologia concebeu seu pensamento baseando-se no Método indutivo e no hipotético-dedutivo comparativo, a partir da observação, da classificação, da análise e das leituras do real com aproximações. O método científico foi também responsável pela condução da hierarquia Lineana (MAYR, 1998). De mais a mais, não existem grandes separações entre estes métodos; existe, sim, uma complementaridade.

A Física, hoje, já se entende como produto de múltiplos saberes, usando também da observação e aproximações para não perder seu espaço dentre as demais ciências modernas.

A autonomia da Biologia seguia seu curso, ainda que tênue. A história da Biologia continua por áreas diversas como a Zoologia, a Botânica e a Embriologia. O

pensamento humano rompe paradigmas, coloca-se à frente na pesquisa, registra suas observações, analisa e remonta histórias próprias, específicas.

A história da sociedade humana apresentada neste texto, mostra que o pensamento biológico surgiu posterior ao conhecimento botânico e que a Botânica, enquanto saber específico, teceu e tece história, memória e relações com o homem.